September 29, 2025

De alma lavada

 


 ESQUERDA RETOMOU O PULSO DAS
RUAS E RESGATOU A BANDEIRA DO BRASIL
COMO UM SÍMBOLO DO POVO, E NÃO MAIS
DA EXTREMADIREITA, AFIRMA STEDILE

MARIANA SERAFINI 

Duas bandeiras, dois atos, duas formas radicalmente distintas de expressar o patriotismo. 
No mesmo palco simbólico da Avenida Paulista, diante do
Masp, uma imensa bandeira do Brasil –
com 60 metros de comprimento, 40 de
largura e 112 quilos – marcou a manifestação
popular do domingo 21 de setembro.


Levada por militantes do MST,
a flâmula embalou o protesto contra a
“PEC da Blindagem” e a proposta de redução
de penas aos golpistas em discussão
no Congresso. Duas semanas antes,
nos festejos do 7 de Setembro, bolsonaristas
haviam estendido no mesmo local
uma enorme bandeira dos Estados Unidos,
durante um ato pela anistia de Jair
Bolsonaro, após sua condenação por tentativa
de golpe de Estado. Se uma imagem
vale mais que mil palavras, como
diz o adágio popular, o contraste entre

as cenas fala por si. “A extrema-direita
nos fez esse favor”, ironiza João Pedro
Stedile, fundador do MST, ao celebrar
a retomada das ruas pela esquerda e o
resgate de um símbolo nacional. Nesta
entrevista, o dirigente também avalia
os rumos da reforma agrária e comenta
as parcerias do movimento com a China
para instalação de fábricas de fertilizantes
e máquinas agrícolas no País. A íntegra,
em vídeo, está disponível no canal
de CartaCapital no YouTube.

CartaCapital: Como o senhor avalia
a mobilização popular no domingo 21?


João Pedro Stedile: As manifestações
nos lavaram a alma. Há tempos a esquerda
não ocupava as ruas com um contingente
tão expressivo. E fomos à luta com um
propósito claro: primeiro, contra a anistia
aos golpistas, uma proposta que não faz o
menor sentido, além de ser inconstitucional.
As forças populares – e a sociedade como
um todo – também estão indignadas
com a PEC da Blindagem, para proteger
parlamentares envolvidos em desvios de
emendas. Temos ainda pautas fundamentais,
como a redução da jornada de trabalho
e a taxação dos milionários. Minha expectativa
é de que esses atos representem
apenas um ponto de partida. Precisamos
ampliar a mobilização, e acredito que temos
condições de alcançar o patamar das

históricas manifestações pelas Diretas Já.


CC: O campo progressista está retomando
o pulso das ruas? Ou foi o tema, esse
pacotão de impunidades, que favoreceu
uma mobilização dessa magnitude

JPS: As duas coisas. A indignação diante
dessas iniciativas do Congresso gerou
unidade entre forças antes dispersas
na sociedade, com a adesão de artistas
e intelectuais. Parece que a esquerda
está reaprendendo a fazer mobilização
de massa com alguma mística. Não
aguentávamos mais aquelas concentrações
com carro de som e um palavrório
que ninguém presta atenção. Essas manifestações
foram marcadas pela presença
da música e da arte. Resgatamos a bandeira
do Brasil como símbolo do povo brasileiro,
e não do bolsonarismo. Ao incorporar
a bandeira dos EUA em seus atos, a extrema-
direita nos fez esse favor.


CC: Como o senhor avalia o governo
Lula até aqui e, em particular, a condução
do programa da reforma agrária?


JPS: Lula enfrenta, em seu terceiro
mandato, uma correlação de forças muito
adversa. Foi eleito por uma frente ampla
para barrar a extrema-direita, mas
essa aliança heterogênea dificulta a implementação
de reformas estruturais. No
campo, convivem hoje três modelos de
produção. O primeiro é o latifúndio predador,
que explora os bens da natureza
– como florestas, água, biodiversidade e
minérios –, transforma tudo em mercadoria
e obtém lucros extraordinários. O
segundo é o agronegócio moderno, centrado
em cinco monoculturas – soja, milho,
cana, algodão e pecuária – voltadas
à exportação. Ele abusa de agrotóxicos,
degrada o solo e envenena até as chuvas,
mas ainda assim é tratado como símbolo
de progresso e concentra lucros em poucas
empresas. Por fim, temos a agricultura
familiar, voltada à subsistência dos
produtores, com o excedente direcionado
ao mercado interno. Ela produz mais
de 300 tipos de alimentos que, de fato,
chegam à mesa dos brasileiros. Quando
defendemos a reforma agrária, estamos
questionando justamente os dois
primeiros modelos, que são inviáveis a
longo prazo. A agricultura familiar é a
única alternativa sustentável: preserva
o meio ambiente, gera mais empregos e

mantém as famílias no campo. Hoje, ela
emprega 16 milhões de pessoas, enquanto
o agronegócio ocupa apenas 4 milhões
– dos quais só metade tem trabalho o ano
inteiro. O problema é que, dentro do próprio
governo, há defensores de cada uma
dessas visões. E, num projeto de desenvolvimento
que privilegie o capital e não
os alimentos saudáveis ou a preservação
ambiental, a agenda da reforma agrária
fica em segundo plano.


