A Medida Provisória 867/2018 aprovada pela
Câmara dos Deputados
desmantela a estrutura do
Código Florestal
brasileiro (Lei 12.651/2012), com implicações comerciais, ambientais e
jurídicas. O cerne da questão está nos destaques (jabutis, no jargão da
política) incorporados pelo texto do relator, o deputado ruralista
Sergio Souza (MDB-PR).
A MP representa menos floresta para recuperar, insegurança jurídica
sobre o uso da terra, potenciais dificuldades para o agronegócio
exportar e para o Brasil cumprir suas metas voluntárias no
Acordo de Paris
.
Sua aprovação carrega, sobretudo, a mensagem de que cumprir a lei não é
um bom negócio no Brasil, onde a legislação foi agora modificada para
perdoar dívidas e crime ambiental. Serão os 4% dos proprietários
rurais do país que não se adequaram ao Código Florestal os beneficiários
da anistia a desmatadores concedida pela MP.
O Código Florestal (Lei 12.651/2012) é uma das legislações mais
negociadas da História do país, aprovada após 11 anos de discussões no
Congresso. Ele teve a constitucionalidade validada em 2018 pelo
Supremo Tribunal Federal
(STF). É resultado de um pacto entre governo, agronegócio, academia e
ambientalistas — e todos cederam. A MP descombina o acertado e trouxe
regras novas para perdoar quem não cumpriu o que mandava a lei.
Na visão de especialistas em legislação ambiental, a chamada função
socioambiental da propriedade prevista pela Constituição (artigos 5, 170
e 225), por exemplo, é violada, o que dá margem a ações de
inconstitucionalidade. Além disso, quem cumpriu a lei pode se sentir
prejudicado e recorrer à Justiça, bem como quem não concordar com os
parâmetros adotados para estabelecer as datas de proteção de biomas.
A insegurança jurídica traz problemas para exportações do
agronegócio
, diz Luiz Cornacchioni, diretor-executivo da Associação Brasileira do
Agronegócio (Abag) e representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e
Agricultura. Segundo ele, passa um sinal para o mercado internacional
de que as regras do jogo podem mudar a qualquer momento. Também
prejudica quem se adequou à lei.
Outro problema à vista são mecanismos de financiamento internacional, já
que os grandes bancos têm instrumentos de responsabilidade solidária
com acordos ambientais.
O Observatório do Código Florestal estima que a MP consolida o
desmatamento de uma área entre 4 e 5 milhões de hectares vegetação
nativa, que não mais precisarão ser restaurados. Isso põe em risco o
cumprimento da meta voluntária apresentada pelo Brasil no Acordo de
Paris de restaurar 12 milhões de hectares de vegetação nativa.
E o Acordo de Paris em risco é outra mensagem negativa para o mercado
consumidor, principalmente o europeu. Países como França e Alemanha já
deixaram claro que não comprarão produtos vindos de áreas desmatadas.
Pela MP, proprietários que desmataram ilegalmente não mais precisarão
recompor as áreas afetadas para se regularizar em imóveis rurais no
Cerrado, no Pampa, na Caatinga e no Pantanal, se derrubaram a vegetação
nativa quando a lei assim o permitia. Porém, a MP usa como referência
para esses biomas leis recentes em vez da legislação original, o
primeiro Código Florestal, de 1934.
Toda a discussão sobre o uso da terra no campo passa longe de cerca de
85% dos habitantes do Brasil, que vivem em cidades. Mas os afeta ainda
assim, ao influenciar a produção de água, a regulação do clima, a
produtividade agrícola e a erosão do solo. Impacta também a economia,
pois o mercado internacional é sensível à questão ambiental.
Como frisa Mercedes Bustamante, professora de ecologia da Universidade
de Brasília e integrante da Coalizão Ciência & Sociedade, está mais
do que na hora de tirar a questão ambiental do gueto e mostrar que o
meio ambiente diz respeito a todos.
Já houve um tempo em que cortar árvores ilegalmente significava perda da
fazenda e condenação à morte no Brasil. Em 1605, era essa a pena
prevista pelo Regimento do Pau Brasil. Agora, muda-se a lei para perdoar
quem a infringiu.
Lula, aos 73 anos, está apaixonado. A notícia, inconfidência cometida
pelo ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira em uma postagem no Facebook
no sábado 18 de maio, após uma visita que o ex-ministro fez à cela da
Polícia Federal, correu o mundo. “Lula está enamorado y si sale de
prisión se casará”, noticiou o jornal argentino
Clarín
. “Lula ‘in love’”, escreveu o canal de notícias internacional France
24. “Lula, ‘amoureux’, veut se remarier s’il sort de prison”, publicou o
francês
Libération
. No entorno de Lula, nada disso era novidade. A socióloga Rosângela da
Silva já é uma figura conhecida do petismo desde antes da prisão do
ex-presidente e mais ainda depois disso, quando Janja, como é conhecida,
passou a fazer a triagem de quem visita ou não o namorado na cadeia
(leia atualização ao fim desta reportagem)
.
Paulista, Rosângela mora em Curitiba e trabalha há 16 anos, desde o
primeiro governo petista, na Itaipu Binacional, com programas de
responsabilidade social envolvendo ocupação urbana, sustentabilidade e
comunidades tradicionais. Neste período, foi cedida por três anos e nove
meses para a Eletrobras, entre 2012 e 2016. Atualmente recebe R$ 17.500
mensais.
Amigos do PT não sabem dizer ao certo quando eles se conheceram, mas
arriscam que foi quando Lula, então presidente, passou por Itaipu.
Rosângela se tornou funcionária na hidrelétrica num período em que os
petistas do Paraná dominavam a estatal. Jorge Samek, amigo antigo de
Lula, era o presidente de Itaipu. A diretoria financeira era ocupada por
Gleisi Hoffmann, ex-senadora, deputada federal e hoje presidente
nacional do PT. Segundo a estatal, não há comissionados por lá. “Não
existe nomeação de empregados em Itaipu. Todos os empregados são
contratados em regime de trabalho da Consolidação das Leis de Trabalho (
CLT
). Apenas diretores e conselheiros são nomeados por decreto, atendendo
prerrogativa da Presidência da República”, disse nota enviada a ÉPOCA
Lula e Janja se reaproximaram no começo de 2018, quando ele a
reencontrou nas caravanas que fez pela Região Sul, nas semanas que
antecederam sua prisão, em abril daquele ano. Ela o visita com
frequência. Os encontros normalmente são nas quintas-feiras, quando Lula
pode receber até duas visitas. Rosângela costuma vê-lo no fim da tarde,
depois que a família dele vai embora. As conversas entre os dois duram
cerca de uma hora. Não há visitas íntimas, contra o que Lula volta e
meia protesta.
O ex-presidente tem usado uma aliança na mão direita, presente de Janja,
num dia em que perguntou a ele se o relacionamento dos dois era sério.
Diante da confirmação de Lula, ela foi implacável: “Então usa isso”. A
paixão foi aos poucos se tornando mais e mais conhecida pelos amigos.
Janja vai toda semana ao acampamento Marisa Letícia, que funciona em
frente à sede da Polícia Federal em Curitiba, do qual é uma das líderes.
Grava vídeos dos apoiadores de Lula para o YouTube e se tornou uma voz
de peso na comunicação do ex-presidente.
No fim de maio de 2018, quando Lula terminava seu segundo mês
encarcerado, ela filmou militantes do MST varrendo o local, tarde da
noite. “Para aqueles que falam que é um bando de desocupados, eles têm
uma organização muito bonita de ver”, disse Janja no vídeo, em tom
orgulhoso. A socióloga se empolgou ao descrever o trabalho de limpeza:
“É de fato uma política social, uma política de inclusão”.
Quando o petista completou um ano preso, no mês passado, o PT montou um
palco na frente da Superintendência da PF em Curitiba. Em um microfone,
estava Lurian, filha de Lula. A música era “Apesar de você”. Em outro
microfone, uma militante pediu: “Vem, Janja!”, ao que Rosângela se
empolgou, cantou e dançou, sorridente. “Água nova brotando e a gente se
amando sem parar!” A militância foi ao delírio.
