March 9, 2025

Barril de pólvora

 


 

AO CONTRÁRIO DE OUTROS ESCÂNDALOS FABRICADOS, A FARRA DAS EMENDAS TEM TUDO PARA SE CONVERTER NA MAIOR INVESTIGAÇÃO DA HISTÓRI A

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 Em março de 2020, o
empresário Josival
Cavalcanti da Silva,
vulgo Pacovan,
acompanhado de
dois amigos, invadiu
com sua caminhonete
Hilux a garagem de uma casa em São
José de Ribamar, terceira maior cidade
do Maranhão, com 240 mil habitantes.
Deixou um bilhete com seu nome e
seu telefone. Giovani dos Santos Costa,
o caseiro, entregou ao patrão, Eudes
Sampaio, prefeito do município. “Meu
deus, como é que esse cara tá aqui? Na
minha casa! Como ele descobriu onde eu
moro? Eu vou chamar a polícia”, reagiu
Sampaio, conforme relato de uma advogada
e de uma funcionária da prefeitura.
A invasão foi uma tentativa de arrancar
do prefeito 1,6 milhão de reais.


A quantia equivalia a 25% dos 6,6 milhões
de reais em emendas parlamentares
destinadas a São José de Ribamar, entre
dezembro de 20219 e abril de 2020,
por três deputados federais do PL: Josimar
do Maranhãozinho e Pastor Gil, ambos
do estado, e Bosco Costa, de Sergipe.
Pacovan cobrava a propina em nome do
trio. Dois meses antes da invasão da garagem,
o empresário tinha estado com
Sampaio na prefeitura, acompanhado de
outro político, Antonio José Rocha Silva,
que depois confirmaria à Polícia Federal
a reunião. Pacovan achava que o prefeito
não queria pagar a propina, pois outro
grupo político, que não aquele de Josimar
e associados, teria tentado convencer
Sampaio de que era o verdadeiro padrinho
das emendas. “Quero desmascarar
esse cara que tá dizendo que é dele (a verba
das emendas). Ele vai pegar uma bala
na cara. Esse vagabundo. Eu fiquei ontem
até meia-noite lá com o prefeito. Lá
no Ribamar. Entendeu?”, disse Pacovan
a Josimar via celular em 30 de janeiro de
2020. “Não posso ir na casa dele (Sampaio).
É perigoso, pois pode ter câmeras
para nos filmar… Não podemos ir em escritório
dele”, respondeu o deputado.
Sampaio denunciou a extorsão à PF
naquele ano. Agora, os três parlamentares
estão prestes a se tornar réus por corrupção
passiva e organização criminosa.


No julgamento iniciado em 28 de fevereiro
e previsto para terminar na próxima
terça-feira 11, dois dos cinco juízes da
Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal votaram para acatar a denúncia
da Procuradoria-Geral da República.
Pacovan escapou por estar no cemitério.
Foi assassinado à bala em junho de
2024, e a suspeita é que tenha sido justamente
por dívida não paga. Josimar, Gil
e Costa serão os primeiros réus no que
tem sido classificado como o maior caso
de corrupção da história do País.
Assim gente graúda em Brasília vê o esquema
das emendas parlamentares, em
especial no formato “orçamento secreto”.


O magistrado Flávio Dino, do Supremo,
usa palavras superlativas em decisões
contrárias à farra das emendas. “É de clareza
solar que jamais houve tamanho desarranjo
institucional com tanto dinheiro
público em tão poucos anos. Com efeito,
somadas as emendas parlamentares entre
2019 e 2024, chegamos ao montante
pago de R$ 186,3 bilhões de reais”, escreveu
em 2 de dezembro do ano passado, ao
impor restrições à liberação dos recursos.


No período citado por Dino havia 190
bilhões de reais previstos em lei para
emendas. Do total, 186 bilhões foram empenhados,
primeira etapa de um gasto público,
e 158 bilhões, efetivamente pagos,
conforme um site do Senado, o Siga. Um
terço dos valores correspondeu a emendas
RP 9, o orçamento secreto puro-sangue, e
RP 8, utilizadas para driblar o fim do segredo
decretado pelo STF em 2022. “Temos
a gravíssima situação em que bilhões

de reais do orçamento da Nação tiveram
origem e destino incertos e não sabidos,
na medida em que tais informações, até
o momento, estão indisponíveis no Portal
da Transparência ou instrumentos equivalentes”,
anotou Dino em 2 de dezembro.


Naquela decisão, o juiz destacou haver
“malas de dinheiro sendo apreendidas em
aviões, cofres, armários ou jogadas por janelas,
em face de seguidas operações policiais
e do Ministério Público”. São esquemas
que não envolvem apenas congressistas.
Uma rede de lobistas, empresários
e servidores públicos chafurda na lama.


Investigar os malfeitos com verbas
de emendas é “prioridade” da PF
e há uma “equipe forte” para o caso,
relata um delegado, que acrescenta:
haverá muitas operações
de rua nos próximos meses. Ele estima
haver entre 15 e 20 investigações em curso
– cada uma pode ter mais de um congressista
envolvido – e fareja um escândalo
de proporções inéditas no País, embora
a mídia ainda não tenha enxergado o
tamanho da encrenca. Segundo esse policial,
a PF quer descobrir como foi montado
o esqueleto das emendas e do orçamento
secreto e quem são os personagens
políticos principais da tramoia, ou
seja, os cabeças. Quer dizer, aquele acordo
entre governo e Congresso, validado
por Dino em 26 de fevereiro, para o retorno
das liberações de recursos pode até
ter deixado muita gente aliviada, mas por
pura precipitação ou autoengano.


Um inquérito policial aberto em dezembro
desnuda o interesse da PF em chegar
às vísceras do esquema. É a impressão
do deputado Glauber Braga, do PSOL do
Rio de Janeiro, ouvido na investigação em
fevereiro pelo delegado Marco Bontempo.


A apuração começou por ordem de Dino,
diante de fatos levados ao conhecimento
do Supremo pelo PSOL e Novo. Em 12
de dezembro de 2024, Arthur Lira, então
presidente da Câmara, fechou todas as
comissões temáticas sob o argumento de
que os deputados tinham de se dedicar ao
pacote governista de controle de gastos.


No mesmo dia, 17 líderes partidários enviaram
ao Palácio do Planalto, por obra de
Lira, um ofício sigiloso. Diziam ratificar
que as comissões temáticas tinham aprovado
4,2 bilhões de reais para 5.449 emendas
e tomado a decisão com base em critérios
estabelecidos pelo Supremo. O PSOL
e o Novo alegam que o ofício foi uma farsa
inventada para materializar a vontade
e o poder de Lira e levaram o caso ao STF.
A desconfiança é reforçada por uma denúncia
feita em novembro pelo veterano
deputado Zé Rocha, do União Brasil da
Bahia. Rocha, com mandato desde 1995,
era presidente da Comissão de Desenvolvimento
Regional. Declarou à revista
Piauí que Lira mandava a lista de emendas
que a comissão deveria aprovar e que
quem não a aceitasse seria destituído do
cargo. O parlamentar prestou depoimento
à PF em fevereiro e confirmou o que havia
dito. Braga depôs também por duas vezes.
Na segunda, para reafirmar o relato da
primeira sobre uma cidade na terra de
Lira, Rio Largo. Nessas ocasiões, o psolista
ficou com a impressão de que a PF
quer fazer a autópsia do esquema.


Rio Largo é a terceira maior cidade de
Alagoas, com 93 mil habitantes, daí sua
importância política. De 2019 a 2022, tempos
de Jair Bolsonaro, recebeu 90 milhões
de reais em emendas, dos quais 19 milhões
carimbados com o nome de Lira. O resto,
70 milhões, não tem digitais, segundo Braga,
por causa do orçamento secreto então
vigente. O psolista contou à PF ter descoberto
que a cidade foi a mais agraciada
com o dinheiro daquele pacote de 4,2 bilhões
de reais. A quantia, segundo ele, foi
direcionada pela Comissão de Turismo da
Câmara. Em 2024, não havia nenhum ala-
goano na comissão. Conclusão: o envio dos
19 milhões tinha sido uma ordem de Lira.


Para Braga, Rio Largo não tem importância
apenas política para Lira. Teria financeira
também. O prefeito entre 2017 e
2024 era Gilberto Gonçalves, aliado e correligionário
de Lira no PP. Seu sucessor
também é pepista. Na véspera de Lira deixar
o comando da Câmara, em 31 de janeiro
passado, Gonçalves publicou nas redes
sociais uma foto de ambos abraçados. Faz
sentido. Seu prontuário criminal é recheado,
e Lira estrela uma das histórias. Na
primeira vez que foi em cana, o deputado
foi junto. Era 2007, período de uma investigação
da PF sobre desvio de verba da Assembleia
Legislativa alagoana. Os dois tinham
sido parlamentares estaduais pelo
PMN entre 2003 e 2006, período investigado
pela Operação Taturana. Durante as
apurações, a polícia gravara um telefonema
de Gonçalves para um funcionário da
área de recursos humanos da Assembleia:
“Quero meu dinheiro. E não venha com
desconto de INSS, não, porque isso é dinheiro
roubado”. Lira foi condenado em
duas instâncias e só não se tornou ficha-
-suja graças a uma liminar de 2018 do Superior
Tribunal de Justiça. Gonçalves foi
preso mais três vezes. Em 2010, por ameaçar
de morte um funcionário que o havia
denunciado à Justiça trabalhista. Em
2014, por facilitar a fuga de um motorista
acusado de crime eleitoral. E em 2022,
em uma investigação da PF sobre dinheiro
recolhido em um beco na cidade de Rio
Largo e levado à prefeitura. Nome da operação:
“Beco da Pecúnia”.

Lira tirou proveito político das emendas
em geral e do orçamento secreto em
particular ao se tornar presidente da Câmara
em 2021, mas não participou da arquitetura
legal que fez explodir a verba
para dotações parlamentares de 9 bilhões
de reais em 2015 para 47 bilhões
em 2024. O desenho foi levado adiante
entre 2015 e 2019. Primeiro por Eduardo
Cunha, presidente da Câmara de 2015
a 2016. Depois, por Davi Alcolumbre, comandante
do Senado em 2019 e 2020 e de
volta ao posto por mais dois anos.
Há pistas de que o governo
Bolsonaro se valeu dessa
arquitetura para angariar
apoio no Congresso.


