April 30, 2017

Riotur quer recolocar Paquetá no roteiro do turismo carioca


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foto Guilherme Pinto 
 
 Pacata. Ilha tem atraído cariocas interessados em abrir negócios no local Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo
 
 Território dos índios tamoios até o final do século XV, a Ilha de Paquetá acabou nas mãos dos colonizadores portugueses, que dividiram as terras em duas sesmarias. Mas, apesar da importância histórica — há vários registros de visitas da família imperial ao local —, Paquetá só virou atração turística no final do século XIX, com a publicação do livro “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo. Depois, caiu novamente no esquecimento, mas, nos últimos tempos, está dando a volta por cima. Vem sendo redescoberta por cariocas, que lotam festas juninas, blocos de carnaval e festivais de gastronomia no local. E, como noticiou Berenice Seara em sua coluna no “Extra”, a ilha deve voltar a entrar na rota do turismo: a Riotur vai começar por ali um projeto de valorização — e revitalização — de áreas que já foram vistas como cartões-postais da cidade.

Segundo o presidente da Riotur, Marcelo Alves, o objetivo é recolocar a Ilha de Paquetá no roteiro dos turistas nacionais e estrangeiros. O trabalho deve começar daqui a, no máximo, dois meses. A ideia é oferecer um calendário de eventos mensais, envolvendo esportes, literatura e artes. Além disso, a prefeitura vai realizar cursos de capacitação na ilha e incluir na agenda eventos que já acontecem por lá, como o Festival da Guanabara e o bloco Pérola da Guanabara, que este ano atraiu dez mil foliões para seu desfile.

— A ideia surgiu numa visita da primeira-dama, Sylvia Jane, que tem uma memória afetiva da ilha. Ela já foi muito a Paquetá, inclusive na época de namoro com o prefeito, e tem um grande carinho pelo lugar — conta o presidente da Riotur. — Paquetá esteve muito tempo esquecida pelas autoridades. Apesar de continuar charmosa, a ilha precisa de melhorias.

POTENCIAL REDESCOBERTO

Quem visita hoje Paquetá percebe que muitos cariocas estão redescobrindo seu potencial turístico. Nos últimos dois anos, hostels, hospedarias, espaços com roda de samba e pequenos restaurantes com decoração moderninha abriram as portas em antigas casas do bairro, atraindo principalmente turistas de classe média. Endereços que vieram se juntar a um roteiro mais popular, que, segundo o presidente da Associação de Moradores de Paquetá, Alfredo Braga, faz com que a ilha tenha atrações para todos os bolsos.

Com uma proposta de turismo sustentável, o Solar dos Limoeiros, por exemplo, foi inaugurado em janeiro com apenas duas suítes, e funciona num anexo da residência da produtora Elvi Ficher, que há três anos mudou-se da Praça São Salvador, no Flamengo, para Paquetá, à procura de tranquilidade:
— Dez casas da região abriram as portas oferecendo hospedagem, eventos e agitando a vida noturna. A minha faz parte de um projeto de negócio que inclui a pousada e uma horta. Sirvo no café da manhã sucos de frutas colhidas no quintal e pães e bolos orgânicos. E temos público para isso.

Na Casa de Artes Paquetá, acontecem exposições, saraus e aulas de música. Já na Casa de Noca, o forte são os petiscos e as bebidas, como a cachaça artesanal. Se a vontade for saborear um cozido, um bobó de camarão ou uma feijoada, o indicado é tomar o rumo da Casa Flor nos fins de semana.
Com a notícia de que a Riotur vai investir na ilha, moradores e comerciantes esperam que problemas, como buracos nas ruas de saibro e o abandono de prédios históricos, entrem no foco da prefeitura.

— Acreditamos que pode ser uma grande oportunidade para realmente conseguirmos fazer de Paquetá um espaço que todos os cariocas usem mais. Ficamos felizes com o aceno da prefeitura de traçar um plano estratégico — diz o publicitário Guilherme Pecly, um dos integrantes do coletivo Pérola da Guanabara.