Os filhos de Lula com Marisa não reagiram muito bem quando souberam do
namoro. Ainda não aprovaram totalmente a relação do pai. No Facebook,
Janja só é amiga de Bia Lula, neta de Lula, filha de Lurian Cordeiro
Lula da Silva, a primeira filha do ex-presidente.
Amigos de Lula acham que, ao delegar a Janja a triagem de quem deve ou
não visitá-lo, ele encontrou uma forma educada de só receber quem quer.
Em vez de ele mesmo vetar alguém, faz parecer que foi decisão dela.
Embora os mais próximos a ele não tenham gostado da inconfidência
cometida por Bresser-Pereira, há quem ache que foi um gesto calculado de
Lula, que quis fazer um carinho público na namorada, ao falar nos
planos de se casar. Há um mês, quando deu entrevista para o
El País
e para a
Folha de S.Paulo
, Lula já havia falado no que seria seu maior sonho. “Vocês acham que eu
não gostaria de estar em casa? Adoraria estar em casa com minha mulher,
adoraria estar em casa com meus filhos.”
A amizade de Lula e Janja era tratada publicamente por ela há anos. Em
2008, no comentário a uma reportagem, ela se referiu a ele de maneira
carinhosa. “Como funcionária pública binacional, sei da importância que
Gleisi tem para nós, mulheres. Sei o que ela fez em Itaipu, sou
testemunha, e sei que meu dileto amigo Lula sabe também”, afirmou, em
defesa de Gleisi Hoffmann.
Para uma funcionária sem cargo de chefia na estrutura federal, ela tinha
um acesso incomum a Lula. Uma notícia de 2010 no site de Itaipu contou
que Rosângela foi a Brasília especialmente para gravar um depoimento de
Lula aos participantes do seminário
Mulheres nos espaços de decisão e poder
, que aconteceria na estatal. A reportagem trazia uma foto dos dois e
uma bandeja de fibra de bananeira, artesanato feito por uma cooperativa
de Foz do Iguaçu e que foi dado de presente a Lula. “De acordo com
Janja, Lula adorou o presente”, informava o texto.
Petistas não sabem dizer se Janja é viúva, a exemplo de Lula, ou se foi
casada. Ela não respondeu ao pedido de entrevista feito por ÉPOCA. Em um
trabalho que a socióloga fez para a Escola Superior de Guerra, em 2011,
sobre as relações de gênero nas instituições de defesa e segurança
nacional, a dedicatória foi para um namorado.
“Ao meu namorado, que apoiou e incentivou a minha vinda para o Rio de
Janeiro, mesmo sabendo das dificuldades da distância que, felizmente,
não atrapalhou. Só nos fortaleceu”, escreveu, sem identificá-lo.
O namoro com Lula ficará um pouco mais difícil. Segundo Itaipu, Janja
está entre os 150 servidores lotados na capital paranaense que, com o
fim do escritório de Curitiba, serão transferidos para Foz do Iguaçu,
sede da binacional. Mais do que nunca, a lua terá um papel importante no
romance dos dois petistas. Recentemente, Janja confidenciou a uma amiga
que é por meio da lua que os dois, um preso e a outra livre, namoram
todas as noites.
(Atualização: A triagem de quem visita Lula é feita
principalmente por Marco Aurélio Ribeiro, assessor direto do
ex-presidente. A intermediação feita por Rosângela foi em casos
excepcionais. O acampamento Marisa Letícia deu lugar, há alguns meses, à
“Vigília Lula Livre”.)
Com Eduardo Barretto e Sérgio Roxo
The story of Game of Thrones wrapped up last night
with the most lavish display of narrative housekeeping in TV history:
Jon Snow betrayed and knifed a power-mad Daenerys to prevent future mass
murders; Tyrion successfully made the case for Bran to take the throne;
Sansa was appointed head of her own kingdom; Arya sailed off on a boat
to uncharted territory; and Jon was sent up North, exiled and neutered
to appease Dany’s supporters.
But the show had already summed itself up a week earlier in “The Bells,”
when the Hound and the Mountain fought to the death in the crumbling
stairwell of the Red Keep, an action scene that doubled as a summary of
all the impossible challenges the show has tried and often failed to
overcome. The Mountain, a.k.a. Gregor Clegane, was poisoned in a duel in
season four but continued to function thanks to Frankenstein-like
medical experiments by Cersei’s adviser Qyburn. He returned to life as a
putrefying goon who wasn’t really alive anymore, in any meaningful
sense, but had to keep guarding Cersei and killing her enemies. The
Mountain’s actions in his final scene — recognizing his brother Sandor,
then disregarding Cersei’s orders by killing Qyburn and entering a
combat to the death — indicated that he still had some agency. But in
every other way, that gray-fleshed, red-eyed creature of obligation was
not the person he’d once been.
Neither
was the show that sent him to such a spectacular end. This image of two
brothers, one living and one nearly undead, fighting to the death
became a metatextual summing-up of Game of Thrones’
final seasons. As it entered its homestretch, David Benioff and D. B.
Weiss’s juggernaut of a fantasy became a gigantic entertainment
revenant, shambling on despite having lost much of its original life
force, along with George R.R. Martin’s source text, somewhere around
season five.
Ironically,
this eighth and final season was absolutely on-brand for the series,
though surely not in the way its creators or its fans would’ve imagined.
Regardless of whether you liked or disliked its individual episodes or
story lines, Game of Thrones constantly set up audiences to expect, even want, a particular outcome, only to deliver the worst-case version of their fears. Game of Thrones
itself got Red Wedding’d or Ned Starked — choose your comparison from
the series; there are dozens of equally good choices available — as its
devotees sat there every Sunday night wishing for something other than
what the show intended to give them. More than a million grew so
disenchanted that they signed a petition
to remake all of season eight. This was a fantasy more ridiculous than
anything in Westeros, a demand contrary to the spirit of popular
storytelling itself (television is not a restaurant where you can send
the food back), and had an almost endearing impotence, like those shots
of the crowd that gathered to watch Ned Stark’s death in season one.
This thing was happening, whether you wanted it or not.
The core of Game of Thrones’ appeal was always its comfort with horror and terror.
In its earlier, stronger seasons, the series often felt more like an
adaptation of an ancient text than anything modern. It ignored
contemporary Western liberal notions of morally and politically
acceptable storytelling (especially when it dealt with gender relations,
racism, colonialism, and the white-savior complex, which approached
Tarzan or Conan levels of cheerful obliviousness), but it was equally
uninterested in giving the audience the neat and life-affirming closure
that it seemed to want from all other fantasy and science-fiction
franchises, whether it was Star Trek or Star Wars, Doctor Who or James Bond, Marvel or DC. On Game of Thrones,
as in life itself, the rain of death fell on the just and unjust alike.
There was an ominousness to the violence that would’ve seemed even more
wanton and sadistic if the show hadn’t channeled that George R.R.
Martin–esque feeling of events’ being subtly finessed by the whims of
unseen gods. It was a 21st-century series in terms of its technology of production and distribution,
but the sensibility was primeval. Watching it from week to week was the
closest that modern Western viewers have gotten to the experience of
reading the original Grimm fairy tales, where Jack the Giant Killer
would cut open a giant’s stomach and replace it with a sack of hasty
pudding, or folktales like the early French version of “Little Red
Riding Hood,” where the girl climbs into bed with the wolf and is eaten.
The end.
Viewers
of the show, like children listening to old fairy tales, got to the
point where, going into each hour, they knew on some level that this
story probably wouldn’t go the way they wanted it to, and that to enter
its narrative space was to accept a certain amount of cruelty. This
freed the writers to deliver massive, often unimaginably horrific
shocks, like the death of Ned, the Red Wedding, the maiming of Jaime
Lannister, the prolonged torture and eventual castration of Theon, and
the innumerable mutilations, eviscerations, immolations, rapes, mass
murders, and other atrocities. The absolute worst thing that could
happen to a character often did happen, and at the worst possible
moment. That was the source of the show’s narrative power and the key to
its viselike hold on audiences, even during the lackluster recent
years.
