May 9, 2024

Bolsonaro consegue anistia e disputa a Presidência em 2026 ?

 

 Bolsonaro aposta nos interesses em jogo na eleição
para o comando da Câmara e do Senado para
conseguir uma anistia e disputar o Palácio do Planalto
em 2026. Não será fácil  

 MARCELA MATTOS

UM DESAVISADO que observar os movimentos de Jair Bol-
sonaro nos últimos doze meses não hesitaria em afirmar que
ele está em plena campanha. Nesse período, ele visitou mais de
sessenta cidades, promoveu comícios, desfilou em carro aber-
to, participou de eventos, discursou e fez muitas críticas ao
atual governo — comportamento típico de um candidato. O
desavisado ficaria confuso ao saber que o ex-presidente foi
condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral, está inelegível e
só poderá voltar a disputar um mandato daqui a seis anos, em
2030. Oficialmente, Bolsonaro está nas ruas testando seu pres-
tígio político para usá-lo, se for o caso, em favor de aliados nas
eleições municipais, e mais adiante, em 2026, nas eleições pre-
sidenciais. Na segunda-feira 29, o capitão esteve na Agrishow,
a maior feira agrícola do país. Do alto de um carro de som, ele
falou das ações de seu governo em benefício do setor e encer-
rou a participação no evento com uma frase que intrigou os es-
pectadores: “Se eu não voltar um dia, fiquem tranquilos. Plan-
tamos sementes ao longo desses nossos quatro anos”.


O ex-presidente não é conhecido pela clareza com que
costuma vocalizar suas ideias, mesmo as mais simples. Num
primeiro momento, a declaração foi interpretada como um
aceno aos governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos),
de São Paulo, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, que
estavam a seu lado no carro de som e são apontados como
presidenciáveis. Eles seriam as tais “sementes”. A dúvida re-
side sobre o que Bolsonaro quis dizer quando fez a ressalva“

Se eu não voltar um dia”. Basta uma conversa de alguns mi-

nutos com ele para entender que a frase não tem nada de
enigmática. O capitão realmente acredita que estará apto a
disputar as eleições presidenciais em 2026. Há apenas duas
hipóteses em que isso poderia acontecer. No ano passado, o
Tribunal Superior Eleitoral suspendeu os direitos políticos do
ex-presidente por abuso de poder. Ele questionou a decisão, o
caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, mas a Procura-
doria-Geral da República já emitiu parecer contrário ao re-
curso. A chance de a Corte anular a sentença é zero. Juridica-
mente, portanto, não há nenhuma perspectiva.


A aposta do ex-presidente é política, no Congresso Nacio-
nal, onde ele tem um contingente que não costuma dar muita 

atenção ao bom senso ou à opinião pública. Em tese, os con-
gressistas podem anistiar o ex-presidente. Já há quase uma
dezena de projetos tramitando nessa direção, quase todos
utilizando um argumento no mínimo exótico. O perdão seria
concedido com o objetivo de pacificar o país, polarizado en-
tre petistas e bolsonaristas. Além de Bolsonaro, seriam bene-
ficiados também todos os condenados pelos atos golpistas do
dia 8 de janeiro. Parlamentares ouvidos por VEJA avaliam
que hoje a medida não teria o respaldo necessário para avan-
çar, mas isso pode mudar radicalmente no ano que vem. Em
fevereiro, deputados e senadores vão eleger os presidentes da
Câmara e do Senado. A disputa em torno desses dois cargos
importantes da República envolve acordos e conchavos às
vezes inimagináveis em troca de apoio e votos. O projeto de
anistia já entrou nesse balaio de negociações.