E o motivo chama-se
Eduardo Gomes, atual vice-presidente
do Senado. Gomes é do PL de Tocantins.
A PF esbarrou no nome dele ao investigar
Josimar Maranhãozinho. Numa operação
batizada de “emendário”, apreendeu o celular
de um assessor de Maranhãozinho
na Câmara, Carlos Roberto Lopes. No
aparelho havia conversas de Lopes, em
2022, com um contato identificado como
“Lizoel assessor”. Lizoel Bezerra foi motorista
na campanha de Gomes ao Senado.

1,3 milhão de reais. Numa delas, encaminhou
a foto de uma conversa escrita com
o senador. “O cara mandou?”, perguntava
Gomes a Lizoel. Para a PF, “mandou”
refere-se a dinheiro. O encontro fortuito
de pistas levou o delegado Roberto Santos
Costa a informar à Procuradoria-Geral.
Não se sabe se o órgão tomou providências
em relação ao senador.


Gomes foi líder do governo Bolsonaro
no Congresso de outubro de 2019 a dezembro
de 2022. É uma função na qual
há muita negociação baseada em dinheiro
do orçamento. Seis dias depois de o senador
assumir a liderança, a área do Palácio
do Planalto responsável à época
por lidar com o Congresso, a Secretaria
de Governo, contratou uma funcionária
chamada Cristiane Leal Sampaio. Em junho
de 2020, Cristiane foi trabalhar com
Gomes na liderança. Nas investigações
sobre o deputado Maranhãozinho, a PF
descobriu um depósito de 5 mil reais na
conta da funcionária, realizado em março
de 2022 por um empreiteiro maranhense,
Eduardo José Barros Costa, o
Eduardo DP, sócio oculto de uma empresa,
a Construservice, metida em estripulias
com dinheiro de emendas na estatal
Codevasf. Cristiane trabalha desde agosto
de 2023 no Ministério do Turismo.


Oministro das Comunicações,
Juscelino Filho,
também é candidato a virar
réu no Supremo por
suspeita de aprontar com
emendas no governo Bolsonaro. Ele é
deputado pelo Maranhão desde 2015.
Pertence ao União Brasil. Em junho do
ano passado, a PF concluiu uma investigação
sobre verbas enviadas ao município
de Vitorino Freire. Na condição de
deputado, Juscelino Filho separou recursos
para a estatal Codevasf financiar
a obra. A prefeita da cidade era sua irmã,
Luanna Rezende. A empreiteira da obra
foi a Construservice. O montante teria
saído de Brasília via Codevasf, chegado a
Vitorino Freire e uma parte ido parar no
bolso da família do atual ministro, conforme
a PF. Em setembro de 2023, ele foi
alvo de uma operação, a Benesse, que provocou
o afastamento temporário de sua
irmã da prefeitura e o bloqueio de 835 mil
reais da família. Os investigadores apontam
crimes de corrupção passiva, lavagem
de dinheiro e formação de quadrilha.
Só a Procuradoria tem, no entanto,
licença para acusar Juscelino Filho ao
Supremo. Até agora, não se sabe a posição
de Paulo Gonet.


O partido do ministro é protagonista de
um dos mais vistosos casos de corrupção
com emendas na mira da PF. Em dezembro,
a polícia realizou a Operação Overclean,
que apura fraudes no Departamento Nacional
de Obras Contra a Seca, o Dnocs,
na Bahia. Na semana anterior à batida,

os federais haviam monitorado um voo
de Salvador a Brasília com o empresário
Alex Parente, o ex-chefe do departamento
no estado Lucas Lobão, e 1,5 milhão de reais.


Os dois deram versões conflitantes para
a bolada. Parente alegou que ela provinha
de vendas de equipamentos, enquanto
Lobão afirmou desconhecer a existência
da grana. A operação atingiu por tabela
o atual segundo-vice-presidente da Câmara,
Elmar Nascimento, do União Brasil
da Bahia. Os agentes encontraram no cofre
de outro investigado, o empresário Marcos
Moura, conhecido como o Rei do Lixo, um
contrato de venda de imóvel a Nascimento.
Por isso, o caso acabou remetido ao Supremo.
Está aos cuidados do juiz Kassio
Nunes Marques, indicado por Bolsonaro.


AOverclean foi a última operação
da PF a vasculhar o
tema em 2024. A primeira
de 2025 chamou-se
“Emenda Fast” e atingiu
o gabinete do deputado gaúcho Afonso
Motta, do PDT. Em 13 de fevereiro, o chefe
de gabinete de Motta, Lino Rogério da
Silva Furtado, foi afastado do cargo e alvo
de buscas, com autorização de Dino. O
congressista demitiu-o dias depois. A polícia
chegou a Furtado ao botar lupa em
um lobista, Cliver André Fiegenbaum.
A maior parte da papelada do caso está
sob sigilo, por isso não se sabe o motivo
de a PF estar no encalço de Fiegenbaum.


O fato é que foi encontrada no celular
do lobista uma espécie de planilha
com três notas fiscais de pagamentos
recebidos de um hospital no Rio Grande
do Sul, o Ana Nery, “referente a captação
de recursos através de indicações
de emendas”. As notas, que vão de julho
de 2023 a fevereiro de 2024, somam 509
mil reais. A PF achou ainda conversas de
Fiegenbaum com Furtado sobre o pagamento
do primeiro ao segundo. A suspeita
é de que Fiegenbaum conseguiu
de Furtado a liberação de emenda para
o hospital. A PF identificou 1,07 milhão
de reais de dotações de Motta para
o hospital entre novembro de 2023
e janeiro de 2024. Falta saber se o deputado
estava a par da negociação de
seu assessor e se embolsou grana também,
algo a ser respondido com o aprofundamento
da investigação policial.


O caso que resvala em Motta é curioso.
Há uma espécie de “contrato de propina”
entre o lobista Fiegenbaum e o hospital.
Pelo acordo, Fiegenbaum embolsaria
6% do valor total de emendas obtidas
para o Ana Nery. No Ceará, também aparece
um porcentual: 15%. O responsável
pela liberação é o deputado Júnior Mano,
eleito em 2022 pelo PL e desde 2024 filiado
ao PSB. Emendas providenciadas por
Mano teriam virado caixa 2 e compra de
votos na eleição municipal do ano passado.
Foi o que denunciou, em setembro,
ao Ministério Público, a então prefeita
de Canindé, Rozário Ximenes. Segundo
o depoimento, recursos de emendas do
deputado direcionadas a algumas cidades
teriam sido desviados via licitações
fraudulentas, em um porcentual de 15%.
O dinheiro surrupiado teria financiado
campanhas de prefeitos, como a do candidato
da oposição ao grupo de Rozário
em Canindé. O operador do esquema seria
Bebeto Queiroz, eleito em Choró, filiado
ao PSB e aliado de Mano. E teria,
conforme a prefeita, 58 milhões para financiar
“colaboradores” em 51 das 158
cidades no estado.


A PF fez duas batidas para apurar a
denúncia de Rozário, uma em outubro,
a Mercado Clauso, outra em dezembro,
a Vis Oculta. Entre uma e outra, Queiroz
foi preso em caráter temporário. Depois
de solto, teve a prisão preventiva decretada
pela Justiça, mas fugiu. Nem ele nem
seu vice, Bruno Jucá Bandeira, tomaram
posse em Choró em 1º de janeiro. A cidade
tem sido governada pelo presidente da
Câmara de Vereadores. Em 14 de fevereiro,
o caso virou assunto do Supremo, por
decisão do juiz Gilmar Mendes. Motivo: a
participação do deputado Mano.


O esquema das emendas promete, de fato,
muitas emoções em 2025. E guarde um
nome, leitor: João Batista Magalhães. É lobista
e trabalhou com Gomes na liderança
do governo Bolsonaro no Congresso. •

CARTA CAPITAL

March 8, 2025

Folia S.A.

 

 

Os megablocos de celebridades dominam a paisagem, enquanto os responsáveis pela retomada do Carnaval de rua saem de cena


POR MAURÍCIO THUSWOHL 

Cantada em prosa, verso e teses
acadêmicas, a retomada
do Carnaval de rua no
Rio de Janeiro, símbolo da
redemocratização do País,
comemora dois importantes marcos em
2025. Lá se vão 40 anos da criação de blocos
carnavalescos emblemáticos, como
o Simpatia É Quase Amor, Suvaco do
Cristo e Barbas, entre outros, e 30 anos
do Carnaval que marcou a volta dos blocos
de rua ao posto de principal manifestação
popular carioca. As datas redondas
deveriam ser um convite à festa, mas
o cenário de crescente privatização do
Carnaval, com o predomínio de grandes
marcas e celebridades, aliado ao anúncio
do fim das atividades de agremiações
que habitam o coração do folião, faz com
que diversos representantes do setor
anunciem o fim de uma era.


A sensação de fim de ciclo aumentou
quando o quarentão Suvaco do Cristo
anunciou que encerrará as atividades
em 2026. Na sequência, o Imprensa Que
Eu Gamo, bloco criado por jornalistas há
exatos 30 carnavais, anunciou que faz este
ano seu último desfile. Para tristeza
dos cariocas, ambos engrossam um grupo
composto de outros nomes de muita
tradição, como o Escravos da Mauá, fundado
há 33 anos e que encerrou suas atividades
em 2022, e o Bloco de Segunda,
outro trintão, que no Carnaval de 2023
pendurou os tamborins.