The
show at its most disturbing was a perfect combination of that horror
and terror, gussied up in the superficial trappings of European-styled
sword-and-sorcery. The difference between horror and terror is subtle
but easy to understand once you know what to look for: If terror is
about fear of a violent physical death or damage to the flesh, horror is
a more psychological or spiritual kind of distress. It’s about fearing
the loss of sanity, of individual autonomy, or (a pre-Freud way of
putting it) of the soul. The Exorcist and Rosemary’s Baby are horror. Jaws is terror. The original Alien,
a stalker movie set in a dark castle of a starship that was also a text
about fear of rape and forced impregnation, was both. So is virtually
the entire filmography of David Cronenberg. Game of Thrones lived
at that intersection, swathed in gloom and gnawing on bones. The
voluminous abuse Sansa suffered at the hands of others was terror, but
the toll it took on her was horror. Ditto the unrelenting misery of
Daenerys, who was abducted and raped in season one, undermined and
betrayed throughout the series, and in the final seasons saw two of her
“children” — who doubled as manifestations of her literally growing rage
— taken from her. (The data trove justifying Dany’s actions in “The
Bells” was filled to the brim over eight seasons; it was only the rushed
and patchy storytelling at the end, with all the crazy-lady shorthand,
that rankled.)
The
entire show was unified, visually, by the reactions of characters who’d
been forced to watch the absolute worst possible thing happen and were
powerless to do anything but absorb it and try not to lose their minds.
This was a recurring feature, practically a dramatic motif, from Sansa
and Arya being physically restrained from trying to help their father as
his head was lowered on the chopping block to Catelyn Stark realizing
at the Red Wedding that there was no reason for a guest to be wearing
chain mail and then screaming warnings after it was too late to warn
anyone. These moments returned audiences to the emotional state of
children watching Old Yeller or E.T. or Avengers: Infinity War, endlessly cycling from hope and trust to betrayal and fear and sorrow, then back again. It worked like a charm. A magic charm.
It
wasn’t just the epic moments and shocking twists that made the series
such a topic of conversation. It was also, perhaps primarily, the
intricate sense of place Martin’s novels brought to the tale, which
anchored the original run of the series and made it special enough to
overcome (usually valid) complaints about misogyny, racial
insensitivity, and other shortcomings. Game of Thrones was often compared in its early years to The Sopranos with dragons, but in totality, those first few seasons were probably closer to something like Mad Men or The Wire,
in that they showed how individuals were shaped by their history and
culture even as they exercised free will. To mangle the famous Casablanca
line, in this crazy world, the problems of two little people, or even a
royal bloodline, didn’t amount to a hill of beans. The definitive
elaboration on this comparison can be found in an article by Zeynep Tufekci in Scientific American. Tufekci theorizes that Game of Thrones
frustrated even devoted fans in its later years not just because it ran
out of George R.R. Martin text to adapt (though that was a problem) but
because it moved away from sociological storytelling, which focuses on
whole institutions or civilizations and their relationship to their own
histories — a thing the show often was brilliant at — to psychological
storytelling that was mainly focused on the individual and treated the
larger society as a mere backdrop for their progress through the world.
The latter was of secondary interest in Martin’s novels.Without
the books, Weiss and Benioff and their actors were still capable of
striking and even deeply moving character moments (this season’s second episode, which was built around quiet conversations, was filled with them). But this wasn’t the dramatic third rail that made Game of Thrones electrifying.
The shift to individual-focused storytelling made the show feel less
assured and less special. Characterization was increasingly subordinated
not just to plot twists but to spectacle and GIF-able moments. It
inflicted great damage on audience goodwill in the final season,
particularly when Game of Thrones sidelined or
undermined many of its female characters (was it necessary to have so
many of them sobbing in close-up over men, and in Brienne’s case,
devoting her final scene to writing Jaime’s biography?) and staged
moments that were viscerally exciting (Jaime’s duel with Euron Greyjoy)
but seemed bizarre if you thought about them for more than a few
seconds. There were still remnants of its sociological storytelling — the big battle scenes
became even more important than they’d been originally, fireworks
displays built into every season. But not necessarily because they
flowed inevitably from the politics and personalities of Westeros —
because, like the various flavors of ultraviolence, they were what Game of Thrones was known for doing, and therefore had to be done.
The
one constant that kept the show vital (and controversial) was its
interest in horror and terror. This is key to the logic of fairy tales
and so-called “moral tales,” where people’s worst fears are realized and
their most egregious missteps punished, seemingly by the cosmos, either
out of a sense of cosmic or supernatural justice or merely because the
universe is indifferent to what individuals want. It was displayed on a
grand scale two times this season: first andrather unsteadily in “The Long Night,” and with terrifying assurance in “The Bells,”
a spectacle of civic ruin and mass murder that variously evoked
Hiroshima, 9/11, the Holocaust, and the conventional aerial firebombings
that have been characteristic of post–World War II life from Dresden
and Cambodia to Kosovo and Aleppo.
These
jolts of horror, whether focused on individual or collective agony,
were an artistic through-line linking the post-Martin version of the
series to its original incarnation. But the narrative infrastructure
that used to grow organically out of Martin’s concern with societies and
their leaders fell away, and what was left was a bottom-line-driven
imperative to be Game of Thrones™, with the
characters serving as pegs around which pyrotechnic and melodramatic
flights of fancy could be woven. A Hiroshima- or 9/11-level atrocity was
well within the narrative bandwidth of this series, where rulers
regularly did awful things for ignoble, often irrational reasons and
civilians suffered and died as a result. Dany repeatedly said that she
wanted the throne, was perfectly willing to burn her enemies and their
societies to the ground to get it, and would settle for being feared if
love was not an option. When viewers argued about whether this was
something Dany would or could do — and whether her rapid descent into
genocidal rage affirmed the series’ arguable misogyny and played into
stereotypes that critic Mo Ryan summed up as “bitches are crazy” — it spoke to a failure of process that had affected the structural integrity of the art.
When the aftershocks of the finale fade and we get a bit of distance from the whole thing, it will become apparent that Game of Thrones itself unwittingly became the victim of an ironic and agonizingly protracted Game of Thrones
ending. The show had all the money in the world and could’ve taken a
lot more time in production — and demanded a lot more of the audience’s
time — than it did, and that might’ve corrected some of the problems
that plagued it during its second half. Even at the end, the series
still had its moments — in spite of all its problems, “The Bells” is
astounding at the level of filmmaking and acting. But like The West Wing after Aaron Sorkin’s departure and Seinfeld
after Larry David’s, something was off so profoundly that you could see
how hard the series was trying to pretend it hadn’t really lost
anything. You could feel the struggle, and the insecurity emanating from
that struggle, even if you still enjoyed the series as a spectacle of
horror and terror, a war film, or a soap opera. It had become the kind
of show that felt comfortable retroactively explaining everything about
Dany’s decision to roast King’s Landing by having two men recap her life
story and argue about whether her actions were defensible (a
sensitively acted scene, but essentially a Reddit thread come to life).
The kind of show that would have a dragon make like the supercomputer at
the end of WarGames (“The only winning move is not to play”). The kind of show that would haveSamwell Tarly presentwhat looked suspiciously like a tell-all memoir written in quill pen, titled A Song of Ice and Fire.
The
upshot is a meta-death as disturbing as any the series has given us.
Ned Stark is losing his head again, there’s blood on the floor of the
reception hall, Jaime’s hand is coming off. But it’s sadder somehow,
because it’s more like a real-world death, where the person you love
gradually turns into something you no longer recognize, and nothing —
not rationalizations, not petitions, not science, not faith — can stop
it. But we had to watch.
" Por Helena Chagas, para o Divergentes e Jornalistas pela Democracia -
Se removermos um pouco da espuma despejada no ambiente político nos últimos dias, não vamos encontrar uma conspiração das elites arrependidas e do Congresso – que agora parece se chamar Centrão – destinada a derrubar o presidente da República. Pelo menos ainda não. Há, de fato, uma percepção clara do establishment econômico de que pisou na jaca com os dois pés ao apoiar a eleição de Jair Bolsonaro só para se ver livre do PT. Seus integrantes já perceberam o tamanho desse erro – e o comportamento da Bolsa e do dólar nos últimos dias é apenas mais um sinal disso.
