October 15, 2022

Faca no pescoço

 

Lula, em Belo Horizonte, reforça o compromisso com a redução da miséria, a geração de oportunidades e a retomada do crescimento. O mercado financeiro alimentou o boato de que Henrique Meirelles assumiria o Ministério da Economia - Imagem: Ricardo Stuckert e Nelson Almeida/AFP  
Por Carlos Drummond
Tenham paciência”, pediu o ex-
-presidente Lu-
la em reunião
com represen-
tantes de movi-
mentos sociais,
economistas e banqueiros em São Paulo,
na segunda-feira 10. Instado pelo chama-
do mercado a revelar nomes do futuro mi-
nistério, caso vença as eleições, e a abra-
çar a agenda neoliberal, o petista desaba-
fou: “A imprensa me cobra, quer saber do
ministro da Economia, mas isso acontece
desde 1989. Só se eu fosse bobo indicaria
um ministro antes de ganhar as eleições”.
Pressões abertas e veladas de agentes
do mercado e cobranças enviesadas por
parte da mídia reeditam agora, de forma
mais incisiva, a chantagem constatada no
primeiro turno, com intensa participação
dos meios de comunicação. Na sexta-fei-
ra anterior à eleição, a revista Veja deu
como certa a escolha do ex-presidente do
Banco Central e ex-ministro da Fazenda

Henrique Meirelles para o Ministério da
Economia, no caso de uma vitória petis-
ta. Segundo o semanário, a indicação se-
ria anunciada nas próximas horas. A fake
news foi desmentida no mesmo dia e é dis-
cutível se contribuiu para forçar o segun-
do turno, mas deve ter proporcionado ga-
nhos especulativos para poucos. Também
se especulou a respeito de uma versão da
“Carta aos Brasileiros” de 2002 direcio-
nada ao agronegócio, que apoia em peso
Jair Bolsonaro. Integrantes da campanha
petista repelem a ideia (na quarta-feira 12,
Lula lançou uma missiva aos cristãos, na
qual defende a liberdade religiosa, forma
de espantar os boatos sobre sua intenção
de fechar igrejas e templos).
 
A “notícia” sobre Meirelles minis-
tro foi claramente um hedge, ou prote-
ção de parte do mercado financeiro, diz
um operador que prefere manter o ano-
nimato. Existia a leitura de que, em um
segundo turno, haveria condições mais
propícias para pressionar Lula a adotar a
pauta liberal e uma vitória petista no pri-
meiro turno seria, portanto, ruim aos in-
teresses da Faria Lima. “Então, o que o
mercado fez? Vazou notícia falsa, a Bolsa
subiu, os grandes investidores venderam
suas posições com o preço em alta, os pe-
quenos compraram a ideia de que seria o
Meirelles e a turma da grana ficou líqui-
da para, na segunda-feira, não ter dor de
cabeça no caso de Lula ganhar no primei-
ro turno”, disparou o profissional.
 
A presunção dos agentes do mercado de
que um segundo turno era uma oportu-
nidade caracteriza, contudo, um erro de
previsão grosseiro. Os investidores acha-
vam que, no dia seguinte ao da divulga-
ção do resultado do primeiro turno, es-
tariam à mesa para discutir a regra fis-
cal com a chapa Lula-Alckmin. “Eles não
entenderam nada. O que se estava discu-
tindo na segunda-feira? Satanismo. Por-
que essa eleição não é sobre regra fiscal,
é sobre costumes”, disse um empresário
que participou do encontro do candidato
do PT com o Grupo Esfera, na terça-fei-
ra 27 de setembro, sob a condição de que
seu nome não seria divulgado. “Ninguém
vai ganhar a eleição prometendo regra fis-
cal. Foi isso o que eles não entenderam.”
 