As razões que levam ao fim de blocos
tradicionais e a maneira como o espaço
deixado por eles está sendo ocupado causam
apreensão. Nos últimos anos, a ascensão
dos chamados megablocos, eventos
que mobilizam dezenas de milhares
de pessoas, concentrou os investimentos
das principais marcas e empresas
nessa modalidade de desfile geralmente
capitaneada por cantores pop ou outras
celebridades. A onda começou em
2009 com o Bloco da Preta, da cantora
Preta Gil, e hoje há megablocos comandados
por Ludmila, Anitta, Pabllo Vittar,
Lexa e Juliette, entre outros.
Para piorar, uma novidade do Carnaval
carioca de 2025 são os blocos que levam
o nome de empresas ou têm seus
desfiles vinculados a ações de marketing.
Isso foi possível depois que a prefeitura

publicou uma norma que permite a outras
empresas, que não as mantenedoras
oficias do Carnaval do Rio, fazer contratos
de patrocínio com os blocos. Com isso,
o leque de “foliões” do mercado inclui
marcas de bebidas, redes de farmácias,
lojas de departamento, aplicativos de entrega
e até mesmo uma casa de criptomoedas.


As ações têm gosto duvidoso, como
a da loja de roupas que convida os integrantes
do bloco a comprar suas fantasias
na hora do desfile ou a da marca de
supercola que anuncia um bloco de fantasias
coladas, sem nenhuma costura.


“O dinheiro fala mais alto desde que a
prefeitura implantou esse novo modelo
de Carnaval em 2009, com a criação de
uma série de regras. O Poder Público passou
a entender os blocos de rua não como
uma manifestação espontânea, mas como
um grande e lucrativo evento”, observa
Tiago Ribeiro, pesquisador do Carnaval
e autor do livro Os Blocos do Carnaval
Carioca (Ed. Multifoco). Hoje, para serem
considerados oficiais, os blocos precisam
cadastrar-se seis meses antes do
Carnaval e atender a uma série de exigências
impostas por Corpo de Bombeiros,
Defesa Civil e Polícia Militar: “Gasta-se
muito dinheiro e a burocracia é enorme.
Os blocos que se cadastram junto à prefeitura
precisam tornar-se empresas para
lidar com todas essas questões”.


Presidente da Associação Independente
dos Blocos de Carnaval de Rua do Rio de
Janeiro (Sebastiana), a também pesquisadora
do Carnaval Rita Fernandes afirma
que a realidade foi mudando à medida que
a mídia descobriu os blocos, especialmente
após a entrada da TV Globo na folia: “Na

 época, foi interessante para a Sebastiana
fazer aquela parceria, porque o Carnaval
estava muito atrelado ao xixi, ao lixo. Precisávamos
mudar essa narrativa e mostrar
que o Carnaval trazia benefícios para a cidade
em termos de economia criativa e geração
de emprego e renda. Era uma pauta
que a gente queria, porque as associações
de moradores estavam se organizando
contra o Carnaval”. A cobertura de mídia
despertou o interesse de artistas, que
entenderam que o bloco era uma plataforma
comercial de marketing para alavancar
carreiras, e das empresas interessadas
em divulgar suas marcas e produtos:
“Uma coisa foi alimentando a outra”.


O cenário atual, diz Fernandes, é de
crescimento exagerado e perda da autenticidade.


“Tudo começou a se perder
quando cresceu demais. Vieram os
carnavais de São Paulo, Belo Horizonte,
de Brasília, todos no rastro do Carnaval
de rua do Rio. Hoje está desse jeito, com
marcas para tudo quanto é lado, produtoras
criando blocos, não é mais aquela
criação espontânea de grupos de amigos
que se encontram no botequim e resolvem
botar um bloco na rua.” A presidente
da Sebastiana avalia que vivemos o fim
das manifestações de rua como as conhecemos
nas últimas décadas: “Ter blocos
criados nas produtoras não é Carnaval.
Deixa de ser quando uma marca se apropria
completamente de uma tradição que
deveria ser espontânea e popular”.


Outra constatação é a mudança do
perfil do folião dos blocos, com o carioca
dando lugar aos turistas. Segundo a
Riotur, empresa municipal de turismo,
neste Carnaval são aguardados na cidade
até 10 milhões de turistas, dos quais 6
milhões afirmam querer participar diretamente
da folia. Ao considerar apenas o
calendário oficial da prefeitura, serão 482
desfiles de blocos, 29 a mais que no ano
passado, divididos por 37 dias em praticamente
todos os bairros da cidade.


O ambiente político no Rio também está
muito diferente daquele que marcou a
retomada dos blocos de rua: “Naquela ocasião,
era uma saudação da espontaneidade
e também como uma resposta ao fim
da ditadura e do período de restrição de
atividades ao ar livre, dos direitos de coletividade.


Os blocos surgem nesse espírito
pós-ditadura”, ressalta Ribeiro. O especialista
contesta ainda o conceito de retomada:

“Não houve exatamente uma retomada,
mas sim uma mudança profunda na
forma de encarar os blocos de rua. Isso se
deveu ao surgimento de alguns blocos na
Zona Sul que contavam com a participação
de importantes intelectuais do período,
que chamaram a atenção da imprensa
pelo seu formato, que se caracterizava pela
abolição do uso da corda que separava
a banda dos foliões, pela criação de sambas
próprios e pelo utilização de camisetas
temáticas, de uso não obrigatório, assinadas
por artistas plásticos renomados”.

Fundador do Barbas, Sérgio Henrique
Alvarez, o Tchecha, relembra o movimento
surgido há 40 anos: “No rastro do fim da
ditadura, começaram a surgir vários blocos:
Imprensa, Suvaco, Simpatia, Barbas,
Meu Bem e Carmelitas, entre outros. Todos
os dirigentes desses blocos cresceram
sob o peso do regime militar e eram progressistas.


O Carnaval de rua no Rio era
quase inexistente e, com o ambiente político
aliviado, as pessoas começaram a
se mobilizar para criar blocos. Acho que
o Simpatia foi o primeiro”. Nessas agremiações,
a tradição progressista se mantém:
o tema do Simpatia em 2025 é “Carnaval
Sem Anistia!”, e o do Barbas é “Jogando
a Pipa em Cima do Golpe Tabajara”.
Tchecha atribui o fim de blocos que
marcaram a retomada a diversos fatores:
“Nos últimos anos, a burocracia exigida
para os blocos aumentou muito. As pessoas
foram envelhecendo e aqueles blocos
que não criaram sucessores na direção
começaram a parar de sair”. Hoje, o
Barbas sobrevive com o que recebe através
da Sebastiana e complementa com a

venda de camisas. “Mas isso não gera o
suficiente para as necessidades. O problema
é que o aumento do número de
blocos faz com que os custos com carro
de som, músicos da bateria e segurança
também aumentem a cada ano.”


Não é só a Sebastiana que organiza os
blocos do Rio. Nos últimos anos, outras
associações, como a Coreto e a Desliga, representam
o polo que se opõe às regras
impostas pela prefeitura e aos rumos que
vem tomando o Carnaval carioca. Um dos
que estão na linha de frente da “resistência”,
como se define esse setor, é o agitador
cultural e mestre de bateria Sérgio Monteiro,
também, conhecido como Mestre
Serginho. Morador do Méier, tradicional
bairro da Zona Norte carioca, ele tem se
dedicado a colaborar na construção de
duas novas agremiações criadas no ano
passado: o La Belle Bloco, formado por
músicos e poetas, e o Lança-Perfume, em
homenagem à cantora Rita Lee: “Faço oficinas
todos os sábados, as pessoas chegam
sem saber segurar o instrumento e saem
tocando. A gente toca funk, forró, marchinha,
ijexá, maculelê, ciranda. Fazemos

Carnaval é do povo, e resistimos à privatização
neoliberal do espaço público”.


Monteiro afirma que o atual processo
de mercantilização e privatização dos blocos
“traz segregação social ao povo periférico,
de favela, preto e pobre”. Ele diz que
o movimento de resistência visa “garantir
ao folião que não tem dinheiro o direito
de poder brincar na rua, ao músico de
poder levar sua arte, ao ambulante de poder
vender sua água, sua cerveja”. E ressalta
que, mesmo com a constante repressão
da prefeitura, a existência dos blocos
ditos clandestinos é amparada pela lei:
“Se o bloco não tiver autorização, a guarda
vem para tirar, apesar do artigo 5º da
Constituição Federal, que garante o direito
de manifestação cultural espontânea.


A única coisa que precisamos legalmente
fazer é dar um aviso prévio, não fechar a
rua, não passar das 22 horas, coisas assim.
Isso está também no artigo 23 da Constituição
do Estado do Rio de Janeiro”.


Rita Fernandes afirma não ver no curto
prazo o surgimento de outro modelo de
financiamento do Carnaval de rua: “Eu
acho que só mudará essa tendência quando
o Carnaval ficar tão comercial, a ponto
de perder o interesse e a naturalidade”. Ela
avalia que isso já começa a acontecer no
Rio: “O carioca não adere muito a esse modelo,
mas é difícil fazer uma previsão. Já tivemos
muitos modelos que foram se alternando
pelas próprias mudanças orgânicas
da sociedade, da política, do mercado, das
marcas. O Carnaval vai se modificando,
então nada é para sempre”. A presidente
da Sebastiana faz, porém, um alerta: “Se
não encontrarmos um modelo e não firmarmos
pé na posição de que precisamos
manter nossas tradições, nossas cores e
nosso fazer, vamos deixar o mercado engolir
a todos e matar o Carnaval de rua”.•

 CARTA CAPITAL

Dispense as flores

 

 


Diante do avanço do movimento conservador das tradwives, precisamos resgatar o sentido original do Dia da Mulher


POR GABRIELA MOCH SCHMIDT

Nosso 8 de março já não tem
o mesmo significado daquele
mobilizado por mulheres
que lutavam por
uma sociedade mais justa
no início do século passado. Hoje, flores,
bombons e parabéns, aliados a mensagens
que ressaltam nossa feminilidade ou elogiam
nossa “força”, predominam os discursos
que rodeiam essa data. Parece que
utilizar o Dia Internacional da Mulher para
falar sobre equiparação salarial, reivindicar
creches para todas as crianças ou
discutir direitos reprodutivos caiu em desuso.