Em suas conversas, esse pessoal deixa claro que gostaria de se ver livre da insensatez de Bolsonaro. Mas sabe que não é assim tão fácil. Não é preciso um profundo exercício de futurologia para se prever os danos à economia e à imagem do país que um novo e demorado processo de impeachment iria trazer a esta altura. Seria desastroso, quando menos por inviabilizar, enquanto durasse o processo, a aprovação das reformas que o mercado e o PIB tanto querem, a começar pela Previdência. Golpe desse tipo, então, só depois da reforma.
A aposta numa renúncia, outra opção aventada, é mais remota ainda. As semelhanças entre Jair Bolsonaro e Janio Quadros podem ser muitas, sobretudo na psicologia de quem se sente perseguido por "forças ocultas", mas param por aí. Bolsonaro, com seus filhos, é do tipo que se entrincheiraria no Alvorada para não ser derrubado. Quem o conhece sabe que não renuncia.
Então, o que resta às elites arrependidas? Apostar no tal parlamentarismo branco que vem sendo acenado pelos grupos majoritários do próprio Congresso, dirigido hoje pelo DEM e comandado pelo Centrão.
Só que isso também é uma ilusão. O Congresso pode muito. Pode, no limite, derrubar o presidente da República. Mas não pode governar no dia-a-dia porque não tem os instrumentos institucionais do Executivo. Não assina medida provisória, não faz decreto, não nomeia. Por mais que se tenham aprovado iniciativas como o orçamento impositivo, e que haja planos de, por exemplo, limitar o poder do Planalto de baixar medidas provisórias, quem governa é aquele que está lá no terceiro andar do Planalto – que, por sinal, foi eleito para isso.
É por aí que, depois de removermos toda a espuma acumulada nos últimos dias, vamos desnudar um presidente acuado sobretudo pelas investigações que avançam sobre seu filho e a relação com as milícias do Rio e um Congresso ávido por tomar as rédeas do país em aliança com setores do establishment arrependido. Um pouco mais adiante, veremos as ruas, que começam a se encher – por enquanto, com viés de esquerda.
Estamos diante de uma receita de impasse que não se resolverá com jogadas pirotécnicas nem com golpes parlamentares. Talvez só com algum tipo de entendimento entre as forças políticas, sociais e econômicas do país – mas aí elas teriam, à direita e à esquerda, que ter o juízo que não demonstraram quando abriram o caminho para a eleição do capitão reformado."
O democalipse não veio. Apesar da vertigem e do assombro causados por
quase cinco meses de governo Bolsonaro, com overdose de pornografia,
gritaria virtual e paralisia real, não houve a quebra de regime
anunciada por discursos de campanha. O alarmismo histriônico, ventilado
no fim de 2018, não deixou de receber resposta à altura: a de que a
democracia brasileira corria “risco zero”. A tese misturava
precipitação, desejo e hipérbole. Proferiu frases como: “A democracia
está mais firme que nunca, apesar do namoro com o iliberalismo de ambos
os lados”; “Nossa crença democrática dominante e as instituições de
controle conterão impulsos iliberais”; “Bolsonaro se revelará um
presidente mais moderado, e sinais desse giro moderado já são
evidentes”; “Não dá para confundir a retórica de um parlamentar polêmico
com ameaça real à regra do jogo”, mas “retórica de fim de mundo dá
muito mais likes nas redes sociais”.
O cenário democalíptico pintava um ato de força espalhafatoso,
autossuficiente, que demarcasse o fim da democracia sem sombra de
dúvida. Ecoa o golpe clássico, prática abundante no século XX.
Estudiosos têm alertado, porém, que há processos mais furtivos. Em vez
de um tiro no coração, a democracia pode se desgastar pelas beiradas,
até que se desinstitucionalize de vez sem disparar a sirene (como um
sapo mergulhado na água que ferve aos poucos perde energia e morre sem
reagir). David Runciman (
Como a democracia chega ao fim
, Todavia, 2018) alertou que esses processos precisam fingir “que a
democracia permanece intacta”. Ficamos em busca da prova definitiva da
falência, e, quando nos damos conta, já não sobrou muita coisa. A
fixação nas ditaduras do passado afeta o discernimento no presente.
“Há dois motores principais nesse processo: a fadiga da legalidade e a erosão da infraestrutura imaterial da democracia”
O primeiro ocorre quando autoridades testam a força da lei até que se
esgote o estoque de energia e capital político das instituições de
controle. O Judiciário, mesmo que não capitule por vocação, não aguenta
sozinho por muito tempo. O segundo diz respeito ao processo de
exacerbação do antagonismo social, de degradação das condições para o
exercício da liberdade na diferença. A imprensa, as salas de aula e as
instituições culturais sentem o golpe e se autocensuram por instinto de
sobrevivência.
A Blitzkrieg desconstituinte contra valores elementares da Constituição
de 1988 já deu numerosos exemplos nestes cinco meses. O kit lei continua
a ser rejeitado sem cerimônia (não confundir com kit gay, que só
existiu nas fantasias de Bolsonaro). A falta de “cerimônia”, lembre-se,
não é mero detalhe, mas agravante. A última semana ofereceu mais dois
exemplos cuja gravidade não fica para trás: Bolsonaro, por meio da
técnica normativa malandra do “se pegar, pegou”, violou por decreto a
lei do Estatuto do Desarmamento ao ampliar o direito de portar arma sem
demonstrar “efetiva necessidade” (que passa a ser presumida, conforme o
artigo 20, parágrafos terceiro e quarto do decreto); Wilson Witzel foi
denunciado à ONU por sua política de segurança, que já fez as duas
operações policiais mais letais desde 2013. Witzel passou a se juntar
aos snipers que do helicóptero atiram em suspeitos. Para adicionar
ingrediente mais insólito, passou a gravar vídeos que ele inicia com um
quase simpático “Oi, pessoal”.
Runciman, posicionando-se no debate sobre a crise da democracia,
afirmou: “Se Trump é a resposta, é porque não estamos mais fazendo a
pergunta certa”. Fernando Limongi, reagindo à tese do “risco zero”,
completou: “Esse gênio que está saindo da garrafa você não põe de
volta”. O gênio, claro, não é Bolsonaro (nem Trump), mas o movimento que
ajuda a inflamar.
Martin Luther King exigia o término imediato do apartheid americano nos
anos 60. Injustiça extrema não aceita nota promissória. Não havia tempo,
em suas palavras, para o luxo da espera ou para se entorpecer na “droga
tranquilizadora do gradualismo” (a mesma que estendeu a escravidão
brasileira até o fim do século XIX). A democracia do país, sem ter
resolvido muitas de suas injustiças extremas, foi sedada com outra
pílula tranquilizadora — a do gradualismo regressivo. Esse gradualismo
tem sinal trocado, pois empurra para trás: retrocesso em vez de
progresso.
Quando será tarde demais? Quando os compromissos de 1988 serão
desmoralizados por completo? A pergunta não nasce com Bolsonaro ou
Witzel, apenas ganha com eles uma feição mais violenta e caricata.
Conrado Hübner Mendes é doutor em Direito e professor da USP
Who will win the Iron Throne? Who should win the Iron Throne? Should there even be an Iron Throne?
The plot of “Game of Thrones” will be settled Sunday night. The arguments, if history is a guide, will never be.
HBO’s swords-and-dragons fantasy drama, about a multifactional battle among royal houses to rule the mythical continent of Westeros, appealed to audiences’ guts and brains. It was the sort of breathtaking production once reserved for summer movie blockbusters. It weaved a vast, obsessive mythology. It was part family drama, part lurid potboiler and part complex psychological study — topped off with secret-parentage twists and an encroaching zombie army.
It became a sensation domestically (18.4 million viewers last Sunday, not counting later streaming, DVR recordings or piracy) and internationally. It was a windfall for HBO to rival the gold mines of House Lannister, and it regularly lit up the internet like dragonfire.