Presumir que Lula estaria mais incli-
nado a aceitar as posições do sistema fi-
nanceiro e do empresariado sobre a ques-
tão econômica foi um equívoco, por ao
menos três motivos. Em primeiro lugar,
como ressaltou a fonte acima, em nenhu-
ma eleição os candidatos prometeram re-

gras fiscais. Em segundo, o que costuma
ocorrer em segundos turnos é o contrá-
rio: uma corrida para acenar com mais
benesses e maior expansão dos gastos. As
promessas de Bolsonaro, de concessão de
13º salário do Auxílio Brasil para mulhe-
res chefes de família e a de Lula, de isen-
ção de Imposto de Renda para quem ga-
nha até 5 mil reais, foram assumidas pe-
los candidatos logo após o resultado do
primeiro turno. Terceiro ponto: presumir
que o prolongamento da disputa iria for-
çar uma negociação sobre os temas eco-
nômicos mostrou-se um engano também
porque o ex-presidente tem dito, aos que o
cercam e em público, que aumentar o sa-
lário mínimo, acabar com a fome e com
o teto de gastos são pontos inegociáveis.
Lula diz estar convencido de que será pre-
ciso tomar atitudes que vão desagradar ao
mercado e à imprensa, e que em um novo
mandato, na situação desastrosa herdada
de Bolsonaro, haverá necessidade de ar-
rojo, de fazer diferente.
Ahistória divulgada por
integrantes do siste-
ma financeiro, empre-
sários e mídia, de que o
petista não tem sido cla-
ro quanto à agenda econômica, não cor-
responde às evidências. No encontro com
o Grupo Esfera, entre outros, o ex-presi-
dente expôs de modo afirmativo e claro
as suas proposições, com ênfase naque-
las que considera inegociáveis, relaciona-
das acima. Como costuma acontecer nes-
se tipo de encontro, os participantes não
escutam o que não querem escutar, e ele
não falou o que eles queriam ouvir. “Ele
explicou com muita clareza. Ali a agenda
econômica ficou mais clara, mais trans-
parente, do que em todas as outras opor-
tunidades”, afirma o empresário. Lula re-
lembrou que fez superávit fiscal em to-
dos os anos do seu governo e o Brasil foi
o único país a atingir esse resultado na-
quele período. Em consequência, a dívida
pública diminuiu de 60,4% para 39,2% do
PIB entre 2002 e 2010, destacam os eco-
nomistas Eduardo Fagnani e Guilherme
Mello, da Unicamp, e Gerson Gomes, do
Centro de Altos Estudos do Brasil para
o Século 21, no livro Crescer e Distribuir
É Possível! Confrontando a Narrativa

Golpista Sobre a Economia e o PT.
“Vocês ficaram o tempo todo brigan-
do pela independência do Banco Central.
Não é aceitável que, para controlar a in-
flação, o presidente do BC coloque os ju-
ros onde ele quiser, sem observar a situ-
ação do emprego e da renda. O Meirelles
tinha que participar comigo das conver-
sas para discussão dos temas de emprego
e renda. E eu vou querer conversar com
esse rapaz (o atual presidente do BC) so-
bre emprego e renda”, disse o candidato
à plateia. E acrescentou: “Vocês se pre-
parem, os bancos públicos vão voltar”.
 
Nada disso mudou, porém, as obsessões
do próprio mercado em ter no Ministé-
rio da Fazenda um Henrique Meirelles
ou um Marcos Lisboa, secretário de Po-
lítica Econômica do primeiro mandato
petista. É o pedido de sempre.
 
A respeito de como a campanha de Lu-
la pretende reagir às crescentes pressões
do mercado e até onde é aceitável ceder,
Mello, colaborador do programa de gover-
no, aponta outra perspectiva. “Não é uma
questão de responder às pressões do mer-
cado. O programa de governo e as diretri-
zes estão sendo lançados e se mantêm. O
que a gente está fazendo agora é incor-
porar as proposições dos candidatos que
decidiram nos apoiar no segundo turno
e vêm dando importantes contribuições
para o nosso programa. Agregar propos-
tas e ideias novas. Continuamos fazendo
mesas de diálogo”, sublinhou. “Há mui-
tos economistas, inclusive do PSDB, nos
apoiando. O nosso compromisso é incor-
porar e melhorar as propostas com base
no que os candidatos estão apresentan-
do nessas mesas de diálogo. Não há uma
discussão sobre como reagir a pressões
do mercado. Não existe o mercado, mas
agentes, que pensam diferente, muitas ve-
zes.” Os economistas tucanos menciona-
dos por Mello são Pedro Malan, Arminio
Fraga, Edmar Bacha e Pérsio Arida, que
declararam voto em Lula no segundo tur-
no. Destaca-se também a adesão de André
Lara Resende, da equipe do Plano Real.
 