April 27, 2017

STF autoriza universidades públicas a cobrar mensalidade em pos graduacao




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O GLOBO - 26 de abril

BRASÍLIA e RIO — Por nove votos a um, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira que universidades públicas podem cobrar mensalidade por cursos de pós-graduação lato sensu, que compreendem programas de especialização e os chamados MBAs (Master Business Administration). O julgamento diz respeito à Universidade Federal de Goiás (UFG), mas tem repercussão geral, ou seja, a mesma decisão deve ser aplicada por outros tribunais e juízes em casos parecidos. Mestrado e doutorado continuam sendo necessariamente gratuitos.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), com sede em Brasília e abrangência sobre 14 unidades da federação, inclusive Goiás, considerou inconstitucional a cobrança de mensalidade pela UFG. O TRF1 manteve uma decisão anterior da Justiça Federal de primeira instância, que atendeu o pedido de um aluno de um curso lato sensu em Direito Constitucional da universidade.

A UFG recorreu. Segundo a universidade, o TRF1 deu interpretação equivocada a trechos da constituição que dizem que a educação é direito de todos e dever do Estado e que o ensino público é gratuito. De acordo com a UFG, os dispositivos constitucionais sobre o direito social à educação não incluem gratuidade em cursos lato sensu. Isso porque tais cursos têm objetivos que dizem respeito aos interesses individuais dos estudantes, como o aprimoramento profissional e a reciclagem.

O relator, o ministro Edson Fachin, concordou com a UFG. Os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia o acompanharam. Entre outros pontos, eles destacaram a falta de recursos públicos para aquelas atividades que realmente devem ser gratuitas. Assim, não há sentido em proibir a cobrança no lato sensu. Fux destacou, por exemplo, o sucateamento das universidades públicas brasileiras.

— A garantia constitucional da gratuidade de ensino não elide a cobrança por universidades públicas de mensalidade em curso de especialização. Sendo esse o único fundamento da impetração, incorreto o entendimento do tribunal recorrido que, sem observar a vinculação entre atividade em face da qual se estabeleceu a tarifa, estende a ela a gratuidade — afirmou Fachin.

Alguns ministros, como Moraes e Toffoli, também criticaram as barreiras à entrada de recursos privados para ajudar o financiamento de universidades públicas, como doações de ex-alunos. Segundo eles, isso não passa de preconceito e ideologia.

— Criou-se um escudo ideológico de que qualquer aproximação da universidade pública com o dinheiro, cobrança de curso ou aproximação da iniciativa privada é a privatização do ensino público. Por isso minha grande felicidade com o voto do ministro Fachin, que rompe essa barreira — disse Alexandre de Moraes.

Apenas o ministro Marco Aurélio discordou do relator. Ele entende que o acesso à universidade pública é gratuito, sem distinção de curso. Celso de Mello foi o único a não votar porque estava ausente.

Há, hoje, 51 casos semelhantes paralisados em instâncias inferiores à espera da decisão do STF. A sessão para julgar o caso começou na semana passada, mas apenas as partes e outros interessados se manifestaram. Os ministros votaram apenas nesta quarta.

Na ocasião, também se manifestaram a favor da cobrança a União e o Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies). Foram contra a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra) e o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes).

O procurador federal João Marcelo Torres, que falou em nome da UFG, argumentou que os cursos lato sensu não são financiados pelo poder público, uma vez que servem apenas para aprofundar os estudos da graduação. Assim, pode haver cobrança.

— Os cursos de especialização não conferem graus acadêmicos a quem os conclui. Destinam-se ao aperfeiçoamento profissional dos seus estudantes e não, como mestrado e doutorado, às atividades de pesquisa e docência, estas sim, sempre dependentes de apoio do Estado - afirmou João Marcelo Torres.

MEDIDA DIVIDE OPINIÕES

Presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Ângela Paiva Cruz comemorou a decisão do Supremo. De acordo com ela, a medida traz mais segurança jurídica às universidades.

— Historicamente as demandas apresentadas às universidades tinha cobrança, e hoje ganhamos mais segurança jurídica para continuar fazendo esse oferta, que é benéfica para a sociedade. As demandas são feitas porque as instituições acreditam que vão encontrar nas universidades grupos qualificados e competência necessária para qualificação, mas não necessariamente no mestrado e no doutorado. Não acreditamos que a medida vai contra a gratuitdade da universidade pública. Essa cobrança está sendo feita há muitos anos. Não estamos defendendo a privatização da universidade e nem a cobrança dos curso regulares — argumenta.

