October 8, 2022

A guerra do segundo turno

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Estamos em estado de choque, lei-
tor. Começo este artigo na noi-
te de domingo, dia do primeiro
turno. Tinha outro artigo, praticamen-
te pronto, para publicar na segunda-fei-
ra seguinte, intitulado “O terceiro tur-
no”, no qual fazia considerações sobre a
pretensão do poder econômico-finan-
ceiro de colonizar o futuro governo Lu-
la. Um resumo chegou a ser publicado
na revista. A versão completa foi, po-
rém, engavetada para uma ocasião mais
oportuna, por motivos óbvios.

 
Recapitulo brevemente. Até domingo,
havia dois cenários considerados possíveis
– vitória de Lula, raspando, no primeiro
turno, ou decisão no segundo turno, com
Lula vencendo o primeiro com vantagem
muito ampla. Contudo, as pesquisas erra-
ram feio, por motivos ainda não inteira-
mente claros, não só na presidencial, on-
de subestimaram os votos para Bolsonaro,
como em vários estados, destacadamen-
te em São Paulo. A vantagem de Lula aca-
bou significativa, porém inferior ao pre-
visto, até mesmo em pesquisas de véspera.
Agora é a guerra do segundo turno.

 
Guerra, sim. E essa era uma das razões
para liquidar a parada no primeiro tur-
no. O que se viu foi um Bolsonaro mais
forte do que o esperado. O bolsonarismo,
fenômeno que transcende a figura do lí-
der e as fronteiras brasileiras, se mostrou
mais forte do que imaginávamos e do que
indicavam as pesquisas. Frustraram-se
as expectativas um pouco infladas de vi-
tória no primeiro turno. A decepção com o
desempenho acima do previsto de Bolso-
naro, assim como a força dos candidatos
apoiados por ele, inclusive lixos notórios,
em eleições para governos de estado e pa-
ra o Congresso, levaram a um sentimento
de desânimo e derrota. Grande parte da
esquerda derramou-se em lamúrias. Al-
guns começaram a atacar o Brasil intei-
ro – um País que deu, leitor, vantagem de
mais de 6 milhões de votos a Lula, quase
o elegendo no primeiro turno. Meio ciclo-
timicamente, muitos passaram da eufo-
ria ao desespero em questão de horas. Es-
queceram-se do que dizia Tom Jobim: “O
Brasil não é para principiantes”.

 
Por outro lado, leitor, outro grande ar-
tista brasileiro, Nelson Rodrigues, lem-
brava que “a vitória sofrida é mais doce”.
Vamos em frente, portanto. Mais doce,
mas mais arriscada, claro. A eleição se-
rá dura, tudo indica. E a vitória de Lula
não está garantida.

 
A economia é um dos dados da conjun-
tura que precisam ser levados em conta,
como sempre. O nível de atividade eco-
nômica e o mercado de trabalho melho-
raram gradualmente ao longo de 2021. O
PIB cresce mais do que se previa no iní-
cio do ano, com aumento projetado para
algo entre 2,5% e 3%. A taxa de inflação
esperada para o ano caiu para menos de
6%. O nível de emprego aumentou – in-
clusive, mais do que o PIB, e a variável
emprego pesa mais do ângulo político do
que o crescimento do produto. O aumen-
to da elasticidade aparente do emprego
em relação ao produto precisa ser in-
vestigado, mas parece dever-se em par-
te à mudança na composição do PIB, com
crescimento do peso relativo do setor de
serviços, mais intensivo em trabalho.

 
Quando se olha para além da conjun-
tura, os resultados de domingo deixaram
claro, para quem tinha dúvidas, que es-
tamos diante de um fenômeno da maior
importância – a força eleitoral no Bra-
sil da ultradireita, fascista ou protofas-
cista, espelhando o que vem acontecen-
do em outras partes do mundo. Bolsona-
ro e o bolsonarismo não são, infelizmen-
te, um ponto fora da curva. Essa ultradi-
reita, mais agressiva, mais primitiva do
que a direita tradicional, é uma verdadei-
ra onda aqui e em outros países.

 
Não vou tentar caracterizá-la agora,
com suas várias facetas, pois essa ultra-
direita é uma conhecida nossa. Limito-
-me a inseri-la, em rápidas pinceladas, na
história política brasileira. Desde que vol-
taram as eleições diretas para presiden-
te, em meados do século XX, o Brasil te-
ve algumas ondas políticas poderosas. A
primeira, inaugurada por Getúlio Vargas,
passou por JK, Jango e terminou com Bri-
zola – depois de ter sido interrompida pelo
golpe de 1964. A segunda onda, inaugura-
da por Lula e pelo PT, surgiu nos anos 1980
e está viva até hoje, graças em grande me-
dida ao talento e carisma do seu principal
líder político. A terceira onda é o bolsona-
rismo, que também tem, quer gostemos,
quer não, um líder carismático e popular.
Hoje existem, na verdade, apenas dois lí-
deres políticos que têm conexão com o po-
vo – Lula e Bolsonaro, e não por acaso os
dois se enfrentarão no segundo turno.

 
A onda Lula-PT, mais antiga, enve-
lheceu? “Aburguesou-se”? Ou conserva
o dinamismo original? É o que veremos
nas próximas semanas. Como o PT e os
demais setores da esquerda e da frente
ampla se comportarão? Estarão à altu-
ra do desafio?

CARTA CAPITAL

 

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