CC: Os BRICS têm planos de fortalecer
os estoques reguladores de alimentos
e criar uma Bolsa de Grãos, para proteger
seus países das flutuações dos preços
e afastar o risco de desabastecimento.
Como o senhor avalia essa iniciativa?


JPS: É bem-vinda. Há uma confusão entre
segurança e soberania alimentar. O
Bolsa Família é uma típica política de segurança
alimentar, pois garante recursos
para a população comprar comida e não
passar fome. Já a soberania exige ações do
Estado para garantir que o País tenha capacidade
de produzir o que consome e, ao
mesmo tempo, manter estoques reguladores
para evitar a especulação com um
bem tão essencial. Esse é o ponto central,
e é onde estamos falhando. Infelizmente,
o governo Lula ainda está preso a uma lógica
limitada, focada apenas no acesso ao
consumo. Se cada país dos BRICS priorizar
a soberania alimentar, será possível


promover o intercâmbio de excedentes.
CC: Recentemente, o MST anunciou
parcerias com a China para instalação de
fábricas de fertilizantes orgânicos e bioinsumos.
Em que pé está esse projeto?


JPS: Temos um coletivo de pesquisadores
do MST que está na China há cinco
anos, graças a um convênio com o Consórcio
Nordeste. Nossa brigada está estudando
quais tecnologias desenvolvidas
por eles podem ser adaptadas à agricultura
familiar no Brasil, e já identificamos
algumas que serão fundamentais, especialmente
para ampliar a produção agroecológica.


Hoje, estamos no limite da nossa
capacidade produtiva – para avançar,
precisamos incorporar fertilizantes orgânicos

que praticamente não existem no
mercado brasileiro. Por isso, vamos implementar
fábricas próprias. O método
tradicional de compostagem, que usa resíduos
como folhas e serragem, leva cerca
de um ano e meio para virar adubo. Mas os
chineses desenvolveram uma espécie de
“panela de pressão” que acelera esse processo,
tornando o fertilizante pronto em
apenas sete dias. Vamos trazer essa tecnologia
e espalhar fábricas de fertilizantes
pelo Brasil. Também montaremos um laboratório
para produzir as bactérias utilizadas
na compostagem acelerada – as primeiras
virão da China, mas depois precisaremos
desenvolver cepas adaptadas ao
nosso clima. O primeiro laboratório será
instalado na Universidade de Brasília. Essa
iniciativa mostra que existe um destino
muito melhor para o lixo do que os aterros
sanitários: uma tecnologia que, ao mes

mo tempo, amplia a capacidade produtiva
e resolve um problema urbano, transformando
resíduos em adubo que volta à
natureza para produzir alimentos.


CC: Também existem parcerias para
a fabricação de máquinas agrícolas?
JPS: O Brasil tem apenas cinco fábricas
de máquinas agrícolas, todas multinacionais,
voltadas exclusivamente para o agronegócio.
Não há produção de equipamentos
menores, para a agricultura familiar.


A China, que fez sua reforma agrária nos
anos 1950, organizou seu modelo com pequenos
produtores – cada um com cerca de
um hectare – e a mecanização foi fundamental
para ampliar a produtividade nessas
áreas. Fizemos um teste com 50 máquinas
doadas por eles e identificamos
dez modelos com maior serventia para a
nossa realidade. A próxima etapa da parceria
é a instalação das fábricas no Brasil.


Os chineses vão nos vender as plantas industriais,
e a primeira está projetada para
Açailândia, no meio da Amazônia, onde será
montada uma colheitadeira de arroz. A
segunda será no Ceará, dedicada a pequenos
tratores e triciclos, e depois outra em
Mossoró, no Rio Grande do Norte. Firmamos
convênios também com o governo da
Bahia e o município de Maricá, no Rio de
Janeiro. Com esses tratores, vamos reduzir
o esforço físico no campo e aumentar a
produtividade por hectare. Em São Paulo,
será instalada a fábrica de colheitadeiras
médias, para propriedades de até 40 hectares,
e no Rio Grande do Sul planejamos a
produção de plantadeiras de arroz. Isso representará
uma verdadeira revolução tecnológica
para a agricultura familiar. Estamos
dando apenas os primeiros passos. •

 CARTA CAPITAL 

 

September 26, 2025

srael destrói completamente bairros na Cidade de Gaza

  Fotos de satélite mostram Zeitoun, um bairro da Cidade de Gaza, em 8 de agosto de 2025, à esquerda, e 25 de agosto de 2025, à direita

 Por Samuel Granados Aaron Boxerman

 

O exército israelense destruiu completamente quarteirão após quarteirão da Cidade de Gaza como parte de uma nova ofensiva terrestre no que antes era o maior centro urbano do território. A guerra Israel X Hamas, iniciada há dois anos, arrasou vastas áreas da Faixa de Gaza, incluindo a cidade de Rafah, ao sul, e a cidade de Beit Hanoun, ao norte. Mas os militares não realizaram demolições tão amplas em operações anteriores na Cidade de Gaza. Desta vez é diferente.