Na opinião da presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos, Tamara Naiz, a aprovação do pagamento pode abrir uma brecha para que outras cobranças sejam feitas nas universidades públicas:

— Quebra o princípio constitucional da gratuidade da educação nas instituições públicas de ensino. A educação superior brasileira já é extremamente elitizada e isso dificulta mais o acesso e permanência da ampla maioria da população. Essa decisão pode abrir a prerrogativa para que se volte a sugerir a cobrança de mensalidade no mestrado e a seguir isso na própria graduação. Além disso, em momentos de crise é muito tentador e fácil que se pense em alternativas para substituir o financiamento público nas instituições. Pagamos impostos para custear esse ensino nas universidades públicas. É dever do estado.

Segundo Tamara, outro problema da cobrança de taxas em especializações é impulsionar desigualdades entre áreas das universidades.

— Sabemos que há alguns cursos que têm apelo mercadológico e que essas especializações cobradas nas universidades públicas geram ilhas de excelência. Esse dinheiro não vai para o caixa geral da universidade. A universidade precisa se desenvovler como um todo e não ter setores que cobram e têm melhores instalações que outros — diz Tamara.

A presidente da Andifes, no entanto, nega que a cobrança de especialização esteja promovendo realidades diferentes dentro da mesma instituição.

O— É evidente que um setor onde já há expertise muito alta será demandado. Mas a procura por especializações está presente em todas as áreas das universidades. Essa mensalidade cobre o custo do curso e uma taxa vai para melhoria de infraestrutura, manutenção de laboratórios, insumos, entre outras coisas

April 22, 2017

‘As árvores cuidam uma das outras’,


Peter Wohlleben defende que espécies se comunicam, mantêm relacionamentos e cuidam de doentes

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April 21, 2017

A agonia dos museus

 Com instituições sem recursos e desassistidas pelo poder público, a situação no País beira a tragédia


Por Eduardo Nunomura e Jotabê Medeiros

A bocarra aberta do Museu do Amanhã, da qual, chova ou faça sol, escapa uma fila de gente esperando para entrar, parece atestar um horizonte plácido na vida dos museus brasileiros. Com orçamento de 32 milhões de reais, a instituição carioca tornou-se o museu mais procurado do País, com 1,5 milhão de visitantes, deixando para trás o Museu da Imagem e do Som (MIS-SP, com 446 mil), o Museu de Arte de São Paulo (Masp, com 408 mil) e o Museu de Arte do Rio (MAR, com 404 mil). Supera até o público somado de mais de 30 instituições federais sob responsabilidade do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), ente governamental, que tiveram juntas 977 mil visitas no último ano.

Mas a opulência do Museu do Amanhã, projeto midiático das Organizações Globo, é falaciosa. A situação dos museus nacionais beira a tragédia em instituições como o Museu do Crato, no Ceará, que está em vias de colapso por conta de furto de peças. Doze museus foram fechados no último ano, segundo o cadastro de informações do Ibram. A maior parte dos museus federais não possui licenciamento do Corpo de Bombeiros nem alvarás municipais de funcionamento.
Uma das mais importantes instituições federais, o Museu Nacional de Belas Artes , no Rio, sofreu significafiva queda de público em 2016. O museu informou que foi “ em virtude das obras de implantação do VLT na Cinelândia”. Em São Paulo, terra de instituições culturais queimadas, o Museu da Língua Portuguesa, destruído por um incêndio em 2015, só teve obras de reconstrução retomadas em dezembro de 2016.

A questão financeira põe a faca no pescoço de pequenas instituições como o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), do Rio, que há 12 anos divulga o patrimônio cultural africano e afro-brasileiro. O IPN informou que só tem como se manter até o fim do mês. Se não ocorrer um milagre, terá de encerrar atividades em abril. “A situação torna-se mais delicada por estarmos em pleno desenvolvimento de uma pesquisa arqueológica na nossa sede”, diz a diretora do museu, Ana Maria de La Merced dos Anjos.


Mesmo museus privados, como a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, sofrem com a redução de patrocínios e têm de retrair atividades para enfrentar situações delicadas. “Infelizmente, desde agosto de 2016 estamos abrindo apenas dois dias por semana”, informou a assessoria de comunicação da fundação.

O número de museus inaugurados caiu de 45 em 2014 para 17 em 2016. O menosprezo é generalizado. Houve queda de 16% nos investimentos nas instituições no ano passado, e diminuíram em 70% os editais de fomento e financiamento da política de museus.