O feminismo – e aqui excluímos o
“feminismo” liberal, porque entendemos
que um feminismo que atende uma parcela
tão pequena das mulheres não é verdadeiramente
feminista – virou démodé.
Na moda estão as tradwives. Impulsionadas
pela onda conservadora e fascista
que cresce ao redor do mundo, as esposas
tradicionais abandonam suas carreiras
para servir à família. Nos moldes da
moral cristã, elas são submissas a seus
companheiros provedores e devem permanecer
em casa: seu papel é limpar, cozinhar
e cuidar dos filhos e do marido,
entre outras atividades domésticas. Tudo
isso, claro, sem perder a “beleza” – segundo
os parâmetros da estética da mulher
branca e de classe média dos EUA
dos anos 1950. O movimento, muito forte
nas redes sociais, nos alerta sobre o modo
como a crescente onda ultraconservadora
deseja que as mulheres ajam.


Há, portanto, uma disputa em torno
do signo “mulher”. De um lado estamos
nós, a propor que ser mulher é resultado
de um processo socio-histórico. Do outro
lado estão eles, que consideram a mulher
como inerentemente submissa, sensível e
cuidadosa. Da mesma forma, disputam-se
os significados em torno do Dia Internacional
da Mulher. Nessa disputa, os grupos
dominantes apagam o histórico de
luta por direitos. Ora, se não podem extinguir
a data, oficializada pela ONU em
1975, podem alterar seu significado. E o
8 de março transformou-se em um bom
dia para presentear as mulheres, exaltando
sua essência “feminina” e, ao mesmo
tempo, “guerreira”. A luta feminista aca-

bou sendo reduzida a uma mercadoria.


Com isso, tentam apagar a origem operária
da data. Não devemos nos esquecer,
porém, da grande passeata das mulheres
em 26 de fevereiro de 1909, em Nova York,
na qual cerca de 15 mil mulheres saíram
às ruas em busca de melhores condições
de trabalho. Ou da alemã Clara Zetkin,
que propôs, durante o II Congresso Internacional
de Mulheres Socialistas, em
1910, a criação de um Dia Internacional
da Mulher e de uma jornada de manifestações
sindicais e socialistas dedicadas
aos direitos das mulheres. Ou, ainda, das
operárias russas que, em 23 de fevereiro
de 1917, pelo antigo calendário russo – ou
8 de março de 1917, pelo calendário gregoriano
– saíram às ruas para protestar
contra a fome e contra a Primeira Guerra
Mundial. A data foi adotada pelos soviéticos
como o Dia da Mulher Heroica
e Trabalhadora, o que foi seguido posteriormente
por diversos países.


É a partir de todos esses movimentos
sociais, liderados por mulheres que
lutavam por melhores condições,
sobretudo trabalhistas, que o 8 de março
se consolida como o Dia Internacional
das Mulheres. Apesar de o movimento
ter iniciado há mais de um século e de
ter sido oficializado há 50 anos, ainda
não superamos algumas daquelas
reivindicações e vivemos em uma
sociedade profundamente desigual.


De acordo com o 2º Relatório de
Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios,
divulgado pelo Ministério
do Trabalho e Emprego em 2024, as
mulheres ainda recebem 20,7% a menos
que os homens em empresas com cem ou
mais empregados. A disparidade é ainda
mais acentuada quando acrescentamos o
critério racial: mulheres negras têm um
salário médio 50,2% inferior ao salário de
homens não negros. A igualdade salarial,
vale lembrar, é prevista pela CLT desde

1943, mas as empresas não a cumprem.


Além da remuneração salarial desigual,
há o acúmulo da dupla jornada de
trabalho que recai sobre as mulheres.
Conforme pesquisa da Infojobs realizada
em 2024, 83% das mulheres acumulam a
jornada de trabalho remunerado com as
tarefas domésticas, e quase metade delas
(45%) não recebe ajuda do parceiro ou
da rede de apoio. As novas tradwives estão
aí para nos lembrar de que o cuidado
doméstico não é visto como um trabalho,
mas como uma “predestinação” feminina.
Para piorar, 70% das participantes declararam
ter perdido a oportunidade de
emprego devido ao gênero.


Outro dado que podemos incluir nessa
lista é o do assédio no ambiente de trabalho.
Um estudo conduzido pela consultoria
Deloitte no ano passado mostrou
que uma em cada quatro mulheres
já sofreu assédio durante o atendime

to a clientes ou consumidores, além dos
assédios cometidos pelos próprios colegas
de trabalho. Em resumo, mais dificuldades
para conseguir emprego, salário
menor, jornada de trabalho maior e
ambiente inseguro.


É com um olhar para a nossa história
combativa e outro para nossas reivindicações
atuais que precisamos urgentemente
resgatar o Dia Internacional das
Mulheres como um dia de luta pelos direitos
das trabalhadoras – e aqui incluímos
não apenas aquelas que trabalham
fora, mas também as que cuidam da casa.
O discurso do “não nos dê flores, nos
dê respeito” pode até parecer batido ou
mesmo clichê, mas vem perdendo força
em uma sociedade que caminha para o
ultraconservadorismo de direita.


Nesse sentido, apesar de nos parecer
óbvia a razão de existir do Dia Internacional
das Mulheres, não há consenso em
relação a esse tema. Numa sociedade cor-

rompida pelo conservadorismo cristão
e pela ascensão do fascismo, é cada vez
mais necessário combater concepções
reacionárias sobre o papel da mulher em
nossa sociedade. Além de disputarmos os
discursos, também precisamos ocupar
espaços. Há, no Brasil e no mundo, passeatas
e manifestações no dia 8 de março,
assim como coletivos e movimentos que
se organizam para combater o patriarcalismo
e lutar por igualdade durante todo
o resto do ano. Este é um convite para todas
e todos que acreditam em um mundo
mais justo: a hora é agora! •


*Gabriela Moch Schmidt é licenciada em Letras
e mestra em Linguística Aplicada pela UFRGS.
Atualmente, é professora na rede municipal de

Canoas (RS) e integrante do Instituto Cultiva. 

 

CARTA CAPITAL 


February 28, 2025

Trump e Zelenski batem boca, cancelam entrevista e ucraniano deixa a Casa Branca

A imagem mostra dois homens sentados em um ambiente formal. À esquerda, um homem com cabelo curto e barba, vestindo uma camiseta preta, está gesticulando com a mão esquerda. À direita, um homem com cabelo grisalho, usando um terno azul e uma gravata vermelha, está apontando com o dedo indicador. Ao fundo, há uma lareira e detalhes arquitetônicos na parede.
 

 IGOR GIELOW

Em uma cena nunca vista em público no Salão Oval da Casa Branca, Donald Trump e Volodimir Zelenski bateram boca sobre os rumos da Guerra da Ucrânia, levando o visitante a deixar o encontro sem a prevista entrevista coletiva.

"Ele pode voltar quando estiver pronto para a paz", escreveu na rede Truth Social Trump enquanto Zelenski ainda estava na sede do governo, onde ficou apenas 2h20min nesta sexta (28). Segundo funcionários da Casa Branca vazaram à imprensa americana, Trump ordenou a saída do colega.

Ao vivo, o americano ameaçou o ucraniano, dizendo que os EUA "estarão fora" se ele não aceitar uma trégua com Vladimir Putin, que invadiu o vizinho há três anos.

O encontro foi um desastre de grandes proporções para Kiev, e jogou fora o esforço de líderes europeus de aproximar os presidentes, nove dias depois de Trump ter chamado Zelenski de ditador. O republicano, por sua vez, corroborou sua posição de alinhamento à visão de Putin sobre o conflito.

Zelenski chegou com sangue nos olhos ao começo do encontro, que foi aberto à imprensa. "Você disse que chega de guerra. Eu acho que é muito importante dizer essas palavras para Putin lá no começo, porque ele é um assassino e um terrorista", disparou Zelenski em sua introdução.

"Eu sou a favor da Ucrânia e da Rússia", disse um assustado Trump, que depois foi ao ataque, dizendo que Zelenski estava "jogando com a Terceira Guerra Mundial" ao buscar opor os EUA e o Ocidente à Rússia. "O que você está dizendo é desrespeitoso com esse país", afirmou, com dedo em riste.

A temperatura subiu ainda mais com a intervenção do vice de Trump, J.D. Vance, que cobrou o visitante: "Você já disse obrigado?". "Eu acho desrespeitoso você vir aqui no Salão Oval e dizer essas coisas em frente à mídia americana", completou. A embaixadora ucraniana nos EUA, Oksana Markarova, afundou a cabeça entre as mãos na plateia.

"O seu país está em apuros. Você não está ganhando", disse. "Nós demos US$ 350 bilhões a vocês, se vocês não tivessem nosso material militar, teriam perdido em duas semanas. Vocês têm de mostrar gratidão", disse o presidente americano, cobrando um cessar-fogo e exagerando em três vezes o apoio dado pelos EUA a Kiev.

Trump disse que "eu empoderei você para ser um valentão, mas você não acha que pode ser um valentão sem os EUA". "Seu povo é muito corajoso, mas você ou fará um acordo ou nós estamos fora. E se nós estivermos fora, você vai perder", disse.

"Você não está em posição de ditar como nós vamos nos sentir", afirmou o americano, retrucando uma admoestação de Zelenski sobre o resultado do desengajamento americano. "Você não tem cartas agora, você está jogando com a vida de milhões, com a Terceira Guerra Mundial", disse.

Ao fechar a reunião a jornalistas, inclusive um repórter da agência russa Tass que foi expulso por não ter credenciamento para estar lá, Trump ainda tripudiou: "Isso vai dar boa televisão, hein?".

Mais tarde, Zelenski foi ao X "agradecer Trump, o Congresso e o povo americano". "A Ucrânia necessita de uma paz justa e duradoura, e nós estamos trabalhando exatamente nisso", escreveu.

Antes do bate-boca, o clima estava tenso, mas com momentos de descontração. "Olhem, ele está todo arrumado!", disse Trump ao receber às 11h23 (13h23 em Brasília) o homólogo em sua quinta visita à sede do governo americano.