Embora grande parte da cidade ainda esteja de pé, imagens de satélite mostram que as forças israelenses estão destruindo áreas inteiras enquanto avançam para a Cidade de Gaza, incluindo o bairro de Zeitoun e uma área perto de Sheikh Radwan, onde os militares demoliram dezenas de estruturas neste mês.

Anteriormente, tropas israelenses avançaram pela Cidade de Gaza e depois se retiraram – apenas para retornar mais tarde para combater o que, segundo eles, seria uma nova insurgência do Hamas. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que desta vez seria diferente, pois os militares manteriam as áreas que conquistassem.

"Nós capturamos território e o mantemos. Nós o limpamos e seguimos em frente", disse ele em uma entrevista este mês ao Canal 14, uma emissora de televisão israelense de direita. Netanyahu afirma que a ofensiva visa derrotar decisivamente o Hamas de um de seus últimos redutos na Faixa de Gaza. Mas até mesmo muitos israelenses estão céticos de que essa estratégia terá sucesso agora, já que o Hamas provou ser resiliente diante de quase dois anos de guerra devastadora.

A ofensiva terrestre israelense forçou centenas de milhares de palestinos a fugirem de suas casas na Cidade de Gaza, aglomerando-se em acampamentos de tendas cada vez maiores no centro e sul de Gaza. Isso agravou o que já era uma catástrofe humanitária na região, com fome desenfreada, deslocamento em massa e um colapso dos serviços de saúde, escolas e infraestrutura. Muitos palestinos, cansados ​​da guerra, dizem que simplesmente não podem ou não querem ser deslocados novamente, e muitos não têm casas para onde retornar.

Antes da ofensiva atual, a maioria dos prédios em Gaza estava danificada. Muitos estavam inabitáveis, mas a maioria ainda estava de pé, especialmente em direção ao centro da cidade. No início deste verão, Israel arrasou áreas ao redor da cidade, perto da fronteira israelense, destruindo todos os prédios e estruturas.

Em 8 de agosto, o governo israelense aprovou um plano para assumir o controle da Cidade de Gaza. Àquela altura, os militares já haviam arrasado grande parte da região leste da cidade.

Os militares continuaram a destruição nas periferias da cidade, transformando o bairro de Zeitoun em um deserto, embora tenham afirmado que ainda não haviam iniciado a tomada total da cidade. Desde então, ordenaram que os moradores restantes fugissem para salvar suas vidas.

Na semana passada, o exército israelense anunciou o início de sua invasão terrestre à Cidade de Gaza. Desde então, o exército destruiu uma grande área na parte norte da cidade. Ao se aproximar de Gaza, Israel usou edifícios existentes como bases, apenas para depois destruí-los com explosivos antes de prosseguir, de acordo com imagens de satélite e vídeos verificados pelo New York Times. Um vídeo mostra os militares destruindo a escola Al-Furqan na cidade, que antes era usada como posição militar.

Palestinos deslocados seguem com seus pertences para o sul em uma estrada na área do campo de refugiados de Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza — Foto: Eyad Baba/AFP
Palestinos deslocados seguem com seus pertences para o sul em uma estrada na área do campo de refugiados de Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza — Foto: Eyad Baba/AFP

Além de realizar demolições, o exército israelense também manteve ataques aéreos na Cidade de Gaza, atingindo centenas de alvos desde meados de setembro. Em uma imagem de satélite de 18 de setembro, a mais recente imagem de alta resolução disponível pela Planet Labs, uma empresa de satélites comerciais, era possível ver menos barracas em comparação com o momento anterior ao anúncio israelense do lançamento de sua ofensiva terrestre, dois dias antes. Ainda assim, centenas de barracas eram visíveis, muitas a menos de 1,6 km de veículos militares israelenses.

Mustafa Siyam, de 44 anos, contou que finalmente fugiu do bairro de Shati, no norte da cidade, na quarta-feira, quando as forças israelenses se aproximaram e o som das explosões se tornou incessante. Ele caminhou para o sul por horas a pé com sua esposa e três filhos para chegar ao centro de Gaza. Sua casa ainda estava de pé antes da atual ofensiva israelense, mas isso pode não ser o caso quando ele retornar.

— Parece que a guerra não tem objetivo ou significado, exceto destruir o máximo possível das fundações de Gaza — disse ele.

Oficiais militares israelenses disseram a repórteres que não há uma política de arrasar bairros civis em massa. Eles afirmam que estão atacando locais usados ​​pelo Hamas, explodindo túneis subterrâneos e outros alvos militares. Mas os líderes israelenses sugeriram que isso poderia ir além.

Israel Katz, o ministro da defesa, ameaçou em agosto que a Cidade de Gaza se tornaria "como Rafah e Beit Hanoun", duas cidades que foram quase totalmente destruídas na guerra, a menos que o Hamas depusesse as armas e libertasse os reféns restantes.

Eli Cohen, outro ministro do gabinete de segurança de alto nível, repetiu a ameaça em uma entrevista na televisão, dizendo ao Canal 14 que "a própria Cidade de Gaza deveria ser exatamente como Rafah, que transformamos em uma cidade de ruínas".

O ministro das Finanças israelense, Bezalel Smotrich, de extrema direita, disse na semana passada que a Faixa de Gaza é uma potencial "mina de ouro" imobiliária e que está em negociações com os Estados Unidos sobre como dividir o enclave costeiro após a guerra.

