February 28, 2009
Rubem Grilo revela suas escavações
Suzana Velasco
O gravador Rubem Grilo levou um susto quando se deu conta de que havia talhado formas geométricas na madeira.
— Achei que estava entrando em choque com todo o meu trabalho anterior. Linha todo mundo faz, é muito simples. E, para mim, o fato motivador do trabalho é a expressão da particularidade — diz ele. — Foi muito difícil fazer uma linha que fosse minha. Entrei em desespero.
Desenhei umas 200 até que uma me tocou.
Eram meados dos anos 1980, e Grilo acabara de deixar o emprego de ilustrador na imprensa para se dedicar somente à xilogravura. Nesse período, paralelamente às formas geométricas, o artista manteve seu viés expressionista, aquele que temia trair. Essas duas facetas de sua obra poderão ser vistas pelo público a partir de terçafeira, na exposição “Rubem Grilo xilográfico (1985 a 2009)”, que reúne 167 gravuras em madeira, na Caixa Cultural.
— Na imprensa, sempre havia um tema proposto, um desafio que vinha de fora. Eu quis desenvolver um trabalho de dentro — afirma o artista.
— O jornal foi meu tempo de formação. Queria firmar uma certeza, ganhar convicção. O trabalho era raivoso, e eu era raivoso comigo também. O período posterior foi de transformação.
Saí das gravuras grandes, que tinham uma temática mais dramática, e caí em algo mais poético. É uma exposição de um ciclo de trabalho, de um processo mais autônomo de linguagem.
Fora do epicentro artístico da década de 1970 Grilo passou a criar xilogravuras em miniaturas, com referências à ironia e ao humor desenvolvidos na imprensa.
Em outras obras, também em pequeno formato, o artista desenvolveu uma linguagem que parece construtiva, mas que, segundo ele, carrega no fundo as questões existenciais do expressionismo, que o formou como gravador. Ele conta que a tal linha que o tocou foi uma linha incompleta, que lhe permitiu desenvolver um trabalho coerente com sua trajetória — ainda que visualmente contrastante com as figuras densas criadas em jornais como “Opinião” e “Movimento” — publicações independentes que combatiam o regime militar.
— Aceitar fazer figuras geométricas parece quase uma implosão de uma linha de trabalho.
Dentro de uma visão estratificada de arte, a impressão é de que houve uma ruptura do ponto de vista formal — afirma Grilo. — Quando alguém que vem de um berço expressionista entra numa área assim, só de linhas, parece que existe uma esperança, uma racionalidade.
Mas eu criei formas geométricas incompletas, insuficientes, num esforço de encontrar alguma irregularidade dentro da regularidade.
Ao se olhar de perto, as formas geométricas incompletas aparecem também em outras séries de xilogravuras, que mantêm algo da dramaticidade das ilustrações dos anos 1970 e 80, então propulsionada pela ditadura militar. Desde então, figuras com um tom misterioso dão o tom de obras com um cunho mais denso, barroco, segundo palavras do próprio Grilo.
Formado em agronomia, o artista começou na gravura justamente num momento em que os suportes tradicionais eram implodidos no meio artístico, que procurava outros caminhos, através da arte conceitual, em instalações, vídeos e objetos. Apesar de político nas ilustrações irônicas dos jornais, Grilo foi apolítico em relação às discussões sobre os rumos da arte na época.
— Cheguei à festa quando todos já estavam de ressaca — resume. — Estava entusiasmado, mas não queria resolver o problema da arte. Queria resolver o meu problema.
Por vias avessas, o artista acabou adotando uma postura política, pela resistência em trabalhar com a xilogravura, alheio às últimas novidades, trabalhando o dia todo em seu ateliê, nos fundos de casa, em Copacabana, e só parando à noite, para ver um filme.
— Estar aqui já é deixar o mundo lá para fora. Deixo a briga para quem tem musculatura — diz ele. — O sistema de arte hoje é um sistema de mercado, e o problema da gravura começa e termina aí. A utilidade da obra de arte atualmente é absorver valor financeiro, e a gravura não tem valor de mercado. Nessa incompatibilidade, ela fica meio à margem, e pode ser loucura eu dizer isto, mas eu gosto.