Zelenski usava a roupa de inspiração militar, que visa emprestar-lhe uma aura de líder em guerra, que adotou desde o início do conflito —se o americano estava sendo irônico, é incerto. Depois, o repórter do canal de direita Real America's Voice Brian Glenn ainda estocou o ucraniano, questionando "quando ele ia usar um terno", para receber de volta um "quando a guerra acabar, talvez um melhor que o seu".

Na fala inicial, Zelenski buscou explicitar seus pontos. "Putin começou essa guerra. Ele tem de pagar", afirmou, retrucando a afirmação de Trump anterior de que Kiev iniciou o conflito ao buscar ingressar na aliança militar ocidental, a Otan, uma linha vermelha geopolítica para o Kremlin.

"Queremos saber o que os EUA estão dispostos a fazer", disse. Trump foi evasivo, dizendo que "não é alinhado a Putin, e sim aos interesses dos Estados Unidos e do bem do mundo". Ele não se encontrava pessoalmente com Zelenski desde dezembro, quando ainda era apenas presidente eleito.

Ao mesmo tempo, o americano sinalizou manter a proximidade que deseja com o russo, dizendo que "Putin quer o acordo" de paz. Depois, o clima desandou de vez.

Como pano de fundo do encontro está o acordo para a exploração de minerais estratégicos da Ucrânia, que Trump usou como um artifício para pressionar Kiev a conversar em seus termos. De uma tomada de meio trilhão de dólares das riquezas ucranianas, o texto virou algo vago sobre parcerias e a montagem de fundo para a reconstrução local.

Agora, subiu no telhado de forma indefinida, embora integrantes da equipe de Trump tenham dito que ele ainda poderá ser assinado.

Como já havia ficado claro, o texto que não foi assinado não trazia garantias de segurança americanas para bancar a paz. Trump, contudo, sinalizou na abertura do encontro que "vamos continuar enviando armas para a Ucrânia". Só que, afirmou, "espero não precisar de muito".

A reunião foi marcada após o tumulto geopolítico causado por Trump quando ligou para Putin e iniciou negociações bilaterais sobre a Guerra da Ucrânia e a normalização da relação entre Rússia e EUA, invertendo o sinal da política americana para a crise.

Nessas duas semanas, russos e americanos se encontraram duas vezes ao vivo, Trump chamou Zelenski de ditador sem eleições e o considerou dispensável por atrapalhar acordos, além de pressionar pelo acordo de exploração mineral sem embutir garantias de segurança pós-trégua a Kiev.

Mordeu, mas assoprou também, ao receber o francês Emmanuel Macron e o britânico Keir Starmer, moderando um pouco sua retórica —mas mantendo os pontos essenciais, e ainda buscando vantagens do acesso a minerais estratégicos para a indústria de alta tecnologia, como terras raras.

Zelenski ficou encurralado, e recebeu dos parceiros europeus promessas de uma elevação substancial da ajuda e a oferta de uma força de paz em caso de cessar-fogo. É o desejo de Trump em curso: o americano quer se desengajar da Europa.

O problema é que Putin não aceita a presença de forças de países da Otan na Ucrânia, aliás seu "casus belli" central em 2022. Nesse quesito, Trump concorda que Kiev não deve ser admitida no clube. Em relação à ajuda, a coisa complica no detalhamento dos números.

Usando o rastreador mais acurado da praça, do Instituto para a Economia Mundial de Kiel (Alemanha), a União Europeia e países do continente deram € 132 bilhões a Kiev, mas o grosso disso é dinheiro. Já os EUA enviaram € 114 bilhões, 56% do volume em ajuda militar.

Os europeus simplesmente não têm indústria bélica capaz de suprir toda a necessidade da Ucrânia no caso de a guerra continuar, mas podem fazê-lo num cenário de trégua. Poderiam, claro, comprar produtos americanos, mas essas triangulações são legalmente complexas.

FOLHA 


 

 

February 25, 2025

Which Innie-Outie Love Triangle Will Explode First? & Other Severance Questions.

 


Seven Severance Questions is a weekly attempt to digest the events of one of television’s twistiest shows by highlighting the weirdest, most confusing, and most important unresolved issues after each episode. There will be theories. Many will be unhinged.

Welcome to Romance Week on Severance. Love is in the air. Maybe it’s not love, actually. What do you call it when a group of people who’ve had experimental brain procedures start dealing with the ramifications of that by having intercourse at work and dining awkwardly with their secret-work-boyfriend’s partner and sharing hugs with the wife they only just recently met? Because that’s in the air, whatever it is.

Also in the air: mysteries, as always. We have new ones about Burt’s past and Helena’s intentions and Miss Huang’s skill set as a practitioner of emergency medicine. We also don’t know what Cobel has been up to or why Milchick appears to be having a full-on breakdown over his performance review. There are only a few episodes left in the season to start providing answers to all of these, or at least some of them.

But while we wait for those answers, as always, we have some questions that need to be asked …

Hey, man, what’s Burt’s deal?

Here’s what we knew about Burt before this episode: He was the head of optics and design at Lumon until he either retired of his own volition or was fired for smooching Innie Irv. He’s been following Outie Irv and snooping on him at pay phones. He might invite you over for a dinner of ham and wine.

Here’s what we know about Burt after this episode: Burt is Lutheran and has secrets. Burt also has a partner named Fields who gets chatty after a few glasses of wine and is my new favorite character. Fields raises some very awkward but fair questions at dinner, like whether Burt and Irving ever had sex at work and whether Innies go to heaven even if their Outies were, to use Burt’s word, “scoundrels.” He says something about Burt working with someone at Lumon 20 years ago, despite the severance procedure only existing for 12 years, which makes Burt get squirrelly in a way that implies there was something else going on there. He put some cumin on the ham. Fields is a good man. Probably. Maybe. We could find out next week that he’s the head of a paramilitary organization that murders dogs for fun. You never know with this show.

The dinner is just about as awkward as I expected going into the episode, as these things will be when your partner had a tryst he doesn’t remember with a man who showed up at your door shouting his name. Where it gets really interesting is at the very end, when Irv is leaving and Burt gives him that long and terrifying stare before slowly closing the front door. That’s a villain move! One of the best villain moves, honestly, right up there with having a shark in an aquarium and delivering a long monologue to another character about how the two of you are not so different.

So this all changes a lot of things. It means we now have a timetable mystery on our hands regarding what Fields said about Burt being there for 20 years. It means we need to think long and hard about whether Burt retired or was fired or neither, and maybe that pay-phone snooping he was doing was less “curiosity about the strange man yelling at his door” than it was “snooping on Irv on behalf of a giant evil corporation as he made mysterious calls from an isolated pay phone.” Most important, it means we might be on the verge of getting a full-on villain turn from Christopher Walken. That part is pretty thrilling. I don’t think any of you can imagine how much I want to see him give that “not so different” speech. Maybe in front of that aquarium with the shark in it. Maybe to Ricken.

Is any macro-data getting refined at Lumon these days?

It sure does not look like it! Mark and Helly are off sneaking around and having sex in empty offices under makeshift tents to sort of re-create the tent fling Mark and Helena had at the ORTBO. Dylan is having top-secret tender moments with his Outie’s wife and storming off whenever anyone asks what he’s up to. Irv is gone. Milchick is kind of compulsively practicing his paper clipping and repeating phrases at himself in a mirror in a way that implies there are layers to this onion that get pretty funky the deeper you peel. Miss Huang is providing first aid, apparently.

There was a shot in this episode of the desk in the MDR office just sitting there empty. I imagine it made Natalie furious.

Which Innie-Outie love triangle will explode first?

Ranking from least to most ready to explode:

3. Burt-Irv-Fields: Technically, I suppose this is an all-Outie thing now that Burt and Irv aren’t stealing smooches at work. And it’s less of a smoldering affair now that Burt might be evil. It’s still worth keeping an eye on, though. Fields has access to wine and kitchen knives. He’s the wild card here.

2. Dylan-Gretchen-Dylan: So, Gretchen is definitely falling in love with her real-life husband’s severed Innie, yes? Kind of a “this is everything my husband could be, the man I love without all the loser baggage, a man who is an adorable blank slate who never takes scuba lessons or tries to brew beer in the garage or has to be talked out of impulse-buying a new car we can’t afford” situation? Because that is fascinating. The show has focused so much on the Innies’ curiosity about the Outies that I’ve never really pondered the question of whether the Innies were, like, better people. Gretchen is pondering that now, though. A lot. Quite possibly every waking moment of every day. She probably has at least one “how to make severance permanent” in her search history.

1. Mark-Helly-Mark-Helena: I suppose this is less of a love triangle than a love square, now that Helena is also making eyes at Mark’s Outie over restaurant tables. Either way, if Mark’s reintegration continues to progress and he puts a few of these pieces together, things are going to get wild real quick.

Love Squares would be a great name for a 1970s-style  game show hosted by a man with a very skinny microphone. Another thing to ponder.

What do we think is Helena Eagan’s endgame?

I guess it depends on whether you think whatever she’s doing is evil or sad.

If you’re leaning toward evil, then maybe this is part of a plan to manipulate Mark’s Outie and surveil him, kind of like Cobel was doing when she was Mrs. Selvig. There is a history here with Lumon intertwining itself with his outside life. This could be another part of that.

If you’re leaning toward sad, then maybe this is just a lonely rich lady who is making reckless decisions because she saw her Innie kiss Mark’s Innie and can’t let it go, to the degree she seduced his Innie in that tent and, when that plan ended up almost getting her drowned in a creek, pivoted to tracking down his Outie to look for the spark there.

It could also be evil and sad. That’s on the table too. Helena Eagan is a messed-up lady.

How bored is Reghabi in that basement?

She’s got to be so bored. What is she even doing with herself all day? Mark is in the office. She can’t be running around the house flipping on lights and watching television. She sure as hell can’t leave. I bet she’s going crazy down there in that lab. Part of me wonders if that’s why she’s pushing for a more aggressive schedule with their experiments. “Screw it, let’s flood the chip” does feel like an idea that stems from boredom, like two college juniors seeing if they can make a zip line across their apartment so they don’t have to get up to pass the bong to each other.