— Pagamos muito dinheiro por esta guerra. Precisamos ver como vamos dividir a terra em porcentagens. A demolição, a primeira etapa da renovação da cidade já foi feita. Agora precisamos construir — afirmou Smotrich. — Há um plano de negócios, elaborado pelas pessoas mais profissionais daqui, que está na mesa do presidente [dos EUA, Donald] Trump. 

GLOBO  

 

September 20, 2025

A QUADRATURA DO CIRCULO

 

 


por CARLOS DRUMMOND
 
Caso tenha esbarrado em al-
gum momento da vida em
uma obra de
Shakespeare,
o carioca Tarcísio de Frei
tas, governador de São
Paulo, talvez se reconhe-
ça em Hamlet. Ser ou não
ser, eis o dilema do nome
preferido da Faria Lima, do agronegócio
e de grande parte do empresariado para
encarnar o anti-Lula nas eleições presi
denciais do próximo ano. É difícil enten
der a profundidade do dilema do gover
nador, obrigado a equacionar, no seu es
pírito e nas andanças da vida, a quadratu
ra do círculo que os apoiadores lhe impu
seram: ser, ao mesmo tempo, bolsonaris
ta e moderado. Agregador e incendiário. 
 
O conflito ficou evidente durante e de
pois do julgamento no Supremo Tribunal
Federal que transformou Jair Bolsonaro
e seus comparsas nos primeiros golpistas
condenados à prisão na história do País.
Em geral, Freitas mete os pés pelas mãos.
Enquanto a Primeira Turma da Corte de
finia o destino do ex-presidente, o gover
nador teve de pagar a fatura cobrada pe
lo clã e pelos mais fanáticos apoiadores
do capitão. Prometeu, se eleito, assinar o
indulto de Bolsonaro, subiu no palanque
montado na Avenida Paulista pelo pas
tor Silas Malafaia para insuflar a turba
contra o ministro Alexandre de
Moraes
– “ninguém aguenta mais a tirania” – e
viajou a Brasília para negociar a aprova-
ção de uma anistia “ampla, geral e irres
trita”. Diante da reação negativa na mídia
e em certos círculos do poder privado, ti
rou o time de campo e acoelhou-se no Pa
lácio dos Bandeirantes. A defesa da anistia
corre solta em Brasília, mas sem as suas
digitais. Manter os pés em duas canoas
não tem sido, no entanto, uma boa estra
tégia. Os moderados o consideram radi
cal e os radicais, a começar pelo deputado
autoexilado Eduardo Bolsonaro, o acham
moderado em excesso. Sem o aval da famí-
lia, o governador paulista pode esquecer o
sonho de ocupar o Palácio do Planalto. A
pressão é tamanha que o Arlequim, ser
vidor de dois patrões, também oscila em
suas intenções. Ora aparece como o can
didato ungido, ora jura que tentará a ree
leição, de sucesso praticamente garantido.
Freitas também terá de provar, para
além da simpática acolhida no noticiá-
rio, ser capaz de convencer o eleitorado de
suas virtudes administrativas e de sua ca
pacidade de levar o Brasil à prosperidade. 
 
A promessa de realizar, também se eleito,
“40 anos em 4”, uma alusão ao slogan “50
anos em 5” de Juscelino Kubitschek, de
mandaria uma profunda mudança de es
tilo em relação ao que o governador tem a
apresentar após 33 meses à frente do es
tado mais rico e populoso do Brasil. En
quanto enfrenta problemas na seguran-
ça, privatiza empresas na bacia das almas,
amplia as isenções fiscais para empresas
e premia a grilagem de terras, Freitas es
peta a conta na corcunda dos mais pobres,
a começar pelo aumento de 50% no ICMS
dos combustíveis, com efeitos em casca
ta sobre o custo de vida da população. “O
Tarcísio não governa o estado de São Pau
lo, governa para atender aos interesses da
Faria Lima e do agronegócio, com amplia-
ção das isenções fiscais e privilégios pa
ra os bilionários. Essa é a característica
central do governo dele, como foi o go
verno Bolsonaro, em nível nacional. É o
neoliberalismo mais selvagem”, classifi
ca o deputado federal Guilherme Boulos,
do PSOL. “A pauta é a mesma: privatizar
o máximo de empresas e arrochar o salá-
rio do servidor público, com piora dos ser
viços para a sociedade. Esse é o modelo.
Ele não esconde os elogios ao presiden
te da Argentina, Javier Milei, e aos ban
queiros, com quem tem feito reuniões. A
lógica é idêntica àquela usada por Bolso
naro e Paulo Guedes”, afirma o deputado
estadual Antônio Donato, do PT.  
 