Há 41 museus com processos de declaração de interesse público em aberto no Ibram, à espera da definição do governo. Essa declaração é o equivalente, para os museus, ao tombamento para o patrimônio histórico. Os museus dependem desse documento, definido pelo Estatuto de Museus, lei sancionada em 2009, para abrir frentes de patrocínios. Mas não há prazo para a concessão.
Angelo Oswaldo, ex-presidente do Ibram e do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) e hoje secretário de Cultura de Minas Gerais, afirma que o esvaziamento das políticas museológicas não pode ser atribuído à crise econômica. “Sabendo-se que o Ministério da Cultura foi extinto e recriado sob constrangimento, logo ampliado pelo escândalo da saída do ministro Marcelo Calero, o tratamento que o governo confere aos assuntos culturais não vai além da possibilidade de alocar para um nome da base aliada mais um assento ministerial. Daí o declínio da política nacional de cultura”, analisa.

Tanto o Iphan quanto o Ibram estão em estado de penúria. A última injeção de recursos foi na gestão da ministra Marta Suplicy, que se valeu de verbas de patrocínio destinadas à Copa do Mundo para assegurar dotações para museus em instalação ou restauro. Passada a Copa, o interesse minguou. “Não há possibilidade de início de obras de restauração de monumentos ou implantação, reforma e aprimoramento de museus, por falta de orçamento do ministério e por falta de estratégia política de captação de recursos”, diz Oswaldo.



Segundo análise de diversos servidores de museus ouvidos por CartaCapital, o Ibram, ligado ao Ministério da Cultura, está mais do que sem ação: não tem projetos e não consegue equacionar questões simples, como a execução orçamentária. O governo libera a verba no fim do ano, sem tempo para que as licitações ocorram (principalmente se alguma empresa entra com recurso). No ano retrasado, o Ibram lançou um edital para a modernização de museus. Um projeto apresentado pelo Instituto de Arqueologia Brasileira, em Belford Roxo, não obteve resposta. Os responsáveis apresentaram o mesmo projeto pela Caixa Econômica Federal e conseguiram recursos. Servidores de museus questionam a criação e a eficácia do Ibram, dizendo que foi uma ação que denota mais ambição do que pragmatismo dos governos Lula e Dilma.

A criação do órgão inseriu-se dentro de uma ideia de ampliação das políticas públicas, inclusive as de cultura, com mais bibliotecas, mais museus, mais universidades públicas, mais pontos de cultura, defende José do Nascimento Jr., que foi presidente do Ibram no governo Lula e parte do governo Dilma. “O pensamento conservador sempre será contra a ampliação dos serviços públicos. Esse discurso é o mesmo que ataca dizendo que tem de fechar as universidades criadas, o SUS e outros serviços”, critica.
“O Ibram é resultado de uma política pública, e não o inverso. Só no período getulista tivemos algo semelhante ao que passamos na era Lula. A proposta da era FHC era privatizar, e o período militar não permitiu o crescimento dos museus. A criação de museus está relacionada com a democracia.”
Nos estados, a situação é de penúria. O principal motivo é burocrático: os marcos legais foram colocados de lado. “No Tocantins, pedi remoção da cultura. Sou a única museóloga no estado e não aguentei o descaso e incompetência da gestão atual”, afirma Liliane Bispo.

No Rio, está estagnada a nova sede do Museu da Imagem e do Som. Com cerca de 70% da construção pronta, as obras estão paradas desde setembro, sem previsão de avançar. Orçado em 138 milhões de reais, o museu é estadual e foi engolido pela crise do governo de Luiz Fernando Pezão. O Rio, embora viva a euforia midiática em torno do Museu do Amanhã, possui diversas casas fechadas, como o Museu do Primeiro Reinado, antigo Solar da Marquesa de Santos (pertencente à Uerj).
O melhor período para os museus foi o da gestão do ministro Gilberto Gil, que sabia, com humildade, ouvir os técnicos de sua pasta. Com sua saída, tudo começou a ruir, ainda no governo Dilma”, diz a museóloga Telma Lasmar. “No que concerne ao Rio, podemos afirmar que a bancarrota foi obra do governador Sérgio Cabral e da secretária de cultura Adriana Rattes.”

Em poucos meses, o Brasil foi do céu ao inferno na política museológica. Doze instituições foram fechadas em 2016. O elogiado programa Conhecendo Museus, parceria entre o Ibram e a EBC, produziu mais de 140 capítulos para TVs públicas entre 2010 e 2014 e foi interrompido.

