June 18, 2025

Política é de ‘imobilidade social’

 



Lucianne Carneiro


Os dados recentes de queda de
desigualdade no Brasil em 2024 —
graças a mercado de trabalho
aquecido, programas sociais e reajuste
real do salário mínimo — são
comemorados pelo pesquisador
do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) Marcos Hecksher,
estudioso de mercado de
trabalho e de desigualdades. Na
avaliação dele, o programa Pé-de-
Meia já contribuiu para esse movimento
e há sinais de que há maior
conclusão de ensino médio em
2025 entre os que foram beneficiados
pelo programa em 2024.



O Brasil permanece, no entanto,
lamenta, com uma estrutura
de Imposto de Renda para a pessoa
física em que ricos pagam
proporcionalmente menos impostos
que o resto da população,
no que ele chama de “política
de imobilidade social”.


“É como se fosse uma política
pública dizendo que ajuda
quem está no topo a permanecer
ali. E, para quem não está no topo,
cobra mais imposto para
atrapalhar a subida. É assim que
funciona atualmente nossa tabela
do Imposto de Renda. Corrigir
isso é fundamental”, defende.


Para Hecksher, os ajustes propostos
pelo Ministério da Fazenda,
após reunião com líderes do Congresso,
são cuidados no aspecto
distributivo e concentram o sacrifício
em rendas financeiras isentas
ou desoneradas e jogos de azar.


“Há quem prefira cortar em
benefícios aos mais pobres, mas
isso tornaria o ajuste injusto.
Nós, que temos aplicações isentas
com um dos juros mais altos
do mundo, devíamos aceitar algum
sacrifício em vez de pedir
que ele se concentre nos mais
pobres”, diz.


Em 2024, a renda dos mais
pobres subiu mais que a dos
mais ricos, aponta o economista,
ao lembrar que “as desigualdades
caem” quando isso ocorre.


A renda da parcela dos 20%
mais pobres da população cresceu
em ritmo de dois dígitos no
ano passado, ante 2023, enquanto
o aumento entre os 10%
mais ricos ficou abaixo da média
nacional de 4,7%.


A Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad)
Contínua Rendimento de todas
as fontes 2024, do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística
(IBGE), mostra que essa parcela
dos 10% de maior renda foi a única
entre os diferentes grupos de
rendimento com velocidade menor
de expansão que a da média.


Hecksher cita a expansão do
emprego e da renda, especialmente
no setor formal, como fator que
contribuiu para a redução da desigualdade,
assim como um melhor
foco das políticas sociais para os
brasileiros mais pobres. A parcela
do Bolsa Família recebida pelos
20% mais pobres da população tinha
diminuído de 64,4% em 2019
para 47,6% em 2022, por causa da
expansão da pandemia, que passou
a alcançar mais pessoas no
meio da distribuição. Entre 2022 e
2024, houve melhora no Cadastro
Único e criação de benefícios para
famílias com crianças, o que melhorou
a focalização, e agora novamente
mais da metade dos recursos
vai para esse grupo (51,7%), de
acordo com seus cálculos.


Perguntado sobre eventual
efeito da ampliação do Bolsa Família
na busca por trabalho e o
que chama de “efeito preguiça”
em seus textos, o pesquisador
do Ipea afirma que os sinais
mais gerais da economia — como
aumento do emprego formal
em todas as faixas de renda
e redução do desemprego, principalmente
entre os mais pobres
— apontam que a política social
“não está atrapalhando”, embora
reconheça que possam existir
casos pontuais.


Para tratar do tema, cita trabalho
de François Gerard, Joana Naritomi
e Joana Silva que será publicado
na revista “Econométrica”
e que mostra que municípios
onde houve maior expansão do
Bolsa Família tiveram aumento
maior do emprego formal.


Os dados, no entanto, avaliam
o programa de antes da pandemia
e Hecksher concorda que o
aumento do valor e a ampliação
da cobertura do benefício justificam
que se volte à questão,
mas que até agora os estudos sobre
o tema não “têm a mesma
qualidade”. Ao mesmo tempo, o
pesquisador critica a reincidência
desse debate: “É uma pergunta
recorrente. Sempre se pergunta
se o Bolsa Família deixa os
pobres mais preguiçosos, embora
não se pergunte muito se os
juros e as isenções fiscais deixam
os ricos preguiçosos.”


Dados da Declaração de Incentivos,
Renúncias, Benefícios e
Imunidades de Natureza Tributária

Tributária,
a DIRB, mostram um valor
de R$ 400 bilhões em isenções,
desonerações e renúncia fiscal
para empresas de janeiro de
2024 a fevereiro de 2025, dado
mais recente. “Isso dá mais de R$
4 milhões por empresa, sem necessariamente
reverter em desenvolvimento.
Não avaliamos
com o mesmo cuidado se isso
gera efeito preguiça nas empresas”,
diz.


Neste contexto, defende que o
esforço de ajuste fiscal se dê mais
por revisão de emendas parlamentares,
isenções e benefícios
tributários a empresas que pelos
gastos com políticas sociais.


“Há muito lugar para fazer
ajuste fiscal. Mas quem é beneficiado
pelas emendas e pelas
isenções é ouvido diretamente e
diariamente pelo Congresso, enquanto
quem recebe Bolsa Família
só é ouvido a cada dois ou
quatro anos, no voto. Isso é desequilibrado”,
afirma.


Ao tratar do controle da inflação,
o economista lembra que a
meta do país está mais ambiciosa
e que a Constituição prevê o controle
da inflação, mas também a
redução das desigualdades.


“A meta de inflação não é única
e não se pode perseguir uma
meta sacrificando outra. Deixar
os pobres mais pobres é a pior
maneira de gerar equilíbrio fiscal
e combater a inflação”, nota.
Para Hecksher, a desigualdade
de renda no Brasil “não é por acaso,
mas fruto de políticas adotadas
por anos seguidos”. Na visão dele,
é preciso que a redução das discrepâncias
entre os brasileiros também
venha por meio de tributação
mais justa, e não só por políticas
sociais voltadas aos mais pobres.

VALOR  

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