O arremedo do slogan de JK foi rebati
do pelo ministro dos Transportes, Renan
Filho, com dados eloquentes de compa
ração entre a sua própria gestão na pasta
e a de Freitas, que ocupou o mesmo car
go no governo Bolsonaro. “O Tarcísio mi
nistro investiu 7,5 bilhões por ano em ro
dovias, e o governo Lula está investindo
15 bilhões por ano. Ele realizou seis lei
lões para atrair o investimento privado,
em quatro anos. Em dois anos e oito meses
do governo Lula, o Ministério dos Trans
portes realizou 16 leilões”, acrescentou o
atual ministro. “Para esconder compara-
ções como esta, Tarcísio usa uma adapta-
ção do slogan bem-sucedido de Juscelino
Kubitschek, de realizar 50 anos em 5. Para
se aproximar de Juscelino, Tarcísio, você
ainda terá de comer muito feijão com ar
roz”, ironizou Renan Filho.
E
mbora tenha dito em um even
to com banqueiros que o Brasil
“não aguenta mais corrupção”, 
 
o governador vive às voltas com
problemas em sua sugestão. O
caso mais recente é o escân
dalo de propina que resultou na demis
são do auditor fiscal da Receita Estadual
Artur Gomes da Silva Neto, da Secretaria
da Fazenda, apontado como o cérebro de
um esquema que movimentou 1 bilhão
de reais em troca de pagamentos fraudu
lentos a grandes empresários por meio de
créditos tributários. O desfalque, que be
neficiou dezenas de empresas, entre elas
a Ultrafarma e a Fast Shop, foi facilitado
pelas possibilidades abertas pelo Decreto
67.853, assinado por Freitas no primeiro
ano de governo. A deliberação acabou re
vogada após o escândalo vir à tona. O se
cretário da Fazenda de São Paulo, Samuel
Kinoshita, foi assessor especial de Guedes
em Brasília. A respeito de quais controles
internos falharam e tornaram possível a
fraude, a assessoria da secretaria respon
deu a CartaCapital que “as irregularida
des apontadas remontam ao ano de 2021,
anterior à atual gestão, que já havia iden
tificado a opacidade dos processos… e im
plementado mudanças”.  
 
“Se o Tarcísio diz que esse escândalo é
anterior ao governo dele e que já estavam
mapeando, porque ele só demitiu o Artur
quando o escândalo apareceu?”, pergun
ta Boulos. “Isso não faz o menor sentido.
Foi um escândalo continuado que, inclu
sive pelos valores, se ampliou durante o
governo Tarcísio. Até porque as isenções
e os privilégios aumentaram.”   
 
Donato destaca o fato de as isenções fis
cais em São Paulo somarem 75 bilhões de
reais, podendo atingir 85 bilhões no pró-
ximo ano, de eleições, mais do que todos
os recursos destinados à saúde e educa-
ção. O governo, prossegue o deputado
comete ainda fraude na lei de responsa
bilidade fiscal, pois o estado tem déficit
no orçamento e “as contas só ficaram no
azul por conta da venda criminosa da Sa
besp, que gerou 15 bilhões de reais de re
ceita para o Tesouro. Sem isso, as contas
teriam fechado no vermelho, como foram
em 2023, segundo dados do Tribunal de
Contas”. Os dados sobre investimentos,
de acordo com Donato, não correspon
dem à realidade. O governador anunciou
a entrega de 200 moradias, mas 60% não
são casas, apenas créditos que bancam 6%
do valor para dar entrada em um imóvel
ou quitar prestações do Minha Casa, Mi
nha Vida. O governo diz que o número de
leitos no SUS sob a responsabilidade do
estado aumentou, mas a qualidade caiu. 
A
defesa do tarifaço de Trump,
contra os interesses de em
presas paulistas, foi outro
efeito do contorcionismo a
que Freitas se submete, a fim
de agradar a dois públicos apa
rentemente distintos. “O governador de
São Paulo dizer que o Brasil tinha que
dar uma vitória para Donald Trump é
um caso que, em tempos normais, leva
ria a um processo de lesa-pátria. Ele de
fendeu abertamente que o País deveria
atender aos interesses, aos caprichos de
um líder estrangeiro que está atacando o
Brasil. Isso é traição pura e simples”, cutu
ca Boulos. “O Tarcísio tentou vender o fi
gurino de bolsonarista moderado. Esse
figurino não existe. Bolsonarismo mo
derado é como círculo quadrado. Não fe
cha. Quando veio a encruzilhada, ele ti
rou a máscara e mostrou que é um bolso

narista disposto a fazer tudo para garan
tir o seu projeto pessoal. Inclusive, traiu
o estado de São Paulo, o mais industriali
zado, que já sofre prejuízos com o tarifaço,
que só não são maiores por conta dos in
centivos oferecidos pelo governo federal.” 
 
A reviravolta no apoio inicial do gover
nador de São Paulo ao tarifaço aplicado
pelo presidente dos Estados Unidos, com
grave prejuízo ao Brasil, inclusive à eco
nomia de São Paulo, seguido de recuo,
surpreendeu apenas quem não conhece
a coreografia da extrema-direita, avalia o
cientista político Claudio Couto. “O bolso
narismo é desse jeito, morde e assopra. O
próprio Bolsonaro sempre foi assim, pro
duzia um estardalhaço, criava uma situa-
ção e, quando a coisa ficava complicada,
ele recuava. Principalmente, para não
sofrer consequências judiciais.” Couto
acrescenta: “Acho que ele é um modera
do de araque. É tão extremista quanto os
outros e a própria trajetória, sua vincula-
ção com os militares, pode ser um dos fa
tores que explicam isso. Ele tem esse jeito
mais comedido de falar, mas daí a ser mo
derado vai uma distância muito grande”. 