O PT trabalha para ampliar o arco de
aliança e derrotar Bolsonaro nas urnas.
O partido reconhece que a senadora Si-
mone Tebet, apoiadora no segundo tur-
no, tem bons programas de educação e
de transferência de renda, assim como
Ciro Gomes elaborou boas propostas de
transferência de renda e de renegociação
de dívidas. A ideia é discutir e incorpo-
rar aquilo que puder enriquecer a pauta.
 
A tentativa da mídia de submeter Lu-
la aos desígnios do mercado inclui até um
esforço para redimir o governo do péssi-
mo desempenho na área econômica. A
Folha de S.Paulo, no editorial intitulado
“É a economia, Lula”, defende que o pa-
norama econômico não corresponde a
um cenário de terra arrasada e sublinha
o “otimismo com o futuro imediato”. Is-
so, cabe ressaltar, diante do retorno da fo-
me em proporções oceânicas, do desem-
prego elevado crônico, da precarização da
maior parte dos postos de trabalho novos,
do rebaixamento do Brasil no ranking dos
países com os maiores PIBs, da debanda-
da de multinacionais instaladas há déca-
das no País e dezenas de outros indica-
dores de uma economia que segue ladei-
ra abaixo. O desempenho que tanto ani-
ma o jornal paulista consiste em um es-
pasmo de recuperação nos últimos meses,
à custa de anabolizantes que devem pro-
vocar um rombo nas contas públicas de
430 bilhões de reais, ou 4,2% do PIB, nos
cálculos dos economistas Manoel Pires
e Bráulio Borges, do instituto FGV-Ibre.
De acordo com o IBGE, o
IPCA não teria deflação
nos últimos três meses
se o preço da gasolina
não fosse reduzido pe-
la desoneração imposta aos estados pe-
lo governo federal. Com grave prejuízo,
é importante acrescentar, da receita tri-
butária destinada à saúde e à educação.
“As trajetórias de itens importantes mos-
tram esgotamento da renda e abertura
da economia. Em setembro, desconta-
dos os efeitos dos impostos, a contribui-
ção dos preços livres teria sido de 0,20%
e não de 0,02%. Nos preços administra-
dos, em vez de queda, teria ocorrido uma
contribuição positiva de 0,13%”, calcula
o economista-chefe do Banco Fator, José
Francisco Lima Gonçalves.
 
Não arredar pé da remoção do teto
de gastos e adoção de outra regra fiscal
é condição mínima para viabilizar um  
governo que não precise depender a to-
do momento da aprovação, pelo Congres-
so, de Proposta de Emenda Constitucio-
nal para tapar rombos, esclarece a eco-
nomista Júlia Braga, pesquisadora e pro-
fessora da Universidade Federal Flumi-
nense. Apesar das PECs que permitiram
estouros, com as situações excepcionais
devido aos efeitos econômicos da pande-
mia e da guerra na Ucrânia, o teto de gas-
tos está em pleno vigor, observa a econo-
mista. Para acontecerem esses estouros,
diz, é preciso um processo de negociação
e aprovação no Congresso.
 