Most of all, it was a mass-market hit for the era of no social consensus.
What made “Game of Thrones” emblematic of its time is how it divided its audience from start to finish, right down to the matter of what a happy ending would even constitute. It gave its intense fandom multiple angles to debate as well as to enjoy: whether it kept faith with the popular novels it was based on; whether it reveled in brutality in the name of critiquing it; whether it well-served its female characters or exploited them; and whether it lost control of its story as it sprinted to the finish.
Half a century ago, viewers of “The Fugitive” collectively wanted Richard Kimble to catch the One-Armed Man. But what does anyone want from the end of “Game of Thrones”?
Maybe you want to see Sansa Stark break the dragon-glass ceiling, completing her journey from fairytale-besotted naïf to commanding queen. Maybe you want to see Jon Snow rewarded for years of self-sacrifice and impeccably moisturized hair. Maybe you think Daenerys Targaryen was done dirty. (You incinerate one city and suddenly you’re the villain!) Maybe you want the Iron Bank of Braavos to repossess the entire dysfunctional realm, liquidate its assets and call for internationally monitored elections.
The disputes over “Game of Thrones” often served as proxies for arguments in the mundane real world. They were about how power is best won and wielded; about the portrayal of women and attitudes toward violence; about whose stories are subordinated to someone else’s hero journey; about whether ethics in leadership is a requirement, an impediment or a luxury.
There was a certain amount of dissonance built in to a saga that combined the HBO sensibility — dark psychological realism and realpolitik moral ambiguity — to epic high fantasy: a genre in which, once upon a time, the only shades of gray were in the wizards’ cloaks.
The most popular fantasy epics tend to focus on a quest the audience agrees on. The Ring must be destroyed, Voldemort must be defeated, Aslan must prevail. Pure-hearted underdogs triumph; kind and wise leaders restore order. These stories model, and affirm, values we’re assumed to share.
J.R.R. Tolkien’s “The Lord of the Rings” trilogy, published in the 1950s, was about a collective battle against an evil so unambiguous that it’s been misinterpreted as an allegory for World War II; the first installment in Peter Jackson’s film adaptation appeared in 2001, in the collective aftershock of Sept. 11.
“Game of Thrones” began in 2011, entering a TV culture complicated by “The Sopranos” and a society that had seen authority discredited in Iraq and on Wall Street. It aired internationally, in places whose national mythologies didn’t necessarily mesh with America’s to begin with. And it landed in the era of social media, a global watercooler made for instant reaction, side-choosing and second-guessing.
From the start, “Game of Thrones” put moral certainties to the sword. It spoke, if not always consistently, to a time of less agreement about either means or ends. Characters’ best intentions were often thwarted and cynicism rewarded. The series spent seasons on a queen’s disastrous attempt to impose benevolent rule on a foreign land. Sadistic kings made bad rulers, it said, but so did doormats.
It was not easy to know whom to like or what to hope for. The night was dark and the path obscure.
Many controversies around the show, adapted from a yet-unfinished series of novels by George R.R. Martin, came from its own choices and missteps. The producers flattened out some nuances, relied on cultural exoticism and loaded episodes with gratuitous sex and rape scenes — some of which they seemed unaware even were rape scenes. (After Sansa’s brutal rape in 2015, Claire McCaskill, then a senator, tweeted, “I’m done.”)
In the later seasons, the show rushed and emphasized visual spectacles over character development. Last Sunday, when Daenerys, portrayed through most of the series as a flawed heroine, razed a city of helpless civilians on dragonback, a character turn that might have been set up organically instead came divebombing out of the sun for shock value. Arguments — even a petition to remake the season — ensued.
But some disagreement was also intrinsic to the show. It was maybe part of the point. It was certainly part of the fun.
What made “Thrones” tough to wrestle with also made it a ubiquitous metaphor. That’s what great pop fiction does: adds characters to the shared cultural mythology that we use to tell stories to ourselves, about ourselves.
Was “Thrones,” with its spectral White Walkers, heralded by extreme weather and threatening to end all life, a parable of climate change? No. But it was a story of collective-action problems — it was in everyone’s interest to work together but in individuals’ interests to let someone else sacrifice — and that skeleton key fits any number of contemporary woes, climate included.
Was it a political roman à clef? No, despite eight years of hacky “Candidates as ‘Thrones’ Characters” gags. But it was cannily political, attuned to the value of alliances and flexibility. And its makers seemed attuned to the real-world readings of the show, writing a dialogue in which advisers anticipating objections to elevating a callow man (Jon) over an experienced woman (Daenerys), as if they were discussing his electability in the Upper Great Lakes.
And the show’s ideas were conscripted to wildly different ends. President Trump swiped the show’s typography to make swaggering meme images that perverted its themes (among them, the folly of demonizing the humans on the other side of a wall). Senator Elizabeth Warren wrote a column praising Daenerys that she might want a do-over on.
Of course, it’s not as if we weren’t warned not to idolize anyone here. “Game of Thrones” began, with the execution of the seeming hero Ned Stark, by telling us that a good heart gets you only so far in this world. It returned toward the end, with the obliteration of King’s Landing, to the idea that missions of liberation can become messianic massacres.
It made us confront a victory that we’d rooted for, over the conniving and greedy Lannister dynasty, by giving it to us as a war crime. It told us that constructing a just society for the living can be more difficult than defeating an army of the dead.
It took the easy part out of the way first — the Tolkienesque quest we could all agree on — and focused us on the trickier problem of what comes after. You can dispel every evil spirit and slay every dragon. In the end, we still have each other to worry about.
Faz 150 dias no próximo domingo que vieram à tona as relações
inexplicadas do policial militar da reserva Fabrício José de Queiroz, de
53 anos, com o atual senador Flávio Bolsonaro (PSL), o filho mais velho
do presidente da República. Queiroz tornou-se o epicentro de uma crise
para a primeira-família. Um relatório do Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf), enviado ao Ministério Público do Rio de
Janeiro, revelou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de
Queiroz — funcionário de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio — ao
longo de 2016. Além dos valores incompatíveis com a renda que ele
declarava (R$ 23 mil), o relatório mostrou inúmeros saques de valores
semelhantes e repasses de outros oito assessores do gabinete de Flávio
Bolsonaro para Queiroz. Surgiu até cheque no valor de R$ 24 mil para a
primeira-dama Michele Bolsonaro — pagamento de um empréstimo que seria
de R$ 40 mil, na justificativa oficial do presidente. De seu lado,
Queiroz afirmou que fazia “rolos”.
Cada detalhe do relatório do Coaf levantava a suspeita da chamada
“rachadinha” — a apropriação de parte do salário dos funcionários pelo
parlamentar. O documento — referente ainda a outros 20 deputados —
chegou às mãos do procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, José
Eduardo Gussem, em janeiro do ano passado, e, só seis meses depois, em
julho de 2018, foi pedida a abertura de uma investigação sobre a
“suposta prática de atividade de lavagem ou ocultação de bens e valores”
no âmbito do gabinete de Flávio Bolsonaro.
Fabrício Queiroz deixara o trabalho no gabinete em outubro de 2018, dois meses antes de o escândalo
tornar-se público. Além dos inusitados e frequentes repasses, paira
sobre o grupo de ex-assessores do filho do presidente a suspeita de que
muitos nem sequer trabalhavam efetivamente para o mandato. ÉPOCA apurou
que jamais foram emitidos crachás para trabalhar na Alerj de quatro dos
oito ex-assessores citados no relatório do Coaf: Nathália Melo de
Queiroz, Márcia de Oliveira Aguiar - respectivamente, filha e mulher de
Queiroz-, Luiza Souza Paes e Raimunda Veras Magalhães.
O procedimento é tão delicado que o senador já tentou duas vezes travar a
investigação com pedidos na Justiça. A primeira com o STF, em janeiro. A
segunda com o Tribunal de Justiça do Rio, na semana passada — quando
ele pediu um habeas corpus preventivo. Ambos foram negados.