Grilo gosta do ofício de se concentrar na madeira e fazer entalhe por entalhe, linha por linha, sem que um produto externo faça o trabalho por ele — como o ácido que corrói o metal. Grilo gosta da precariedade do material, e do fato de que não há erro, cada traço é definitivo. Esse tempo de registro na madeira, apesar de ser o que mais exige do artista, não pode ser visto no resultado final, a própria gravura. E é por isso que, na exposição, Grilo vai mostrar 13 matrizes que ainda não receberam tinta, ou seja, que ainda não foram transferidas para o papel e transformadas em gravuras.
“O trabalho não é progressivo, ele é circular” O artista diz que não quer ser didático ao expor as matrizes, mas mostrar uma etapa do trabalho que se perde para o espectador, e que pode ser considerada uma obra em si.
Essas matrizes também são de diferentes épocas e, como as gravuras, expostas sem cronologia — já que sua produção não tem um desenvolvimento em fases. Nesses 25 anos, Grilo criou um universo recorrente, sem uma evolução com um sentido de progresso.
— Há reincidências, e ao mesmo tempo há transformações.
A obra aprende quando retrocede e quando recupera terreno, não só quando ganha terreno — sustenta. — O trabalho não é progressivo, no sentido linear, ele é circular. Ao refazer algo que fazia nos anos 1980, estou revisitando permanentemente minha experiência, aprofundando-a cada vez mais. Ruptura para mim é uma mudança de estado. Mas eu sou telúrico, e o que você pode fazer na terra é cavar.
O Globo, 28 de fevereiro de 2009
February 21, 2009
Leitor voraz e destrutivo, Hitler tinha 16 mil livros
Jacinto Antón
Do El País
Hitler queimava livros, mas também os lia. E o fato de fazer ambas as coisas — além de detonar a II Guerra Mundial e comandar o extermínio dos judeus — o torna um leitor muito especial.
Sua relação com os livros, inclusive com os que não queimava, não era amável. Incapaz de relações profundas e sinceras de amor e amizade — mesmo o que sentia por Eva Braun e por sua cadela Blondie seriam afetos envenenados —, Hitler tampouco nutria carinho pelos livros, uma marca dos bibliófilos decentes.
Da mesma forma que fazia com os países, as instituições e as pessoas, Hitler depredava os livros. Essa era sua forma de lê-los. Ele mesmo explicou seu método de leitura abusivo e oportunista em “Mein kempf” (Minha Luta).
“Ler não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para alcançar um fim.” A leitura, em geral, servia para confirmar opiniões que já tinha. “Tiro dos livros o que necessito”, disse certa vez. Não lia nunca por prazer, embora lesse muito. “Os livros eram seu mundo”, escreveu seu amigo de juventude August Kubizek. Hitler chegou a Viena muito pobre, mas com quatro caixas repletas de livros. Em sua época de agitação política, quando não estava fazendo discursos ou andando pelas cervejarias, passava o tempo lendo.
Almanaques e enciclopédias
“Claro que ler muito não significa ler bem”, frisa Ian Kershaw, em sua monumental biografia “Hitler”. “Ler não era algo que fizesse para se ilustrar ou para aprender, mas sim para confirmar seus preconceitos.” Kershaw questiona ainda a ideia de que Hitler tenha lido tudo o que havia colecionado. Parece que, dos clássicos da literatura, teria lido bem pouco. Não gostava de romances. Por outro lado, apreciava muito o subgênero antisemita (o que não surpreende).
Gostava muito das enciclopédias e dos almanaques, de onde podia extrair, para impressionar, muita informação em pouco tempo. E ainda as obras sobre ocultismo. Foi encontrado entre seus livros — e isso não é uma piada — o título “A arte de tornar-se um orador em poucas horas”. Hitler tinha um fraco, e talvez essa seja sua única faceta sincera como leitor, por relatos do explorador Sven Hedin e pelos faroestes de Karl May. Isso não impedia que acendesse os cigarros de oficiais nazistas com páginas em brasa das obras de May.