A política econômica de máximo bene
fício ao setor privado e extrema penúria
para as empresas e os serviços públicos en
tra em choque com a articulação vitorio
sa entre a iniciativa privada, responsável
pela estruturação da economia brasileira
e pelas suas maiores conquistas, aponta o
economista Murilo Tambasco, sócio-dire
tor da BPCT Consultoria. “O Brasil, a par
tir do período de 1930 a 1980, mais especi
ficamente a partir da década de 1950, com
o Plano de Metas, promoveu o desenvolvi
mento a partir de uma articulação do setor
privado com o Estado. Assim como ocor
reu com diversos outros países, como Ja
pão e Estados Unidos no século XIX.” 
C
om o Plano de Metas implan
tado de 1956 a 1960, JK plane
jou completar o processo de
industrialização e o fez por
meio de um tripé formado por
governo, capital estrangeiro
e empresa nacional. “Ele faz a indústria
automobilística e a indústria de bens de
capital, mas tinha, ao mesmo tempo, um
plano de infraestrutura que era executa
do pela Eletrobras”, lembra Tambasco.
Essa estrutura, que possibilitou alavan
car e completar diversas dimensões do
processo de desenvolvimento, foi manti
da pela ditadura, que deu andamento ao
conceito a ponto de, na década de 1980, o
Brasil ser um país extremamente desta
cado, talvez com o parque industrial mais
diversificado e evoluído da periferia do ca
pitalismo, acrescenta Tambasco. A priva
tização, iniciada depois da crise da dívida
externa, no começo da década de 1990, de
sarticulou esse arranjo bem-sucedido. Já
os 40 anos em 4 de Freitas só têm uma
perna, o capital financeiro. Em recente
convescote com empresários, o governa
dor criou um conceito inovador no pensa
mento econômico. Segundo ele, só o setor
privado é capaz de reduzir as desigualda
des brasileiras. A tese é, porém, desmenti
da pelos próprios aliados. Em entrevista à
Folha de S.Paulo em dezembro passado, o
presidente da privatizada Sabesp, Carlos
Piani, foi claro: “Quem tem que fazer po
lítica pública é o Estado”. 
 
A venda da companhia de saneamen
to, acrescenta Tambasco, resume essa ló-
gica. “Quem vai à sede da Sabesp e observa
como eles fazem a operação, parece outro
mundo, é tudo muito tecnológico. Gran
de parte desse discurso de que falta efici-
ência, de que é preciso modernizar, tirar
o Estado da jogada para que a economia
ganhe força, é falaciosa. Várias empresas
públicas têm capital aberto, padrões su
permodernos, eficientes, internacionais, e
que são capturadas pelo setor privado pre
cisamente porque seguem esses padrões”,
dispara o economista. “A Sabesp é uma su
perempresa. No ano passado, atendia a
58% dos municípios paulistas, tinha uma
cobertura de água e esgoto muito eleva
da, acima dos 90%, e, o que considero mui
to interessante e importante, um plano de
investimentos, que chegava na casa de 5
bilhões de reais ao ano. Também tinha
uma limitação, que estava de acordo com
a lei das estatais, de limitar o pagamento
de dividendos aos acionistas ao mínimo
legal de 25%. Com a privatização, há uma
nova política de dividendos. Um pagamen
to escalonado dos lucros aos acionistas,
fracionado, mas que até 2030 pode che
gar a 100%. A Sabesp foi capturada nessa
composição financista e nesse discurso.
Houve aumento dos salários dos dirigen
tes, como esperado, e reajuste tarifário.”  
 
“Já estamos vendo algumas conse
quências, em relação ao atendimento e à
qualidade do serviço, da adoção, pelo go
verno Tarcísio de Freitas, da mesma li
nha de política econômica de privatiza-
ções implementada no País por Bolsonaro
e Guedes”, relata José Faggian, presidente
do Sintaema, sindicato que representa os
trabalhadores em água, esgoto e meio am
biente do estado. Os relatos que chegam
dão conta da exigência, em Monte Mor, de
pagamento em atraso apenas com parce
lamento no cartão de crédito, o que torna
a dívida gigantesca. Uma comunidade no
Guarujá está há mais de dez dias sem água
e há dificuldade para religamentos. “Vá-
rios Procons regionais têm ingressado na
Justiça contra a Sabesp por situações co
mo essa”, diz. Há problemas também em
relação ao atendimento e às tarifas sub
sidiadas, que vão subir por conta da no
va regra para os reajustes. Estima-se au
mento, em 2026, três vezes maior do que
o reajuste histórico. A provável nova cri
se hídrica neste ano, por conta da questão
climática, “será a grande prova de fogo”. 
Para os trabalhadores, os prejuí
zos são imensos. A remuneração
dos funcionários, boa parte com
25 a 30 anos de empresa e gran
de conhecimento do setor de sa
neamento, é superior àquela mé-
dia do mercado, mas isso nunca impediu a
empresa de ser lucrativa e eficiente. “Esses
trabalhadores hoje estão sendo vistos pe
la administração privada como personas
non gratas  na empresa. No primeiro
plano de demissão voluntária,  saíram
2.040 e, no segundo, 150. Agora prepa
ram o terceiro e último PDV”, diz o sindi
calista. As pressões e as demissões não se
restringem à Sabesp e se assemelham ao
que ocorre nos EUA de Trump. Segundo
os jornais, na terça-feira 16, o economis
ta Ivan Paixão, após gritar “sem anis
tia” diante do governador, em um bar,
foi demitido por ordem direta de Freitas.  
 