Recentemente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) se re-
uniu com o senador Davi Alcolumbre (União-AP), cotado
para suceder a Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na presidência
do Senado. Na ocasião, o filho Zero Um do ex-presidente
apresentou uma lista de demandas da oposição. No rol, esta-
vam o projeto que reduz a maioridade penal e o que anistia
“todos” os envolvidos nos acontecimentos de 8 de janeiro e
restaura os direitos políticos de quem foi declarado inelegível
em decorrência de atos, declarações e manifestações relacio-
nados às eleições de 2022. Dos 81 senadores, estima-se que
pelo menos trinta são aliados de Bolsonaro. O apoio dessa
bancada pode definir a eleição em favor do senador ama-
paense. Além disso, os bolsonaristas lembram que as previ-
sões dão conta de que a bancada conservadora ainda passa-
rá de trinta para 45 senadores a partir de 2027, suficiente
para garantir a reeleição de Alcolumbre para mais dois anos
à frente do Congresso, caso ele firme o compromisso de le-
var o projeto de anistia adiante. O senador ouviu a proposta,
mas não disse nem que sim nem que não.


A ideia da anistia é tão ousada quanto absurda e certa-
mente seria contestada no Supremo Tribunal Federal, mas
há um precedente que anima a bancada bolsonarista. Em
1995, o Congresso derrubou a cassação e a inelegibilidade
do senador Humberto Lucena (PMDB-PB). À época, ele

oi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral por abuso
de poder ao usar a gráfica do Senado para imprimir calen-
dários com a sua imagem e distribuir a seu eleitorado antes
de a campanha começar. Assim como Bolsonaro, ele per-
deu os direitos políticos. Depois, Câmara e Senado aprova-
ram, e o então presidente da República, Fernando Henri-
que Cardoso, sancionou, um projeto que tornou sem efeito
a decisão da Justiça Eleitoral. A Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) chegou a contestar a decisão no STF, que
atestou a legalidade da anistia. Esse é o caminho político
que faz o ex-presidente acreditar que poderá disputar o Pa-
lácio do Planalto em 2026.

A situação legal de Jair Bolsonaro também está na pauta
de acordos e conchavos dos candidatos à presidência da Câ-
mara. No início de abril, o deputado Elmar Nascimento
(União-BA), candidato a suceder a Arthur Lira (PP-AL), fez
um aceno aos colegas bolsonaristas. Ele se encontrou com o
ex-presidente da República Michel Temer para tratar de pro-
posta que prevê uma anistia ao capitão — só que essa seria
parcial e condicionada. Bolsonaro é alvo de inquéritos que in-
vestigam uma infinidade de crimes — fraude no cartão de va-
cinação, propagação de notícias falsas, desvio de joias do
acervo público e tentativa de golpe de Estado. A ideia do de-
putado é a seguinte: se Bolsonaro for condenado por atentar

contra a democracia, por exemplo, a pena seria imediatamen-
te suspensa e ele não seria preso, exceto se praticasse nova-
mente o mesmo crime. A inelegibilidade, porém, seria manti-
da. O argumento para justificar a proposta, de novo, é um tan-
to exótico. O parlamentar justifica que, no passado, crimes de
tortura e assassinatos cometidos durante a ditadura foram
anistiados como forma de pacificação. “Qual será a reação no
país se Bolsonaro for preso? Será que não terá uma convulsão
popular?”, endossa um apoiador do ex-presidente. Não é exa-
tamente essa a principal motivação dos congressistas.
Michel Temer, aliás, foi procurado justamente pela rela-
ção que mantém com o ministro Alexandre de Moraes, o

juiz do STF responsável pelos inquéritos que investigam Bolsonaro.


Constitucionalista, o ex-
-presidente também te-
ria sido instado a anali-
sar juridicamente a pro-
posta. O assunto, por en-
quanto, é discutido ape-
nas nos bastidores. As-
sim como no Senado, os
candidatos à presidência
da Câmara precisam dos
votos da bancada con-
servadora. São mais de
200 deputados. Qual-
quer sinalização na dire-
ção de livrar o capitão de uma punição serve como isca para
fisgar apoio. Indagado a respeito, Elmar não quis se pronun-
ciar sobre o assunto. Parlamentares próximos a ele, no en-
tanto, explicam que a proposta tenta encontrar uma fórmula
que beneficie o ex-presidente e, ao mesmo tempo, não desa-
grade ao Judiciário. Difícil. É perfeitamente possível imagi-
nar a opinião de Alexandre de Moraes sobre tal abstração.
Já Bolsonaro foi informado recentemente do projeto de anis-
tia parcial. “Só depois que enterrarem o meu corpo”, disse.
Parece que ele não gostou

VEJA

 

 

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