She has plenty to do now, though. A patient collapsing on the floor in front of his sister after your secret science experiment was interrupted will fill up your schedule pretty quickly.

What the hell has Cobel been up to?

It has now been three episodes since we’ve seen her. I … miss her? That feels like a weird thing to say. She’s terrifying and devious, and everything she did in the first season was creepy on a very deep level, especially once she involved a baby. But still. Let me see what she’s doing. Just a quick check-in. I hope she’s ice fishing. That seems like something she would do.

When did Miss Huang learn how to take blood pressure?

Is it weird that this is the thing that’s stuck in my head after the episode, how Miss Huang — a child, whose entire deal has yet to be explained and a lot of us are starting to just accept as normal because we’re so wrapped up in all the other things that are happening on the show right now — is also the nurse of the severed floor? It might be weird. I accept that. But I do need to know.

 

How Soon Until Dylan Snaps? And Other Severance Questions.

 

 Seven Severance Questions is a weekly attempt to digest the events of one of television’s twistiest shows by highlighting the weirdest, most confusing, and most important unresolved issues after each episode. There will be theories. Many will be unhinged.

Hello, and welcome back to the severed floor. I hope everyone had a lovely ORTBO. What’s that? The ORTBO went poorly? The company’s heiress seduced an employee while pretending to be her own Innie, then almost got murdered by a wild-eyed co-worker who sniffed out her ruse and revealed it to everyone? Everyone laughed at Kier’s tale of children pleasuring themselves? The marshmallows were wasted? Well, that certainly sounds like something that might have ramifications back at the office.

And yup, as we saw in this week’s episode, it sure did. Irv is indeed gone. Everyone is getting lippy with Milchick. Distrust is at an all-time high. Things are weird and awkward for a show where “weird and awkward” is pretty much the default setting. It doesn’t look like it’s going to get less weird and awkward going forward, either. Buckle in, gang. Milchick is tightening the leash. Mark is having visions. Irv and Burt are going to eat a ham. It’s all very exciting. It also raises some questions. A lot of them. But let’s focus on these seven for now.

Is Mark’s body falling apart now, too?

There are not many things more ominous than a character in a movie or television show developing a shallow little cough. That rarely works out well. In fact, the only time I can remember it working out was when Tiny Tim survived in The Muppet Christmas Carol, and that required three spirits visiting an evil old rich guy in the middle of the night to teach him a lesson about humanity. I don’t know if we can reasonably expect some ghosts to come knocking for Helena Eagan’s dad before this season ends. I suppose we can’t rule it out given everything that has ever happened on this show. And maybe it’s just, like, a little tickle related to the weather there. Maybe he just needs a lozenge and some hot tea in addition to the regimen of pills and gross sludge that his live-in scientist has prescribed. But I wouldn’t bet on any of that. Let’s be cautious and add Mark’s physical health to his growing list of problems.

And buddy, that list sure is growing. Start at the top, with him returning to the severed floor after the ORTBO and running into Helly R., the Innie version of the Lumon tycoon who seduced him in a tent under extremely false pretenses. What exactly does one even do in this situation? Is it fair to be mad at the Innie who still has no clue what happened? Does he confront her about it? What good does that do? Does Helly deserve to know what Helena is out there doing with their body and is he the best messenger considering he was unwittingly the one doing it with her? You could pull back the layers of this ethical conundrum for days. And we haven’t even gotten to how betrayed he feels knowing that their whole plan to snoop around and investigate the Ms. Casey business was reported straight up the ladder by the same person. I don’t think “kind of pout and be cold to everyone in the office” is the worst response to it all, especially considering “burn down the building” is something that’s on the table, too.

Oh, and there’s also the thing where his menacing mustachioed boss is now confronting him in the elevator. And the thing where the reintegration seems to be sticking and he’s having visions of his maybe-dead ex-wife talking to him in spooky hallways. Even if that cough is just a little seasonal mucus drip, he sure doesn’t need that on top of all of this stuff.

Get this man some combination of Mucinex and benevolent ghosts as soon as possible. His body and mind are falling apart.

Is this weirder for Helly R. or Helena Eagan?

Okay, I know the answer is Helly R. That’s the answer even before she knows that her diabolical corporate alter ego slept with her colleague while pretending to be her, which, as we’ve discussed, is a level of weird almost impossible to unpack. All she knows right now is that she snapped to life soaking wet in a snowy forest with one of her co-workers kind of trying to drown her Outie and now the same Outie sent her back to work. That’s a lot. Probably too much.

But consider Helena Eagan for a second. She’s not deserving of much sympathy here, at least not from what we’ve seen, but it does have to be wild for her, too. She’s a lonely billionaire who can’t please her father and whose family business is sending her back into a situation where she has no real agency and at least two of the four people she works with — Irv and her own Innie — have tried to murder her. She tricked the third one into having sex with her and will have to look him in the eye with no clue what happened.

Do I feel bad for her about any of this? Nope, not really. Not yet, at least. Everything we know about her indicates she could quit this job tomorrow and go sit in a jacuzzi with an umbrella drink for the rest of her life. But it is undeniably weird, top to bottom.

If you were forced to sit through a four-to-six-hour performance review, what would you order for lunch?

There are two ways you can go here:

— You can be logical about it. You can order something comforting, something sustaining, something that will make you feel good and full and not gassy or bloated as you sit through a long and unpleasant meeting where your superiors give you a frank and unflattering review of a situation that turned out poorly, to whatever degree “almost getting the boss’s daughter drowned in a creek” is considered a poor outcome.

— You can be petty. You can order whatever looks most expensive or whatever will enable you to take the most bathroom breaks or give you the most foul-smelling emissions or really just whatever will give the people putting you through a freaking four-to-six-hour performance review the most pain possible.

Is lobster chili a thing? Two bowls for Milchick, please. Maybe then Natalie will understand how he felt about those damn paintings.

Speaking of awkward meals, how weird is Irv and Burt’s ham-and-wine dinner going to be?

Oh, that’s gonna be weird. Just super, super weird. I hope it’s the entire next episode. Irv and Burt and Burt’s partner, Fields, just sitting around a table trying to figure out where to start a conversation when all they know for certain is that two of them were recently fired from the same company where they might have fallen in love in such a deeply passionate way that it resulted in a door-banging, name-shouting scene that neither of them now understands, and the third is eating ham and drinking wine and trying to figure out if he should be jealous. That sounds like fascinating television to me.

Arguments can be made that this wasn’t the most important takeaway from the scene where this played out. Things like “Who was Irv talking to on the phone?” and “Oh, Burt didn’t retire after all” probably have bigger long-term ramifications. I do not care. Give me Christopher Walken and John Turturro at a dinner party. I deserve this. We all do.

How close is Dylan to snapping like a stale pretzel rod?

I worry about Dylan. A lot. He somehow knows both more and less than anyone else on the team right now. Mark and Helly have a thing, or things plural, and their own levels of comfort and discomfort that go along with all of that, some of which they’re not aware of but absolutely none of which Dylan is. Irv is gone and he’s pretty messed up about it. He wants to rage in about four different directions, but he’s afraid to both because he doesn’t want to lose that family time with his Outie’s wife and because he now knows he kind of needs this job because that same family time made him aware that he’s a flailing screw-up on the outside and his wife has some exhaustion in her eyes about it.

Also, he can’t keep his glasses up on his nose properly. This last one might not be as important as the other ones, but at the very least it is driving me insane, if not him.

If you were offered a watermelon sculpture of your beloved co-worker’s head at his fake funeral, what part of him would you eat first?

I’m gonna say the cheek. Maybe the chin or forehead. Something fleshy and plain-looking. I don’t think I’d want to be the first person in line, either. Let someone else jump on that grenade. Let them figure out where to make the first cut. I’ll stay in the back until we’ve started sorting it all out. Being a leader is overrated anyway.

There’s really no correct answer here, for the record, only varying degrees of bad ones. Like, what if the first person in line goes straight for the eyes? Or, potentially more unsettling, the lips? What if someone walks up and bites off the whole nose? How could you look at the person ever again without thinking about that? Nope. No, thank you. Watermelon is delicious, but this time it’s just not worth it.

Is there a creepier song in the whole entire world for a scary doctor to whistle as he ambles down an empty hallway with a tray of surgical tools toward a mysterious room where experiments are done that may or may not involve necromancy than “The Wreck of the Edmund Fitzgerald”?

Yes. “Mambo No. 5,” by Lou Bega.

February 22, 2025

Cacá Diegues teve sucesso popular e prestígio como poucos cineastas no Brasil

 

 


[RESUMO] Texto comenta trajetória pessoal e artística de Cacá Diegues, o cineasta mais popular do cinema novo. Em seus melhores filmes, ele lançou um olhar carinhoso e otimista a personagens tragados pelos impasses do Brasil.

Cena de "Bye By Brasil", de Cacá Diegues, exibido na mostra de filmes clássicos do Festival de Cannes de 2024

Marco Rodrigo Almeida  

Carlos Diegues, que morreu nesta sexta (14), aos 84, se distinguiu não apenas por ser um dos principais cineastas brasileiros. Em uma atividade artística em que tantos no país tiveram suas carreiras abreviadas por mortes precoces ou entraves de exibição e produção, Cacá, como era conhecido, foi uma notável exceção: filmou com relativa regularidade ao longo de seis décadas, conciliando como poucos o sucesso de bilheteria e a aprovação da crítica.

Dos integrantes do cinema novo, Cacá foi o diretor de obra mais popular, o que mais cultivou um modelo de espetáculo tradicional de cinema para difundir o ideário estético e político de seu grupo. E, depois de Glauber Rocha, foi o cineasta, ao menos em termos de repercussão na mídia, que mais propagou e simbolizou o movimento que colocou o cinema brasileiro no mundo.

Em suas memórias, "Vida de Cinema" (2014), Cacá diz logo no prefácio que, de tudo que viveu, "nada se compara ao cinema novo, uma enorme excitação, o imenso prazer de compartilhar a vida e o cinema com aquelas pessoas e nossas ideias".

Em entrevistas, ele costumava brincar que o projeto de sua geração era muito simples, composto de apenas três pontos: mudar a história do cinema, mudar a realidade brasileira, mudar o mundo.