A crise aprofunda-se também na edu
cação, aponta o economista Thomaz Fer
reira Jansen, do Dieese, que atua no sin
dicato dos professores. Com a adoção sis
temática da contratação de temporários,
cerca de metade dos docentes da rede es
tadual de ensino está nessa situação. A re
lação de aprendizagem hoje é mediada por
plataformas, implantadas pelo secretário
da Educação, Renato Feder. O professor
recebe arquivos de aula em PowerPoint
e projeta o conteúdo em sala. As tarefas
e a chamada dos alunos são monitoradas
por plataformas, usadas para controlar o
processo de aprendizagem e, principal
mente, os professores e os indicadores de
desempenho, com rankings dos docentes
que condicionam a trajetória e as possibi
lidades de ascensão na carreira. “Essa é
a grande novidade que o governo coloca
em relação às escolas”, sintetiza Jansen. 
 
Reflexo da privatização parcial da educa-
ção, por meio da chamada plataformiza-
ção do ensino, a nota dos alunos no Ideb, o
exame nacional, caiu abaixo dos números
da pandemia. Enquanto isso, o governa
dor aprovou a flexibilização do gasto com
educação, de 30% da receita para o míni
mo legal de 25%, o que implicou a perda de
10 bilhões de reais no orçamento setorial.
Igualmente no setor de transporte fer
roviário, a experiência mostra que o dis
curso de eficiência não corresponde à prá-
tica, relata Lourival Pereira dos Santos
Júnior, secretário do Sindicato dos Tra
balhadores em Empresas Ferroviárias da
Zona Central do Brasil. “As linhas 8 e 9,
que eram as melhores da CPTM, depois
da privatização são campeãs de reclama-
ção e têm causado um caos para o povo de
São Paulo, resultado do descaso e da falta
de comprometimento da concessionária
que apenas visa o lucro”, aponta o sindi
calista. “A privatização não é apenas uma
questão de gestão, é um retrocesso social
que compromete tanto o direito da popu
lação a um transporte público de qualida
de quanto a dignidade dos trabalhadores
que constroem esse serviço diariamente.”
O governador não atendeu aos pedidos
de entrevista ou de esclarecimentos,

CARTA CAPITAL 
 
 
 
 
 
 
 

 

Hermeto Pascoal, Eccentric and Prolific Brazilian Composer

  A self-taught multi-instrumentalist, he rose from a childhood of rural privation to become a favorite of jazz musicians and audiences around the world.  

 A man with a long white beard stands at a keyboard with his arms in the air.

Hermeto Pascoal, the eccentric, prodigiously prolific Brazilian composer and self-taught multi-instrumentalist who rose from a childhood of rural privation to become a favorite of jazz musicians and audiences around the world with a taste for the unpredictable and adventurous, died on Saturday in Rio de Janeiro. He was 89.

His family announced his death on social media. The Hospital Samaritano Barra, where he died, issued a statement saying the cause was “multiple organ failure.”

Known in Brazil as “the Sorcerer” and “the Mad Genius,” Mr. Pascoal affected a wild man’s appearance: He had long, unkempt hair, a thick beard and a childlike demeanor. But he was passionately serious about playing and composing music.

He wrote more than 2,000 instrumental pieces, many with quirky time signatures or harmonies, and orchestrated or arranged hundreds more songs for others, including jazz luminaries like Miles Davis, who once described Mr. Pascoal as “one of the most important musicians on the planet.”

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A man with a long white beard, a hat and sunglasses plays a wind instrument into a microphone.
Mr. Pascoal onstage in 1993. In 2023, the Juilliard School awarded him an honorary doctorate in music.Credit...David Redfern/Redferns, via Getty Images

Mr. Pascoal’s primary instruments were the piano and the flute. He also played tenor and soprano saxophones, guitar, drums, accordion, euphonium and a variety of other keyboard, reed, brass and percussion instruments — and often supplemented them, to the delight of audiences, with everyday objects whose capacity to create music only he seemed able to imagine.

Bath toys, teapots, tuned bottles of water, bicycle pumps, chairs, dolls, anvils and even his own beard were among the items he employed. While recording the album “Slaves Mass” for Warner Bros. Records in 1976, he brought a pair of live pigs into the studio and “played” them as if they were bagpipes, incorporating their squeals into the mix.

In 2023, the Juilliard School awarded Mr. Pascoal an honorary doctorate in music, which was presented by the jazz trumpeter Wynton Marsalis. Addressing Mr. Pascoal as “exalted master,” Mr. Marsalis described him as “a towering central figure” whose “influence and creativity are felt in every corner of the world.”