Enquanto Flávio tenta barrar a investigação, ninguém sabe o destino de
Queiroz desde janeiro. Informações vagas e nunca confirmadas dizem que
agora está em São Paulo, recuperando-se de cirurgia médica.
Na viela em que fica a casa da família Queiroz, no bairro da Taquara,
Rio de Janeiro, impera o silêncio desde dezembro do ano passado. Os
vizinhos, colados à casa de fachada verde, dizem não saber de nada, mas
aparentemente cuidam do local, porque não se acumulam correspondências
na porta, que possui abertura para a rua na parte inferior. Sua família
também não é vista por lá nem em outros endereços declarados como
residência por Queiroz, na Freguesia, Zona Oeste do Rio. Apenas Nathalia
Queiroz, filha mais velha do policial, voltou a trabalhar como personal
trainer na Barra da Tijuca.
A relação de Queiroz com o clã é antiga. Mineiro de Belo Horizonte, o
soldado Fabrício José de Queiroz conheceu o capitão Jair Messias
Bolsonaro na Brigada Paraquedista, da Vila Militar do Exército no Rio de
Janeiro, em 1984. Os dois iriam trilhar caminhos distantes da carreira
no Exército, mas manteriam a amizade pública durante todo esse tempo. As
redes sociais de Queiroz e de sua família registram a presença das duas
famílias em perfeita sintonia e intimidade durante pescarias, jogos de
futebol, atos de campanha e churrascos de confraternização. Tanto que
Queiroz ostenta até hoje uma imagem dele - vestindo uma camisa preta com
a inscrição "os 7 pecados capitais" - pescando ao lado de Bolsonaro em
Angra dos Reis, em 2013.
Há quatro anos, quando Bolsonaro começava a se projetar candidato a
presidente, o casal Queiroz esteve em seu aniversário. Márcia de
Oliveira Aguiar, mulher de Queiroz, registrou sua presença no
restaurante Fratelli, em 21 de março de 2015. O local fica a 500 metros
do Condomínio Vivendas da Barra, onde o agora presidente mora.
Queiroz também foi companheiro de arquibancada do presidente. Em 25 de
julho do ano passado, ele esteve no Maracanã com o presidente e o agora
deputado Hélio Bolsonaro em um jogo do Fluminense. Vascaíno, gastava
tempo reclamando do Flamengo. Nas palavras do próprio presidente em uma
entrevista ao SBT, Queiroz "sempre gozou de toda a minha confiança"
embora soubesse que ele mantinha uma situação financeira atribulada e
"fazia rolo" - situação que não impediu que ele fosse coordenador da
segurança e chefe informal de gabinete. Agora, porém, todos ficam à
distância.
A festa de aniversário do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ) em 2
de dezembro de 2018 marcou a última vez que foi visto por integrantes
do PSL. Com um copo na mão e abraçado ao parlamentar, Queiroz pousou
sorridente para as fotos. “Nós nos conhecemos durante a campanha de 2016
e ficamos amigos”, contou Amorim, sentado em uma poltrona na antessala
do plenário da Assembleia Legislativa do Rio, a chamada ‘furna da onça’.
A comemoração, apenas para os mais íntimos, foi em um salão na Barra da
Tijuca. Depois nem Amorim, nem a trupe com quem ele costumava andar
para cima e para baixo desfilando camisas amarelas em campanha o viu
mais. Sabem apenas que ele segue em São Paulo.
O MP do Rio só foi bater na porta de Queiroz em 29 de novembro de 2018.
Duas semanas depois que a Polícia Federal colocou na rua a Operação
Furna da Onça e o juiz federal Marcelo Bretas mandou para trás das
grades dez parlamentares estaduais em mais uma ação da força-tarefa da
Lava Jato fluminense. Entre os documentos que embasaram a investigação
da PF e da força-tarefa do MPF no Rio estava o relatório do Coaf parado
ao longo de todo o ano no MP estadual.
Com acesso exclusivo aos autos, ÉPOCA descobriu que, quando o MP
finalmente foi procurar Queiroz em um endereço no bairro da Praça Seca, o
oficial de Justiça foi recebido por Débora Melo de Queiroz, sua
ex-mulher. Ela se prontificou a receber o documento, mas informou que o
ex-companheiro “se mudou para Curicica, em endereço que não soube
precisar”. Curicica, bairro na Zona Oeste do Rio de Janeiro controlado
por milicianos, é tido como área de domínio de Orlando Curicica,
miliciano preso na Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do
Norte, e um dos investigados pela morte da vereadora Marielle Franco
(PSOL) e do motorista Anderson Gomes, no ano passado. Queiroz, então,
teve de ser notificado por telefone. Débora, como os outros parentes
dele, saiu de casa e não foi mais encontrada.
Começou uma operação para tirá-lo de cena. Queiroz deu poderes para o
advogado Cezar Augusto Tanner de Lima Alves - ex-corregedor da PM -
representá-lo. Informou como endereço, um apartamento na Freguesia, onde
moravam duas de suas filhas. Pediu o adiamento do primeiro depoimento -
previsto para o dia 4 de dezembro - solicitando acesso aos autos e o
esclarecimento: seria ouvido como testemunha ou como investigado?
A nova data seria 6 de dezembro, mas o “rolo” foi divulgado no jornal O
Estado de S. Paulo, o que motivou novo pedido de adiamento - para o dia
19. A defesa dizia não ter a íntegra dos autos. Mas esse depoimento
também não aconteceu porque Queiroz trocou de defensor justo na data
marcada. Procurado, Tanner limitou-se a dizer que deixou o caso.
Quando o advogado Paulo Klein assumiu sua defesa, Queiroz submergiu. O
entorno bolsonarista conta que essas mudanças todas se devem à ação do
advogado paulista Frederick Wassef - entusiasta de Jair Bolsonaro que o
acompanhou em jogos do Palmeiras e visitas no Consulado Americano.
Responsável pelas estratégias jurídicas dos processos do presidente no
STF até meados do ano passado, "Fred", como é conhecido, entrou no radar
para decidir a linha de defesa.
“A ficha de Queiroz registra uma acusação de violência contra a
mulher e um inquérito por tentativa de extorsão contra um suposto
traficante. Desde a cirurgia em janeiro, ele está longe de casa”
Assim, pouco antes do recesso de fim de ano, Queiroz e a família
deixaram o Rio, e ele começou a relatar ao MP problemas de saúde. Em 19
de dezembro, já estava em São Paulo para uma consulta — de R$ 700 — com o
urologista e cirurgião Wladimir Alfer Júnior. Atendido no Hospital
Israelita Albert Einstein, na unidade do bairro do Morumbi, na Zona Sul
da cidade, ele ficaria para uma bateria de exames com o médico, que é
pesquisador de urologia pela Harvard Medical School e doutor pela
Universidade de São Paulo.
Nos dias seguintes, Queiroz foi encaminhado ao cirurgião e
gastroenterologista Pedro Custódio de Melo Borges, outro médico
conceituado, que cuidou do ex-jogador Sócrates antes de o ídolo do
Corinthians falecer em 2010. Borges também cobra R$ 700 por consulta.
Diagnosticado com câncer no intestino, Queiroz não foi prestar
esclarecimentos ao MP, mas apareceu para uma entrevista.
A única vez que falou do caso foi para o SBT, em 26 de dezembro, quando
ensaiou uma tentativa de explicar que “fazia rolos”. Disse que os
valores altos de sua conta vinham também de vendas e compras de carros.
Mas tudo que o MP achou em seu nome foram dois carros antigos. Um Ford
Del Rey Belina marrom, modelo 1985-86, e um Voyage preto, modelo
2009-10. Um funcionário antigo da Assembleia Legislativa que sempre o
via pelos corredores e é tido como a “Wikipédia da Alerj” disse que
Queiroz era simpático, mas riu da justificativa. “Nunca ofereceu carro,
não”, contou ele a ÉPOCA.
Queiroz foi internado no Hospital Albert Einstein no dia 30 de dezembro e
lá foi operado para a retirada de um tumor no intestino, no primeiro
dia do ano. Depois, permaneceu internado até o dia 8 de janeiro. Segundo
sua defesa, ele segue em tratamento em São Paulo — tanto que depôs por
escrito, admitindo, por fim, que pegava parte dos salários dos
funcionários para supostamente contratar mais pessoas, fora da Alerj.