A utopia romântica, que naqueles anos 1960 talvez tenha sido vivida de forma coletiva pela última vez, energizou os principais filmes de Cacá e de seus colegas cinemanovistas, mas foi também um fardo que fez muitas dessas obras naufragarem.

Cacá parecia estar ciente desse risco, assim como dos dogmas castradores decorrentes de quase todo movimento de vanguarda —e os enfrentou em debates públicos que marcaram a cena cultural brasileira.

O diretor nasceu em Maceió (AL), em 19 de maio de 1940, mas se mudou para o Rio ainda criança. A cultura nordestina, de toda forma, povoou o seu imaginário por toda a vida, como de resto foi uma força preponderante para seus colegas de geração e ofício. Na capital alagoana Cacá foi ao cinema pela primeira vez, por volta dos 6 anos.

O diretor era filho de Manuel Diégues Junior, cientista político de renome que ocupou inúmeros cargos públicos na área cultural, atuando inclusive na consolidação da Embrafilme, a estatal de fomento ao cinema criada em 1969 pela ditadura militar.

Manuel circulava no meio artístico, sendo amigo, entre outros, de Jorge de Lima, que se tornaria o poeta preferido de Cacá. Décadas depois, em 2018, o cineasta lançaria o filme "O Grande Circo Místico", inspirado em poema de Lima.

Formado nesse ambiente cultural efervescente, Cacá se tornou cedo um leitor entusiasmado, sobretudo de poesia, prazer estimulado pelo Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, onde descobriu a literatura de vanguarda, de Ezra Pound a Dylan Thomas, tal como os brasileiros Augusto e Haroldo de Campos e João Cabral de Melo Neto.

Era natural que, como tantos outros garotos com ambições artísticas, Cacá logo passasse a escrever também seus próprios versos, afinal a prática, em termos materiais, não demandava mais que caneta e papel. A carreira de poeta não sobreviveu à idade adulta, mas teve seu momento de glória quando o poeta e jornalista Mário Faustino publicou no Suplemento Dominical 12 de seus poemas em uma seção dedicada a novos talentos.

O cinema já era então outra de suas paixões, mas para um adolescente brasileiro nos anos 1950 parecia bastante improvável se imaginar mais que um consumidor de filmes. Em 1956, contudo, Cacá viu dois espetáculos que mudaram suas ideias e o curso de sua vida.

Primeiro, "Rio, 40 Graus", o filme de Nelson Pereira dos Santos que inaugurou o cinema moderno no Brasil, crônica da vida de cinco garotos da favela. Depois, a estreia de "Orfeu da Conceição", peça de Vinicius de Moraes e música de Tom Jobim, que transpunha o mito grego de Orfeu e Eurídice para o morro carioca, levando atores negros para cantar e tocar samba no Teatro Municipal do Rio.

Ambos, a bem dizer, foram um terremoto no panorama cultural brasileiro. Nossa realidade, nossa cultura negra e popular explodiam na tela e no palco, em diálogo enriquecedor com o mundo (o neorrealismo italiano, a tragédia grega), sem subserviência. Da periferia, o Brasil impunha seu valor artístico.

Para o jovem Cacá, foi ainda o momento de outra dupla descoberta: Nelson mostrava que era possível fazer cinema relevante no Brasil mesmo sem grandes orçamentos, a partir do olhar sensível para a nossa realidade; e de Vinicius vinha a lição de que essa realidade pode ser apreendida via fantasia, que a fabulação podia tornar o real mais verdadeiro. Era a semente do realismo lírico que formaria o estilo do futuro cineasta.

Por esta época, o jovem Cacá começava a formar seu núcleo de amigos, tão apaixonados por filmes quanto ele. Na rua da Matriz, onde sua família morava em Botafogo, conheceu o primeiro deles, David Neves, que o apresentou à revista francesa Cahiers du Cinéma, bíblia do cinema então em seu auge, e o levou à Cinemateca do Museu de Arte Moderna, que ambos frequentavam religiosamente.

Ali, e no circuito de bares do entorno em que se davam debates acalorados sobre clássicos do cinema, conheceu o grupo de cinéfilos com quem criaria em alguns anos o cinema novo: Ruy Guerra, Paulo César Saraceni, Marcos Faria, Mário Carneiro, Leon Hirszman, Walter Lima Jr. e Glauber Rocha. Em suas memórias, Cacá diria que Glauber foi a pessoa mais interessante que conheceu no mundo do cinema.

Na ausência de escolas de cinema no país, Cacá iniciou em 1958 o curso de direito na PUC-Rio, o que lhe pareceu mais próximo de uma cultura humanista, mas sabia que jamais exerceria a profissão.

Já fisgado pelo cinema, fundou uma cinemateca na universidade e deu seus primeiros passos na prática de cinema, com curtas em 16 mm. O mais ambicioso deles foi "Domingo", sobre dois meninos da favela, feito com parceria com David Neves e Affonso Beato, futuro fotógrafo de cinema. Seus colegas de cineclubes também se aventuravam em pequenos filmes, o que fortalecia o vínculo entre eles.

Por essa época, Cacá dirigiu O Metropolitano, jornal da União Metropolitana de Estudantes, e participou do Centro Popular de Cultura (CPC), organização da UNE que, embora de breve existência em razão do golpe militar, teve forte impacto na cena cultural brasileira do começo dos anos 1960 com seu projeto de arte popular revolucionária.

O CPC produziu a primeira experiência profissional de Cacá como cineasta, o longa coletivo "Cinco Vezes Favela" (1962), composto de episódios também dirigidos por Marcos Farias, Miguel Borges, Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade —o deste último, "Couro de Gato", é um dos melhores curtas brasileiros.

 

A história de Cacá, "Escola de Samba Alegria de Viver", trazia em estado bruto a ideia, herdeira de Nelson e Vinicius, que ele lapidaria ao longo dos anos, o embate entre fantasia e realidade, aqui simbolizado pela relação de um carnavalesco e uma sindicalista.

De modo geral, a escassez de recursos, a precariedade dos equipamentos e o amadorismo de parte da equipe prejudicaram o filme como um todo, mas o empenho dos jovens diretores em falar do Brasil, em buscar um estilo em condições tão adversas fez de "Cinco Vezes Favela" o pontapé do cinema novo.

O cinema passava então por um período de transformações no mundo, e isso reverberou forte no Brasil naquele 1962. Estreavam em longas Glauber Rocha, com "Barravento", Ruy Guerra, com "Os Cafajestes", e Paulo Cesar Saraceni, com "Porto das Caixas". Roberto Farias lançava seu clássico", "Assalto ao Trem Pagador".

Nelson Pereira dos Santos adaptava Nelson Rodrigues em "Boca de Ouro". Anselmo Duarte vencia o Festival de Cannes, o mais importante do mundo, com "O Pagador de Promessas". Contra todas as adversidades, o moderno cinema brasileiro se consolidava e se impunha ao mundo.

A explosão dessa turma ficaria consagrada em seguida, com "Vidas Secas" (1963), de Nelson, e "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964), de Glauber, em geral considerados os mais importantes filmes brasileiros.

"Fomos buscar nossos rumos cinematográficos nos realizadores estrangeiros que amávamos, dando forma e conteúdo novo às nossas preferências através da absorção do que chamávamos de nossa realidade e da inspiração na cultura brasileira que, para nós, era praticamente inaugurada com o modernismo. Para o cinema novo, antes e depois dos nossos primeiros filmes, Oswald de Andrade era tão importante quanto Jean-Luc Godard, nosso ideal era o da criação de um universo inédito onde os dois pudessem se encontrar. Esse encontro se deu em muitos de nossos filmes, com menor ou maior grandeza", escreveu Cacá em suas memórias.

 

O cineasta sairia em busca desse ideal ao lançar seu primeiro filme, "Ganga Zumba" (1964), no qual Antônio Pitanga vive o personagem título, líder do Quilombo dos Palmares no século 16.

No papel o filme seria um épico sobre a escravidão, mas, no inóspito cenário brasileiro, Cacá, então com 23 anos, valeu-se da vitalidade da juventude e do empenho da equipe, que trabalhava em sistema de cooperativa, para concluir a obra quase sem dinheiro algum, recorrendo também a vaquinhas com amigos e parentes. A maior parte da história se passa no meio do mato, para evitar reconstituir cenários de época.

"Gamba Zumba" não foi um estrondo como outros filmes do período, mas acabou exibido em uma mostra paralela do Festival de Cannes de 1964, edição em que "Vidas Secas" e "Deus e o Diabo na Terra do Sol" integraram a competição oficial. Era o nascimento do cinema novo para o mundo.

No trabalho seguinte, Cacá passou do meio rural para o urbano. "A Grande Cidade" (1966) refletia de certa forma a experiência de sua família, alagoanos vivendo no Rio, e, de forma mais geral, o acelerado processo de industrialização do país naquele período e os impasses resultantes disso.

Feito basicamente com câmara na mão, em locações reais e muito improviso do grande elenco (Anecy Rocha, Antonio Pitanga, Joel Barcellos, Leonardo Villar), o filme mostra evidente evolução em relação ao interior.

O fim dos anos 1960 foi o início do período mais tenebroso da ditadura militar, o que de certa forma brecou a utopia de transformação social daquela geração. A safra do cinema novo —"O Desafio" (1965), de Saraceni, "Terra em Transe" (1967), de Glauber, "O Bravo Guerreiro" (1969), de Gustavo Dahl, entre outros— refletiu a impotência e o pessimismo daqueles anos, ao que o cinema marginal, espécie de ruptura mergulhada na contracultura, somou seu "niilismo avacalhado": "O Bandido da Luz Vermelha" (1968), de Rogério Sganzerla, "Matou a Família e Foi ao Cinema" (1969), de Julio Bressane.

Nesse turbilhão, Cacá lançou "Os Herdeiros" (1969), um painel de três décadas da história brasileira, filme bastante prejudicado por uma série contingências do período. A ambição excessiva travava a fruição, e a desesperança característica daquela fase não se casava bem ao estilo mais caloroso e otimista de Cacá. Para completar, o filme foi proibido e depois retalhado pela censura.

