Pedro Estevam Serrano
2 8 C A R T A C A P I T A L . C O M . B R
Foi no século 6º a.C., com
os legisladores atenien-
ses Sólon e Clístenes,
que nasceu a democra-
cia. Seu surgimento se
deu pela instituição da
isonomia, que significa
igualdade, conceito muito valioso até hoje
para a política e o Direito. Séculos mais tar-
de, Jesus de Nazaré e Paulo de Tarso nos
trouxeram a teológica lição de que somos
todos filhos do mesmo pai. Dotados, por-
tanto, de uma dignidade que nos iguala.
Desde então, igualdade e liberdade se
instituem como irmãs siamesas, não co-
mo conceitos em conflito. Se somos iguais
entre nós, um não tem o direito de se apro-
priar do outro. Não há liberdade em uma
sociedade desigual, e não há igualdade ver-
dadeira em uma sociedade sem liberdade,
dado que, se não há liberdade, alguns pou-
cos desigualmente dominam os demais.
As revoluções Francesa, Americana e
Inglesa estabeleceram pela primeira vez
na modernidade um Estado democráti-
co, mas no contexto de uma democra-
cia ainda incipiente, primitiva e restri-
ta, em que a cidadania, representada pe-
lo direito de voto, no plano formal, soma-
do ao direito a ter direitos, no plano ma-
terial, só era exercida por homens bran-
cos possuidores de renda ou patrimônio.
Esse modelo de sociedade excluía mulhe-
res, negros, trabalhadores.
A democracia universal, tal como co-
nhecemos hoje, foi constituída por um
conjunto de lutas e conquistas de diferen-
tes movimentos. Primeiramente, deu-se
pelo movimento dos trabalhadores nas
jornadas de junho de 1848, em que, embora
massacrados pela autocracia, foram lança-
dos como figura política no mundo. Déca-
das depois, adquiriram seu direito a voto.
A eles sucederam as mulheres sufragis-
tas, que também obtiveram o direito a vo-
to e o de ter direitos. Os movimentos de
luta contra a opressão e pelos direitos dos
negros na América foram capitaneados
pelas verves de Zumbi, Dandara, Malcolm
X, Martin Luther King e Marielle Franco.
Da mesma forma, estão na trincheira
de luta pela igualdade os indígenas e as
comunidades LGBTQIA+, estas que mos-
traram ao mundo que a liberdade de ex-
pressão não deve ser apenas a liberdade
de pensamento, mas também a liberdade
de expressar afetos, sendo o mais precio-
so deles o amor. Afetos que não podem seR
condenados a ficar presos nos armários
de uma heteronormatividade autocrática.
Todas essas lutas e tantas outras cons-
tituíram o que chamamos hoje de demo-
cracia e de direitos. Trata-se de um tesou-
ro ainda insuficiente para uma sociedade
justa, mas nem por isso menos precioso.
Um tesouro amealhado não pela tinta no
papel, mas pelo sangue nas calçadas do sa-
crifício dos nossos antepassados. Assim,
juntamente com o direito de dele usufruir,
vem a nós o dever de por ele lutar e trans-
miti-lo aos nossos sucessores, aos que vão
nascer, aos meninos e às meninas dessa
comunidade. É um dever de cidadania
zelar pela sua preservação e possível am-
pliação e entregá-lo às novas gerações.
Portanto, na eleição que
ocorrerá, além de um direi-
to de todos nós no plano ju-
rídico, votar pela democra-
cia e pelos direitos é um de-
ver moral, político, histórico. Tentar ele-
ger Lula e Alckmin já no primeiro turno
se apresenta como um dever não apenas
da esquerda ou dos liberais, mas de todo
homem e toda mulher que acredita que
a decência, a dignidade e a solidarieda-
de devam prevalecer como virtudes da
vida humana.
Não são esses os valores encampados
do outro lado, definitivamente. Temos
presenciado o desdém pelos direitos hu-
manos, um descaso perverso que fere os
princípios mais básicos da civilidade e
cujos efeitos nefastos atingem pessoas,
instituições e o próprio meio ambiente,
desorientando o rumo que nossa jovem
democracia a muito custo havia encon-
trado, graças aos esforços das lutas dos
movimentos sociais e de pouco mais de
uma década de governos progressistas. É
como se os agentes daninhos tivessem es-
tacionado um tanque de guerra em meio
ao fluxo de ideias e iniciativas que vínha-
mos experimentando, com o intuito de
esmagar e impedir o seu florescimento.
Hoje eles podem ter as armas, a violên-
cia, toda a força que o mal traz, mas nos-
sa potência ganha envergadura por estar-
mos acompanhados, no dia 2 de outubro,
pelo espírito dos que já viveram e se sacri-
ficaram e pelo espírito dos que vão viver.
Seremos os cristãos perseguidos pelo Im-
pério Romano no início do Cristianismo,
as mulheres mortas nas fogueiras da In-
quisição, os revolucionários que tomba-
ram pela transformação social, os gays e
os transsexuais que lutaram pela igualda-
de. Seremos Zumbi e Dandara, Malcolm
X, Martin Luther King e Marielle Franco
em sua luta pela igualdade racial.
Seremos a memória de todas as mu-
lheres que morrem todos os dias vítimas
da violência de gênero, do machismo e da
misoginia, e de todos os brasileiros que
perderam a vida devido ao negacionis-
mo de Bolsonaro durante a pandemia da
Covid. Todas essas pessoas serão revivi-
das no ato de eleger Lula e Alckmin, e vão
se unir aos espíritos livres dos que espe-
ram por uma sociedade mais igualitária.
Nós seremos muito mais que nós. E
devemos encarar essa oportunidade co-
mo histórica, única, em que a luta pelo
poder transcende e se transforma em lu-
ta pela justiça. •
CARTA CAPITAL
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