Hermeto Pascoal Oliveira da Costa was born on June 22, 1936, in Olho d’Água das Flores, a rural settlement in the impoverished northeastern Brazilian state of Alagoas. His parents, Pascoal José da Costa and Vergelina Eulália de Oliveira, were farmworkers.

As an albino, unable to work in the fields under a harsh tropical sun with other members of his family, he was allowed to remain at home, where at age 7 he taught himself to play his father’s small button accordion and also began playing a fife he had fashioned from a dried gourd.

He began his professional career at 10 by playing rural dances and weddings. Word of his prowess had spread by the time he was 14, and he was invited to join the house band of a radio station in Recife that specialized in hillbilly music. Shortly thereafter he formed a novelty act with Sivuca, another albino accordionist (with whom he would often be confused), and the two played forró and other popular styles of music all over northeastern Brazil.

By the end of the 1950s, Mr. Pascoal had migrated 1,500 miles southward to Rio de Janeiro, then Brazil’s capital, where he joined another radio station orchestra, discovered jazz and began to perform in nightclubs. In his spare time, he learned to play piano, flute and saxophone, and, after an interlude in São Paulo, he joined the percussionist Airto Moreira in 1964 in the Rio-based Quarteto Novo.

That group backed Brazilian stars of the day like Edu Lobo and Geraldo Vandré and also worked with the emerging singer Elis Regina. Mr. Pascoal, who played both piano and horns in the quartet, rapidly built a reputation as an adaptable, resourceful composer and an arranger who could write rapidly, and who could blend jazz and northeastern folk styles.

At the urging of Mr. Moreira, who had joined Miles Davis’s ensemble, Mr. Pascoal came to the United States in late 1969. He soon recorded his first album as a leader, a big-band session released in 1971 that featured top-flight New York jazz musicians like the bassist Ron Carter, the trumpeter Thad Jones, the flutist Hubert Laws and the saxophonist Joe Farrell. He also began a brief but fruitful association with Davis, who included three Pascoal compositions on his album “Live-Evil,” released in 1971: “Igrejinha” (“Little Church”), “Nem Um Talvez” (“Not Even a Maybe”) and “Selim.”

As word spread of Mr. Pascoal’s fondness for complex harmonies, dense orchestrations and zigzagging melody lines, as well as his versatility and his unusual appearance, he became an object of fascination among musicians, a phenomenon that continued until the end of his life. His songs, of which there seemed to be an endless stream, were recorded by Cannonball Adderley, Gil Evans, John McLaughlin, Charlie Haden and others. Later in Mr. Pascoal’s career, the Kronos Quartet commissioned him to write a piece for them, “Marcando Tempo” (“Marking Time”), which became a regular part of their repertoire.

By the mid-1970s, Mr. Pascoal had a firmly established reputation in the jazz world as both a talented musician and an amiable oddball. Davis affectionately referred to him as “that crazy albino,” and in DownBeat magazine the critic Howard Mandel compared him to two other notable eccentrics, writing that he was “as pan-global a leader as Sun Ra and as sure-footed an individualist as Rahsaan Roland Kirk.”

Though Mr. Pascoal continued to tour in the United States and Europe, he went back to Brazil to live and, thanks to his international reputation, for the first time was able to form a permanent band of his own. Commercial engagements at home were few, but his rehearsals became famous for their rigor, and Mr. Pascoal and his band made numerous records, in an idiom that was primarily jazz but also included elements of bossa nova and Brazilian folk music.

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A man in a white beard and a dark hat stands at a keyboard under stage lights.
Hermeto Pascoal who affected a wild man’s appearance, performing, above, in São Paulo, Brazil, in 2022 and, right in London in 2011. His primary instruments were the piano and the flute, but he played other instruments.Credit...Mauricio Santana/Getty Images

As a more prosperous Brazil became a popular touring stop for foreign musicians, those visitors — among them Stan Getz, Dizzy Gillespie and Chick Corea — would invite Mr. Pascoal to join them onstage when they performed in Rio or São Paulo. At the same time, a younger generation of musicians in the United States and Europe sought out Mr. Pascoal’s early recordings and talked him up in music publications.

In 1997, Mr. Pascoal embarked on a whimsical project: writing one song a day for an entire year, beginning on his birthday, so that everyone could have a personalized birthday song. The songs were never officially released on CD, but his notated “Calendar of Sound” was eventually published in book form and has become a collector’s item among musicians.

Mr. Pascoal’s wife of 46 years, Ilza (da Silva) Pascoal, died in 2000. At a performance in October 2002 in Londrina, Brazil, he met Aline Paula Nilson, a singer and dancer known professionally as Aline Morena. They married in 2003, and she prompted him to leave Rio and move to Curitiba, her hometown in southern Brazil.

In 2016, the couple divorced, and Mr. Pascoal returned to Rio de Janeiro, where he continued to perform until August of this year. He is survived by six children, Jorge, Fabio, Flávia, Fátima, Fabiula and Flávio; 13 grandchildren; and 10 great-grandchildren.

“The instrument I like most is whatever instrument I happen to be playing at the moment,” Mr. Pascoal said in an interview with The New York Times in 2004. And, he added, “Since everything is an instrument, from the burble of water to a symphony orchestra, there is never a moment I am without music.”

 NEW YORK TIMES