Dois meses depois, ainda não apresentou a lista desse “gabinete
estendido”. A família segue com ele fora do Rio e postou fotos,
recentemente, no santuário de Aparecida, em São Paulo. O ex-assessor
disse que os valores em sua conta se referem a salários de outros
membros da família e a ganhos obtidos na informalidade com compra e
venda de veículos e eletrônicos e “todo e qualquer produto que pudesse
lhe garantir uma renda extra”.
No TJ do Rio, existem registros de outros “rolos” de Queiroz. Alguns
reforçam que ele usava parentes como funcionários fantasmas no gabinete
de Flávio Bolsonaro. Em março de 2008, quando Queiroz já trabalhava no
gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro sua atual
companheira, Márcia de Oliveira Aguiar, o denunciou por agressão.
No mês seguinte, ao retirar o pedido de medida protetiva, ela fez uma
declaração de próprio punho. Mesmo lotada como consultora especial para
assuntos parlamentares de Flávio Bolsonaro na Alerj, ela disse que sua
profissão era "cabeleireira". “Declaro que não preciso de proteção
(medida protetiva) e não pretendo continuar com o processo criminal”,
escreveu.
O inquérito foi encerrado em 2010. Nesse período, Queiroz já era
funcionário de Flávio e recebia cerca de R$ 9 mil. Márcia, como
consultora parlamentar, tinha um salário de cerca de R$ 6,5 mil. O casal
permanece junto até hoje e ela própria também é investigada pelo MP em
função do relatório do Coaf.
Queiroz também deixou rastros de “rolos” do tempo em que patrulhava as
ruas do Rio de Janeiro como policial militar. Ele entrou para a PM em
1987 e passou à reserva remunerada no ano passado. Com atuação na região
de Jacarepaguá, ele chegou a receber em 1997 a "gratificação faroeste",
benefício concedido na gestão Marcello Alencar (1995-98) para policiais
que participavam de confrontos com criminosos. No decreto, ainda
soldado, ficou registrado que Queiroz esteve em "ações policiais,
demonstrando alto preparo profissional ao agir com destemida coragem
para alcançar o sucesso das missões".
Um ano depois, porém, outro episódio marcou sua carreira em sentido
oposto. Na sexta-feira 2 de outubro de 1998, Queiroz, então sargento,
fazia um patrulhamento na Cidade de Deus com o colega e também sargento
Fábio Corbiniano de Figueiredo, ambos a serviço do 18º Batalhão de
Polícia Militar de Jacarepaguá. Como em outras ocasiões, a ronda da
manhã terminou com uma prisão, e os dois tiveram de ir registrar um
boletim de ocorrência na 32ª Delegacia de Polícia.
A história contada para o delegado Henrique Sampaio era a seguinte:
Queiroz e Figueiredo estavam no Conjunto Residencial Jardim do Amanhã,
em uma favela denominada Karatê, quando um homem se pôs a correr depois
que os avistou. Assim, os policiais disseram que “o renderam e o
cercaram e a seguir efetuaram a revista, que encontrou nos bolsos droga e
na cintura a arma”. Tratava-se de uma pistola de marca Colt, calibre
.45, com seis cartuchos.
No boletim de ocorrência, os policiais relataram ainda que o homem
detido tinha um saco plástico da cor branca contendo 73 sacolés com um
pó branco e cristalino. Queiroz afirmou ao delegado “que o indiciado
confessou que efetivamente estava com a droga para vender naquele local a
R$ 3 cada sacolé”. Mais: contou que o homem teria admitido a ele e a
seu colega que já tinha cumprido 24 anos de pena por roubo e homicídio,
mas estava em liberdade condicional cumprindo os últimos seis anos.
Durante o momento do registro, o delegado identificou o nome completo do
homem detido por Queiroz e seu parceiro: Jorge Marcelo da Paixão,
conhecido também por “Gim Macaco”. A delegacia chegou a produzir um
"relatório de vida pregressa" na qual descreveu o acusado. O delegado
assinalou com "x" que ele tinha cor "preta", estado civil "solteiro" e
sua religião era "católica". Paixão, tinha 47 anos, era mecânico, mas
estava desempregado. Morava no conjunto habitacional Jardim do Amanhã,
com uma companheira e enteada e sobrevivia de biscates como pedreiro e
mecânico. Defeitos físicos não foram assinalados, apenas um "vício":
fuma cigarros. No campo "estado de ânimo (antes, durante, após)" foi
descrito que "mostrou-se calmo". O preso “se reservou o direito de
prestar as declarações em juízo”. Não negou nem confirmou as acusações.
Os antecedentes criminais de Jorge Marcelo da Paixão, de fato, existem.
No livro Comando Vermelho, a história do crime organizado, o autor
Carlos Amorim, o retrata como soldado da Falange Jacaré, do Comando
Vermelho. Preso por roubo qualificado e homicídio em 1973, ele chegou a
conviver com presos políticos no presídio de Ilha Grande. Nesse período,
não foi incomum encontrá-lo nas páginas policiais de jornais devido a
tentativas de fuga e rebeliões.
Devido ao flagrante, o MP ofereceu denúncia contra Paixão duas semanas
depois da prisão. A 2ª Vara Criminal do Foro Regional de Jacarepaguá
aceitou a acusação e o transformou em réu no dia seguinte. Como estava
em liberdade condicional, Paixão teve de aguardar o julgamento preso na
carceragem da 32ª DP. Só foi colocado na frente de um juiz para dar sua
versão um mês depois da prisão, e a história dele era bastante diferente
da que Queiroz e seu colega haviam contado na delegacia.
Na tarde de 3 de novembro de 1998, Paixão contou à juíza Andrea Fortuna
Teixeira, da 2ª Vara Criminal de Jacarepaguá, que não foi preso na rua.
Pelo contrário, estava na casa de uma vizinha trabalhando como mecânico.
Em 30 minutos, ele disse à magistrada que a “polícia foi ao local e
prendeu o depoente com o objetivo de tirar dinheiro, que os policiais
disseram que, se o depoente não desse R$ 20 mil, seria embuchado”. Disse
mais. Diversas pessoas da comunidade tinham presenciado tudo. Até a
alegada chantagem. Ele admitiu que sua condição de condenado e negou
portar qualquer arma ou droga. Não tinha advogado.
Dias depois, quatro testemunhas de defesa foram ouvidas em juízo e
confirmaram com detalhes o relato de Paixão. Inclusive a dona da casa
onde tudo aconteceu, Dulcelina Arcangela dos Santos. Ela explicou que
tinha acabado de fazer café quando a “polícia bateu na porta e entrou no
barraco, prendendo o acusado dentro da casa da depoente”. Santos contou
não ter presenciado o início da conversa dos policiais com Paixão, mas
ouviu quando ele disse aos policiais: “Não tenho de onde tirar R$ 20
mil”.
Em poucos minutos, toda a vizinhança sabia o que estava acontecendo e a
companheira de Paixão chegou. O vizinho da frente, Raimundo Nonato Alves
da Silva, também ouviu e contou o mesmo no tribunal. “Vi o policial
dizer para o acusado que, já que ele não tinha o dinheiro, ele ‘seria
levado na dura’”, afirmou Silva, em juízo. Edimilton Francisco de Souza,
outro morador da rua, vinha da padaria quando deparou com a confusão na
casa de Santos. Ao se aproximar da aglomeração, “viu que a esposa do
acusado estava muito nervosa, dizia que ele não estava envolvido e que
não tinha dinheiro”. Ele acrescentou que assistiu quando os policiais
disseram “que sem o dinheiro não havia como não levar o acusado”.
