P O R PAU LO C E Z A R S OA R ES
Houve um tempo, no Brasil, em que o pastor evangélico impunha respeito e, entre os fiéis, admiração. As mensagens bíblicas eram elaboradas e pregadas com paixão e alma, sem a manipulação do texto bíblico visando interesses próprios. A pregação, momento singular do culto, era valorizada.
Passadas três décadas da expansão das igrejas evangélicas e da população crente, o que temos, de modo geral, são mensagens preparadas via redes digitais e igrejas lotadas, mas vazias de conteúdo bíblico.
Além disso, o fundamentalismo grassa na maior parte das denominações e, não raro, os pastores dão uma ênfase literal a textos poéticos ou fazem o contrário, tratando como metáfora o que é literal. Distante do conteúdo bíblico, essas igrejas tampouco são capazes de contribuir para as transformações sociais.
No livro O Púlpito – Fé, Poder e o Brasil dos Evangélicos, a jornalista Ana Virginia Balloussier oferece ao leitor uma cosmovisão do universo evangélico brasileiro, presente nos veículos de comunicação, nos produtos culturais, na internet, e no governo de Jair Bolsonaro, que teve, como se sabe, apoio maciço dos evangélicos.
A autora constrói sua narrativa por meio de um conjunto de entrevistas realizadas tanto com pastores famosos – como Silas Malafaia, Edir Macedo, Valdemiro Santiago e o casal Estevam Hernandes e Sonia Hernandes – quanto com evangélicos anônimos.
Por meio dessas falas, Anna Virginia permite que o leitor acompanhe as transformações econômicas e ideológicas ocorridas no meio evangélico – como a questão do dízimo e as pautas de caráter comportamentais – e, por consequência, na própria sociedade brasileira.
As igrejas evangélicas possuem suas raízes na cultura estadunidense e uma estrutura de culto e certos padrões de comportamento que nada têm a ver com a realidade brasileira. No passado, pastores esclarecidos, e preocupados em pregar de forma clara e objetiva para o povo, tentaram aproximar a igreja das lutas populares, por meio da Teologia da Libertação – que é mais conhecida por sua vertente católica, mas existiu também no protestantismo. Foram, no entanto, coibidos pelo golpe de 1964.
Esse movimento, que se deu no contexto do continente latino-americano e tinha um viés de esquerda, teve como marco a Conferência Nordeste, realizada em 1962, em Recife, e que foi organizada por Rubens Alves (1933-2014) e Richard Shaull (1919-2002), pastores presbiterianos. A guinada evangélica do País, nos anos que se seguiriam, seria, no entanto, totalmente à direita.
“Líderes neopentecostais, pentecostais e históricos – e nem gosto mais de usar esses rótulos de forma tão estanque – apoiaram em peso Bolsonaro. Me interesso em tentar compreender como chegamos até aqui”, diz Anna Virginia. “Como tantos evangélicos, lembrando que a maioria do segmento é feminina, negra e pobre, foram arrebatados pelo discurso bolsonarista? E por que a esquerda não tem conseguido falar com esse eleitorado? Será que isso não envolve um tanto de preconceito contra ‘os crentes’ e certa incompreensão mesmo, de não conhecer, por exemplo, a linguagem deles?”
A autora ressalta que os evangélicos bolsonaristas não inovaram ao tentar embasar suas convicções com justificativas cristãs. “Lembremos da marcha que evocou Deus e a família antes do golpe de 1964, num Brasil onde o catolicismo ainda era soberano”, recorda ela. “Ou de tantos papas coniventes com atrocidades ao longo dos séculos. A Igreja Universal, na Venezuela, apoia Maduro, que tem buscado respaldo evangélico para manter sua ditadura”.
Anna Virginia lembra que a estratégia evangelizadora ganhou novos ares em 1980. Ela cita televangelistas do Hemisfério Norte, como o norte-americano Jimmy Swaggart, primo do cantor Jerry Lee Lewis que impactou uma legião de pastores, e do bispo canadense Robert McAlister, que acabou por mudar-se para o Brasil.
McAlister trouxe para o País o que seria o berço da Igreja da Graça de Deus e da Universal do Reino de Deus, considerada por muitos como não uma igreja, e sim uma seita e que, desde sua criação, tem o objetivo de dominar a comunicação e a política.
Esse novo modelo de “fé” fez com que líderes brasileiros, como Malafaia, passassem a adotar “instrumentos antes repudiados como aliados da causa evangélica”. O principal deles foi a compra de horários nas grades de tevê para, por meio do mais popular meio de comunicação do País, disseminar seus princípios. E foram assim ativando, de pregação em pregação, o que o sociólogo da religião peruano José Luiz Perez Guadalupe chama de “combo teológico”.
No lugar da Teologia da Libertação, passamos a ter, como bem demonstra o livro Púlpito, a Teologia da Prosperidade, a Teologia da Guerra Espiritual e a Teologia do Domínio.
O que o livro também busca deixar claro é que o universo evangélico – aí incluídos pastores e fiéis – não forma um bloco coeso e monolítico. Ou seja, sempre haverá pastores sérios, que praticam um evangelho ético e libertador, seguindo o que o apóstolo Paulo ensinou em 1 Coríntios 14.3: edificar, exortar e consolar. •
CARTA CAPITAL
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