Péssima para as políticas públicas, a re-
gra do teto de gastos parece justificar-se
precisamente por esse efeito, pois seu pa-
pel no funcionamento da economia é per-
nicioso. “Acho que os agentes do mercado
têm uma visão equivocada a respeito da
importância dessa regra para a economia.
Ao contrário do que eles pensam, nem o
prêmio de risco, nem a taxa de juros, nem a
taxa de câmbio dependem dela”, sublinha
Braga. Seu efeito, diz, é um crescimento
recorrentemente abaixo da média mun-
dial. “Mesmo neste ano, com o ciclo elei-
toral, a alta prevista não é nada excepcio-
nal e não ultrapassa a média mundial.”
Segundo Vinícius Amaral, con-
sultor legislativo no Senado,
“o problema central da elabo-
ração do orçamento da União
tem sido, especialmente des-
de a pandemia, a extrema rigidez do teto
de gastos. O congelamento de despesas
imposto, já desarrazoado quando de sua
criação, tornou-se impraticável diante
das demandas de maior atuação estatal”.
Por isso, diz, houve sucessivas emendas
constitucionais para ajustar o teto. Esses
ajustes têm sido, no entanto, precários e
provisórios, pois não alteram a dinâmi-
ca básica em operação desde a institui-
ção da regra, de contínua compressão das
despesas discricionárias, especialmente
investimentos, por um conjunto de gas-
tos obrigatórios que, por sua natureza
intrínseca, aumentam acima da infla-
ção, com destaque para a Previdência.
“Calculamos que as despesas discricio-
nárias do Executivo para 2023 estarão,
em termos reais, 63 bilhões de reais abai-
xo do patamar de 2016, ano-base do teto
de gastos, o que representa queda real de
35%. Isso significa um corte brutal nos
serviços públicos”, contabiliza Amaral.
 
A confluência de teto de gastos e orça-
mento secreto agrava a questão crônica
das distorções do orçamento. Segundo o
consultor, essa combinação produziu as
expressivas reduções verificadas no Pro-
jeto de Lei Orçamentária Anual de 2023
em relação ao orçamento deste ano, co-
mo os cortes de 59% do programa Far-
mácia Popular e de até 97% em ações da
assistência social, assim como levou os
investimentos a patamares mínimos his-
tóricos. “Podemos dizer que o efeito do
teto é reduzir o tamanho do bolo do or-
çamento disponível, enquanto a reserva
para as emendas de relator ocupa uma
parte importante desse bolo reduzido.”
 
O potencial de má utilização das
emendas de relator ou orçamento se-
creto foi dissecado em um vídeo de Tebet
que viralizou nas redes sociais. A emede-
bista disse que as emendas de relator po-
dem ter sido usadas no “maior esquema
de corrupção do planeta Terra”. A sena-
dora explicou quais são as etapas da tra-
mitação dessas emendas no Congresso.
Disse que as cidades recebem o recurso
sem menção da “autoria” da liberação
da verba e, com isso, não é possível saber
qual congressista destinou o dinheiro.
Reivindicou autonomia do Ministério
Público Federal para investigar o caso
e citou, entre outros exemplos, o de
uma cidade do Maranhão, com cerca
de 20 mil habitantes, onde foram feitos
mais exames de HIV do que em toda a
cidade de São Paulo, que tem 12 milhões
de moradores. Em outra localidade, há
registro da extração, em um ano, de 540
mil dentes, o que significaria a remoção
de 14 dentes por indivíduo, inclusive em
recém-nascidos.
 
Enquanto a corrupção corre solta,
dentro e fora do governo, especuladores
e outros aproveitadores de oportunida-
des de lucros rápidos e fabulosos se re-
festelam com a política econômica em vi-
gor. Bolsonaro insiste em privatizar a Pe-
trobras e o ministro da Economia, Pau-
lo Guedes, acaba de sugerir a venda das
praias do País, “um negócio de 1 bilhão
de dólares que o Brasil está deixando de
ganhar”, enfatizou o Posto Ipiranga, que
a esta altura parece trabalhar com com-
bustível adulterado e agora busca uma
rota de fuga em caso de derrota de Bol-
sonaro. Guedes cava uma indicação para
a presidência do Banco Interamericano
de Desenvolvimento, o BID.

CARTA CAPITAL
 

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