Muito já se escreveu sobre a biblioteca de Hitler, de cerca de 16 mil volumes, sua composição, as obras que de fato leu, e os livros que contribuíram para afirmar suas (más) ideias. Agora, um livro apaixonante, “A biblioteca privada de Hitler — os livros que moldaram sua vida”, de Timothy W. Ryback, rastreia com habilidade detetivesca e pulso literário, as obras que teriam sido decisivas, por seu significado emocional ou intelectual, na vida do Hitler leitor.
O líder nazista chegava a ler um livro por noite, revela o autor, mas era superficial.
Muito pouco de Shakespeare, quase nada de Nietzsche e Schopenhauer.
Muita coisa de Nostradamus.
EUA: militares suspeitos de fraude no Iraque
No que pode se tornar a maior fraude da História dos Estados Unidos, autoridades americanas começaram a investigar o papel de militares de alta patente no uso indevido de US$ 125 bilhões destinados à reconstrução do Iraque após a queda de Saddam Hussein. É possível que nunca se descubra a soma exata que desapareceu, mas um relatório do Inspetor Geral dos EUA para a Reconstrução do Iraque (Sigir, na sigla em inglês) sugere que ela pode exceder US$ 50 bilhões - tornando-a um roubo ainda maior do que o esquema de pirâmides de Bernard Madoff.
- Acredito que o verdadeiro saque após a invasão foi feito por funcionários americanos e empreiteiros, e não por pessoas das favelas de Bagdá - disse um empresário envolvido com o Iraque desde 2003.
Auditores descobriram que US$ 57,8 milhões foram enviados em notas de cem para o empreiteiro responsável pelo centrosul iraquiano, Robert J. Stein Jr, que foi fotografado com o monte de dinheiro. Ele é um dos poucos americanos que devem ser condenados por fraude e lavagem de dinheiro.
Apesar das altas somas para a reconstrução, não há guindastes visíveis em Bagdá, exceto pelos utilizados na nova embaixada dos EUA. Líderes iraquianos estão convencidos de que o roubo ou desperdício do dinheiro de ambos os lados só poderia acontecer se funcionários americanos estivessem envolvidos.
Em 2004 e 2005, o orçamento de US$ 1,3 bilhão saiu do Ministério da Defesa iraquiano para comprar helicópteros soviéticos de 28 anos, obsoletos demais para voar, e veículos blindados que podiam facilmente ser perfurados por balas de fuzis. Iraquianos foram responsabilizados pelo roubo, mas militares americanos controlavam grande parte do Ministério.
Em janeiro, investigadores requisitaram a ficha bancária do coronel Anthony B. Bell, que era responsável por contratos para a reconstrução em 2003 e 2004.
Segundo o “New York Times”, estão sendo investigadas também as atividades do tenentecoronel Ronald W. Hirtle, da Força Aérea, responsável por contratos em Bagdá em 2004. Os dois alegam inocência.
Dinheiro era entregue em caixas de pizza
O fim do governo Bush deu novo impulso às investigações.
No início da ocupação, republicanos bem relacionados foram premiados com empregos no Iraque. Um jovem de 24 anos de uma família republicana foi posto no comando da bolsa de valores de Bagdá, que teve que fechar porque ele teria esquecido de renovar o aluguel do prédio.
Estão sendo reexaminadas informações dadas por Dale C.
Stoffel, que foi assassinado em Taiji, ao norte de Bagdá, em 2004. Stoffel, um negociante de armas, havia obtido imunidade após dar informações sobre uma rede de suborno ligando empresas e funcionários americanos na Zona Verde de Bagdá.
Ele contou que propinas de milhares de dólares eram entregues em caixas de pizzas enviadas a funcionários americanos.
Até o momento, americanos que foram processados estavam envolvidos com casos menores de corrupção.
Ministros iraquianos admitem a corrupção desenfreada no governo. Mas também há forte suspeita da cumplicidade de americanos ou da escolha de testas-de-ferro iraquianos. Em muitos casos, empreiteiros sequer começaram ou terminaram as obras. O fracasso em fornecer eletricidade, água corrente e sistema de esgoto durante a ocupação americana foram cruciais para afastar os iraquianos do regime pós-Saddam.
Patrick Cockburn