No plano pessoal, eram também tempos duros. Com a prisão de amigos, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, e sentindo que o cerco da repressão se fechava, Cacá decidiu-se por um exílio voluntário. Aproveitando a ida de "Os Herdeiros" ao Festival de Veneza, partiu para a Europa em 1969 com a cantora Nara Leão, com quem se casara dois anos antes. A primeira filha do casal, Isabel, nasceu em Paris, em 1970.

Naquele mesmo ano, a Cahiers du Cinéma publicou uma longa entrevista com Cacá, que ocupou 12 páginas da revista, que trazia ainda uma foto de "Os Herdeiros" na contracapa. Tamanho espaço na bíblia do cinema de autor confirmava o prestígio internacional do diretor em particular e do cinema novo em geral.

O desejo de voltar, mesmo em condições adversas, ganhou impulso após conversa com um de seus maiores ídolos no cinema. "Volte logo que puder, a ditadura militar é uma tragédia, mas um dia acaba e o povo brasileiro vai precisar de um cinema vivo, no qual possa se reconhecer", aconselhou o cineasta francês Jean Renoir.

Era o início de um processo de maturação que levou ao melhor de sua obra. De volta ao Brasil, Cacá trocou a impotência e o desespero característicos do período pela resistência alegre. Em "Quando o Carnaval Chegar" (1972), um grupo mambembe de cantores não se rendia a um empresário autoritário, metáfora musical, via chanchada, da situação do país.

Cacá lamentou depois o roteiro pouco consistente e a produção um tanto improvisada, mas o filme vale sobretudo como registro visual de três dos maiores nomes da música brasileira, Chico Buarque, Nara Leão e Maria Bethânia, que compunham a trupe da história.

 

O filme seguinte, "Joana Francesa" (1973), hoje é mais lembrado por sua protagonista, a francesa Jeanne Moreau, uma das maiores atrizes do cinema, que o diretor conhecera em seu período parisiense. Moreau vivia uma dona de bordel na São Paulo dos anos 1930 que se muda com seu amante para um canavial no interior de Alagoas, onde se debate com as estruturas patriarcais.

A atriz encarou com resignação e sem estrelismos o calor alagoano e ainda cantou com brilho a canção-tema do filme, composta por Chico Buarque. Talvez por seu tom melancólico, o filme não foi o sucesso que se imaginava, mas representou um divisor de águas para Cacá, uma afirmação da autonomia da direção e do enredo.

A visão política sobre nossos problemas e a utopia de um novo país permaneciam, porém a partir dali, em seus trabalhos mais inspirados, estariam mais integradas a uma proposta de espetáculo cinematográfico.

"Foi um momento radical em direção a um cinema de montagem mais temporal, dramatúrgico, íntimo, elaborado em cima de sua própria encenação e não de ideias que a precedem", relembraria ele depois.

Os filmes seguintes foram a cristalização dessa nova fase. "Xica da Silva" (1976), cuja inspiração remonta a um desfile de Carnaval que encantou o cineasta uma década antes, fazia da história da escrava alforriada, altiva, sensual e de riso aberto, uma alegoria do processo de abertura política.

"Xica da Silva mudava o paradigma do cinema brasileiro. Depois desse filme, a impotência não podia mais justificar a falta de esperança, o prazer e a alegria não precisavam mais ficar sufocados por trás das dores de um mundo que nunca será perfeito", escreveu o diretor em suas memórias.

Zezé Motta ficou célebre no papel-título, e o filme foi o maior sucesso popular de Cacá, com quase 3,2 milhões de espectadores.

Foi também a mais controversa recepção crítica de sua carreira, que se estendeu mesmo anos após o lançamento. Intelectuais criticaram a forma pouco ortodoxa com que o filme tratava a história do Brasil; o humor e a sensualidade da história era encarada por muitos como uma banalização da escravidão.

Cacá, por sua vez, apontava o autoritarismo desses detratores, pois conceberiam a arte a serviço de uma ideologia ou de um programa político. Chamou essas cobranças de "patrulhas ideológicas", expressão que se tornou conhecida, e utilizada até hoje, após uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo de bastante repercussão em 1978.

"Um negócio que também acho muito grave é esta espécie de patrulha ideológica que existe no Brasil. Uma espécie de polícia ideológica que fica te vigiando nas estradas da criação, para ver se você passou da velocidade permitida", declarou.

Em 2003, 25 anos depois, Cacá fez crítica semelhante ao governo Lula, apontando o que a seu ver seria "dirigismo cultural". Na ocasião, a política de patrocínio cultural de algumas estatais, como Eletrobras e Furnas, estipulava a exigência de contrapartidas sociais e falava em "sintonia com a política governamental". O caso ganhou repercussão na imprensa, e as regras de patrocínio foram revistas.

Após "Xica" e um delicado longa sobre o envelhecimento, "Chuvas de Verão" (1978), Cacá lançou "Bye Bye Brasil" (1980), seu melhor filme e espécie de síntese de seu cinema.

Neste road movie filmado em cinco estados do Norte e Nordeste, artistas mambembes da caravana Rolidei (José Wilker, Betty Faria, Fabio Jr.) levam seu espetáculo aos rincões do país e percebem uma série de transformações (sociais, comportamentais e culturais) em curso. O filme trafega com humor e poesia nessa via de mão dupla: o nascimento de um Brasil moderno e a agonia de uma era mais arcaica.

A ideia do filme nasceu nas filmagens de "Joanna Francesa", quando Cacá percebeu o impacto da TV numa pequena comunidade do interior de Alagoas. Exibido na competição oficial do Festival de Cannes em 1980, "Bye Bye Brasil" teve carreira exitosa, de crítica e público, no exterior e no Brasil, onde fez quase 1,5 milhão de espectadores.

"Para a crítica europeia, tratava-se de um filme triste sobre o fim de uma cultura e suas tradições populares. Mas para os latinos e norte-americanos, era um canto luminoso a um novo país em via de nascer. Essa recepção contraditória contém verdades nas duas vertentes e é mais uma virtude do próprio filme", escreveu o diretor.

Já separado de Nara, Cacá se casou em 1981 com Renata Almeida Magalhães, que depois se tornaria produtora de seus filmes. A década começou exitosa e renovadora, mas seria marcada por produções repletas de contratempos.

"Quilombo", rodado em Xerém (RJ), foi castigado por chuvas torrenciais do El Niño, consumiu dez semanas extras de filmagem e deixou dívidas que o diretor levou anos para pagar. Já "Um Trem para as Estrelas" (1987) e "Dias Melhores Virão" (1990) foram lançados em um contexto de crise econômica, alta inflação e decadência da Embrafilme, o que fez minguar o público de cinema. "Dias", por sinal, estreou na Globo, sem passar pelas salas de exibição.

Na virada dos anos 1990, no governo Collor, a cena parecia um filme de terror. Embrafilme e as leis que possibilitavam a produção de filmes foram extintas, e o cinema brasileiro estava praticamente morto. Como vários colegas de profissão, Cacá migrou para a publicidade e vídeos institucionais para pagar as contas.

Para não ficar louco, como ele diz, produziu com baixíssimo orçamento, em parceria com a TV Cultura, "Veja esta Canção" (1994), uma dos primeiros filmes do que se convencionou chamar de retomada do cinema brasileiro, já no governo Itamar Franco.

O filme era composto de quatro episódios, inspirados em canções de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Jorge Ben Jor.

Os anos seguintes foram bem mais felizes. Único diretor do cinema novo a manter produção regular, Cacá emedou três sucessos. "Tieta do Agreste" (1996), adaptação de Jorge Amado com Sonia Braga no papel-título, era uma superprodução, comparada ao filme anterior. A volta da heroína libertária a uma pequena e atrasada cidade baiana era o mote para pensar o Brasil redemocratizado, que vencia a inflação com o Plano Real e se abria economicamente ao mundo com a globalização.

"Orfeu" (1999) atava, às vésperas dos 60 anos do diretor, as pontas de sua vida: era a concretização do sonho de levar ao cinema a peça de Vinicius de Moraes que tanto o havia marcado na adolescência e moldado sua visão estética. O embate ali presente entre Carnaval/violência, lirismo/realismo já germinava sua obra desde de seu início, quase 40 anos antes, em "Cinco Vezes Favela".

"Deus É Brasileiro" (2003) foi seu último êxito de público e crítica, e seu melhor filme desde "Bye Bye Brasil". Cacá faz o Todo Poderoso (Antonio Fagundes) percorrer léguas de estradas no Brasil, à procura de um substituto, no que acaba por ser uma fábula em homenagem à imperfeição humana. O filme também refletia o clima de otimismo nacional do primeiro mandato de Lula.

Menos sorte teve outro projeto com que sonhava desde a juventude, a adaptação dos versos de seu herói Jorge de Lima ao cinema, que resultou no filme "O Grande Circo Místico", recebido sem entusiasmo por público e crítica.

No fim da vida, Cacá teve mais uma consagração como intelectual público. Foi eleito em 2018 para a Academia Brasileira de Letras, sucedendo, em outro acaso simbólico, seu amigo e mestre Nelson Pereira dos Santos. No ano seguinte, passou por uma tragédia pessoal: sua filha Flora morreu aos 32 anos, em decorrência de um câncer no cérebro.

Por coincidência ou predestinação dos deuses do cinema, Cacá encerrou sua carreira com o inédito "Deus Ainda É Brasileiro", previsto para estrear neste ano, novamente em um governo Lula.

Desta vez, o pano de fundo é o turbilhão em que o país se meteu na última década, bem longe do otimismo contagiante do filme original. Neste 2025, até Deus parece ter virado as costas ao Brasil, a popularidade de Lula desabou e o mantra "A esperança venceu o medo" é bem menos convincente.

O cineasta apontou até o fim as lentes de sua câmera para a questão que tanto afligia sua geração: o Brasil ainda vai cumprir a sonhada vocação de grande nação? Com fé religiosa ou não, teremos que seguir tentando, agora sem os filmes de Cacá.

 

FOLHA