October 2, 2022

O terceiro turno

 

Foto: Ricardo Stuckert  
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
C A R T A C A P I T A L  D E O U T U B R O D E     1 5
B A P T I S T Ã O
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O terceiro turno
Estamos todos preocupados com
as eleições presidenciais. Have-
rá segundo turno? Logo sabere-
mos se Lula foi eleito de cara ou se vol-
tará a enfrentar Bolsonaro no fim de
outubro. Mas não é do primeiro nem de
um eventual segundo turno que gosta-
ria de falar hoje, e sim de um outro tur-
no que, se eleito, Lula terá de enfrentar,
quer queira, quer não – o terceiro turno.
O que é esse terceiro turno? Ele come-
ça, caro leitor, antes do primeiro e só ter-
mina depois da eleição. Trata-se do pro-
cesso pelo qual o poder econômico-fi-
nanceiro atua para enquadrar os candi-
datos, no maior grau possível, tornando-
-os atentos e obedientes a seus interes-
ses e privilégios.
 
Isso inclui extrair compromissos do
que será e, sobretudo, do que não será fei-
to. E inclui ainda, talvez mais importan-
te, a pretensão de escalar o time do futuro
presidente, indicando quem deve e quem
não deve ser nomeado para as principais
funções, sobretudo na área econômica.
Vejamos o caso do candidato favori-
to, segundo todas as pesquisas. A turma
da bufunfa tem agora um objetivo pri-
mordial: garantir que Lula, se eleito, fu-
ja o mínimo possível do script. Procura,
em outros termos, colonizar seu gover-
no. Este é sentido do terceiro turno no
Brasil de 2022.
 
Temos, agora, pelo menos uma diferen-
ça importante em comparação com elei-
ções anteriores: o ponto de partida do
establishment financeiro é melhor desta
vez. A lei de autonomia do Banco Central,
aprovada no governo Bolsonaro, estabe-
lece que o comando do Banco Central fi-
ca nas mãos de um executivo do mercado,
Roberto Campos Neto, pelos primeiros
dois anos do novo governo. E Lula, caute-
loso, prontificou-se a indicar publicamen-
te que não procurará mudar esse quadro.
No entanto, a turma da bufunfa quer
mais, sempre mais. Busca o controle do
Ministério da Fazenda, com a indicação
de um nome dela, ou palatável a ela, pa-
ra o comando da pasta mais importante.
Dou de barato que o superministério da
Economia, uma péssima ideia retomada
por Bolsonaro, será dividido de novo em
Fazenda, Planejamento e Indústria e Co-
mércio. A Fazenda permanecerá, porém,
o ministério mais poderoso.
 
Como Lula reagirá a essas pressões?
Aceitará a canga, tornando-se uma figu-
ra em grande parte decorativa, sem poder
real na área da economia? Não creio. Lu-
la tem declarado, repetidamente, que vol-
ta para fazer mais e melhor. Independen-
temente disso, o desempenho pífio da eco-
nomia e da sociedade brasileira, em termos
de dinamismo e justiça, exige uma mudan-
ça mais estrutural na economia e em ou-
tras áreas. Como fazer essa mudança com
a Fazenda e o Banco Central imobilizados?
 
Caro leitor, posso garantir: não estou
sendo idealista demais nem sonhando so-
nhos irrealizáveis. Acredito que é perfei-
tamente possível tourear essas pressões
do poder econômico e conduzir o País a
um futuro melhor, de desenvolvimento
com autonomia nacional e distribuição
de renda. Isso requer coragem e clareza
de propósitos que Lula certamente tem.
Mas vamos a praticidades. O que fará
Lula? Difícil saber. Depende, entre ou-
tros fatores, de como se dará a eleição. Se-
rá no primeiro turno? No segundo, com
resultado apertado? Ou com alguma fol-
ga? Uma vitória folgada sobre Bolsonaro
auxiliará a vitória no terceiro turno ou,
pelo menos, um resultado favorável para
Lula e os que querem mudanças no País.
A liberdade do futuro presidente fica li-
mitada, em alguma medida, pela neces-
sidade de contemplar os integrantes do
centro e da centro-direita que ingressa-
ram na frente superampla formada por
Lula em 2022. Mas a liberdade não terá
sido suprimida.
 
O ponto crucial seria manter o contro-
le da Fazenda. Isso poderia se dar, talvez,
pela nomeação de um político da con-
fiança do presidente. Pode ser alguém
que não assuste o mercado, mas esse al-
guém deveria estar comprometido com
uma agenda inovadora. Não um novo
Palocci, pelo amor de Deus!
 
Por que um político, e não um econo-
mista? É que o cargo exige, mais do que
nunca, capacidade de interagir e negociar
com o Congresso. Um político com passa-
gem pelo Congresso e experiência parla-
mentar poderia ajudar muito, sobretudo
agora que os poderes do Congresso se agi-
gantaram por causa da dependência vi-
tal de Bolsonaro em relação ao Centrão.
 
Bem, chega de palpites. Ninguém me
perguntou nada. Mas reitero, a título de
conclusão e síntese: apesar das limita-
ções e riscos, temos motivos para pen-
sar que haverá vitória, ao menos parcial,
no terceiro turno também.  
CARTA CAPITAL 
 

 

 

 

 

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