A companheira de Paixão, Lucinete Germano de Souza, foi a última
testemunha de defesa. Repetiu que foi chantageada pelos policiais por R$
20 mil e tentou argumentar para que o companheiro não fosse preso, sem
sucesso. “O policial falou que seria a palavra do acusado contra a
palavra do policial”, relatou ela, para a juíza. Queiroz e o sargento
Fábio Corbiniano de Figueiredo mantiveram sua versão da história perante
a juíza. Acrescentaram apenas que não estavam sozinhos. Outros quatro
policiais estavam dentro da viatura quando tudo ocorreu. Eles, porém,
não serviram de testemunha na ocorrência.
Os depoimentos enfureceram a promotoria e viraram o jogo. Ao apresentar
as alegações finais, em 28 de janeiro de 1999, o MP descreveu que a
denúncia dos policiais “foi fortemente atacada” pelas testemunhas.
“Todas elas afirmaram que o acusado foi preso dentro da residência de
Dulcelina Arcangela dos Santos e que os milicianos ainda exigiram certa
quantia em dinheiro para livrarem o denunciado do flagrante”, anotou, à
época, o promotor Felipe Rafael Ibeas. Ao considerar “relevante dúvida”,
o MP não apenas pediu a absolvição do réu, mas também mandou os PMs
serem investigados pela corregedoria, pela Justiça Militar e pela 1ª
Central de Inquéritos por prática de falso testemunho, denunciação
caluniosa e abuso de autoridade.
A mão da juíza foi ainda mais pesada sobre os policiais. Na sentença, a
magistrada questionou por que os outros policiais que estavam na viatura
não foram relacionados como testemunhas. E mais. Fez uma simples conta
matemática para verificar a impossibilidade da história dos 73 sacolés. O
laudo pericial apontou 14 gramas de cloridrato de cocaína no saco
plástico entregue. Se os mesmos fossem divididos em 73 sacolés, restaria
0,19 grama por embalagem. Segundo ela, uma quantidade “ínfima” demais
para ser comercializada desse modo. Assim, pela fragilidade das provas, a
magistrada absolveu o réu, que ficou quase cinco meses preso.
Mas, se o caso se encerrava para Paixão, outro se iniciava para Queiroz e
Figueiredo. O corregedor-geral da PM à época, Francisco de Paula
Araújo, abriu sindicância e concluiu pela “existência de indícios de
crime militar”, o que o fez abrir um inquérito policial-militar (IPM),
que nunca foi concluído. Na ocasião, comandava a PM do Rio, o coronel
Sérgio da Cruz. Só que, nos autos, não consta decisão dele até janeiro
de 2001. Nessa época, o comandante da PM era outro, o coronel Wilton
Soares Ribeiro. O MP resolveu então arquivar o caso à espera da
conclusão do IPM. Procurada, a PM não respondeu porque o inquérito
jamais foi concluído. Jorge Marcelo da Paixão morreu em 21 de dezembro
de 2008 em um tiroteio na Cidade de Deus. Os familiares não quiseram
falar sobre o caso.
Queiroz gozava de confiança e muita autonomia no gabinete de Flávio
Bolsonaro. É descrito como quem produzia os itinerários das agendas do
parlamentar e autorizava ou não os trajetos durante caminhadas e
carreatas. Papel que ele também desempenhou na disputa do Senado de
2018. Em outubro do ano passado, de modo pouco explicado, Queiroz
decidiu passar a reserva remunerada da PM e deixou o cargo que tinha na
Alerj desde 2007. No mesmo dia, a filha Nathália Queiroz, personal
trainer que figurava como assessora de Jair Bolsonaro também foi
exonerada.
Antes disso, ela fora do gabinete de Flávio por quase uma década. Além
dela, outros quatro parentes de Queiroz também conseguiram vagas no
mandato por sua indicação: Márcia de Oliveira Aguiar ( atual mulher),
Evelyn Melo de Queiroz (filha), Evelyn Mayara Gerbatim (enteada) e
Marcio Gerbatim (ex-marido de Márcia). As duas Evelyns saíram apenas em
janeiro, último mês antes de Flávio ir para o Senado. Mas nem elas ou
mesmo os outros funcionários investigados foram vistos cumprindo
expediente na Alerj depois que o caso veio à tona.
Além de seus parentes, outros seis assessores trabalharam no gabinete de
Flávio Bolsonaro por indicação de Queiroz - cinco aparecem no relatório
do Coaf fazendo repasses para ele em dias de pagamento da Alerj.
Como foi o caso de Raimunda Veras Magalhães
, mãe do ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, tido pelo MP do Rio
como o homem-forte do Escritório do Crime, organização suspeita do
assassinato de Marielle Franco. O ex-policial foi alvo de um mandado de
prisão em janeiro, mas segue foragido. Queiroz também empregou no
gabinete Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, mulher de Adriano. O
ex-capitão do Bope chegou até a ser homenageado pelo senador na Alerj.
As investigações caminham devagar desde que o caso começou. Em dezembro,
a Divisão de Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro e à Corrupção
do MP entregou um relatório detalhado sobre Raimunda e Danielle e seu
parentesco com o capitão Adriano. As duas, porém, foram intimadas a
depor, mas não foram ouvidas, como a maioria dos ex-assessores.
Até agora apenas um assessor prestou esclarecimentos. Agostinho Moraes,
que também atuava como segurança e referiu-se a Queiroz como "chefe de
gabinete". Ele negou que devolvesse parte do salário, mas admitiu
entregava R$ 4 mil por mês para fazer um "investimento" e obter ganhos a
partir das compras e vendas de carros que Queiroz, supostamente, fazia.
O MP não informa oficialmente sobre nenhum avanço no caso, mas ÉPOCA
apurou que só em dezembro também o MP avaliou detidamente um segundo
Relatório de Inteligência Financeira (RIF) do Coaf entregue ao MP de
janeiro em 16 de julho. Esse documento foi enviado de modo a
complementar ao primeiro que deflagrou toda a investigação. Neste, o
Coaf identificou uma primeira movimentação atípica do senador Flavio
Bolsonaro (PSL-RJ) entre agosto de 2017 e janeiro de 2018.
Segundo o órgão, os valores movimentados no período se mostraram
incompatíveis com seus vencimentos. No documento, o Coaf apontou uma
movimentação atípica no total de R$ 632,2 mil durante esses seis meses.
No texto encaminhado ao MP do Rio, está descrito “suspeição: nossa
comunicação foi motivada em razão do cliente movimentar recursos
superiores a sua capacidade financeira”.
No período apontado pelo Coaf, a conta de Flávio Bolsonaro recebeu
depósitos no total de R$ 337,5 mil - 39% do montante (R$ 131,5 mil)
refere-se a depósitos de seu salário como parlamentar. Outros R$ 120 mil
foram oriundos de oito transferências eletrônicas de uma empresa de
chocolates da qual o parlamentar é sócio. Assim, somando o que foi
recebido pela sua empresa de chocolates, não fica identificada a origem
de R$ 85,9 mil.
Depois disso é que o MP pediu que o Coaf ampliasse a consulta e
identificou os 48 depósitos fracionados no caixa da Alerj, em sua
maioria no valor de R$ 2 mil, que totalizaram R$ 96 mil, entre junho e
julho de 2017. Esse relatório foi revelado pelo Jornal Nacional em
janeiro. Na ocasião, o senador informou que os depósitos foram feitos
com valores oriundos da venda de um apartamento. "Tentam de uma forma
muito baixa insinuar que a origem desse dinheiro tem a ver com um
ex-assessor meu ou terceiros. Não tem. Explico mais uma vez. Sou
empresário, o que ganho na minha empresa é muito mais do que como
deputado. Não vivo só do salário de deputado", disse Flávio Bolsonaro, à
época.
A defesa de Queiroz disse que o advogado Paulo Klein atua sozinho no
caso. Segundo ele, ainda não surgiu o momento adequado para a entrega da
lista de funcionários que o policial teria contratado ou para que
Márcia de Oliveira Aguiar ou Nathalia Queiroz prestem esclarecimentos.
Aguiar teria se declarado “cabeleireira” porque “o sistema da polícia
civil não tem como opção a figura de assessor parlamentar”. A falta de
crachás das duas na Alerj nunca teria impedido suas atividades. Segundo
nota, Fabrício Queiroz permanece em São Paulo para tratamento médico.