Entre os museus na fila para obter a declaração de interesse público estão o Museu Emilio Goeldi, de Belém (PA), Museu Casa de Chico Mendes, de Xapuri (AC), Museu Nacional do Mar, de São Francisco do Sul (SC), Museu do Gonzagão, de Exu (PE), Museu da Maré, do Rio, Museu Casa de Cora Coralina, de Goiás (GO), Museu Bispo do Rosário, do Rio, e Museu do Futebol, de São Paulo.
Em 2016, o Fórum Nacional de Museus (instância de debate e definição de estratégias públicas) foi adiado pela primeira vez desde sua criação. Acontecerá em Porto Alegre (RS), uma das piores gestões culturais do País no momento, com instituições à míngua ou fechando.

Mas, mesmo num cenário de abandono, surgem focos de luta. Entre o vaivém incessante pelas favelas do Rio, na pressa em subir e descer os morros, a museologia social resiste a despeito da falta de recursos. Com 26 grafites pintados nos muros das casas que emolduram a vida da comunidade, o Museu de Favela, no complexo Pavão-Pavãozinho-Cantagalo, orgulhosamente se apresenta como o primeiro circuito de arte a céu aberto do Brasil.
A arte ali se dispersa entre corredores estreitos e labirínticos, na vida dos moradores. A janela de uma casa dá de frente para a porta do vizinho. Em uma, a tevê está no volume máximo e na outra toca funk, música evangélica ou sertanejo. O tráfico só é perceptível pelos muitos jovens de walkie-talkies na mão.



No Pavão-Pavãozinho-Cantagalo, os moradores compraram a ideia de resistir pela arte. Tudo começou em 2008. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) chegaria para cinco complexos de favelas cariocas. Encravar um posto policial era o objetivo principal, mas o governo percebeu que seria preciso construir e melhorar equipamentos públicos, como escolas e quadras esportivas. Outra proposta era dar cursos profissionalizantes, como de garçons, confeiteiros e cuidadores de idosos. Foi aí que um grupo de moradores protestou contra essa tutelagem.

“Foi preciso bater de frente para fazer o que era certo”, lembra o ativista cultural Carlos Acme, de 38 anos, grafiteiro com obras já expostas no MAC de Niterói, no Museu da República e em galerias do Rio. “O museu traz o conhecimento do dia a dia, a realidade de luta e resistência. Queremos contar as histórias de sobrevivência, como as de falta de luz e da lata d’água na cabeça”, diz o artista, que mora no Pavão, estudou belas-artes por conta própria, inspira-se em mestres como Picasso, Van Gogh, Rembrandt e Monet e tem ciência de que o grafite é “totalmente desconfortável e incomodável”.
O surgimento do Museu de Favela não é obra do acaso, mas fruto de uma ação da gestão de Gilberto Gil. Foi o músico baiano que fez acontecer o Programa Pontos de Memória, que, em parceria com o Ibram, deu oportunidade para que as comunidades expusessem suas próprias narrativas. Em 2009, 12 iniciativas espalhadas pelo Brasil foram contempladas pelo programa, entre eles o Museu de Favela. E, enfim, o termo museologia social passava a fazer parte do vocabulário das artes.

“É uma museologia feita de baixo para cima, que lida com a memória em favor da emancipação do cidadão e de que ele seja protagonista de sua prática”, explica Mário Chagas, coordenador técnico do Museu da República e professor da UniRio. O especialista em museologia social lembra que novos museus foram sendo criados por comunidades carentes, grupos LGBT, indígenas e minorias raciais.

“Um museu feito pela população dá mais visibilidade e empoderamento para a comunidade local.”
Chagas elenca alguns exemplos para mostrar a força da arte comunitária: Rede de Museus Comunitários e Indígenas (Ceará), Museu da Periferia (Paraná), Museu de Quilombos e Favelas Urbanas (Minas Gerais), Ponto de Memória Jacinthinho (Alagoas), Museu da Beira da Linha do Coque (Pernambuco), Museus de Favela e da Maré (Rio).

E, ao contrário de um museu tradicional, que tem a premissa de ser um local duradouro, a museologia social é composta de instituições que podem existir durante períodos mais curtos. Um exemplo é o Museu das Remoções, no Rio, que foi montado para denunciar a retirada de famílias na Vila do Autódromo pelas obras das Olimpíadas.
Na zona norte do Rio, o pioneiro Museu da Maré vive a realidade da falta de recursos para manter suas atividades. Ameaçado de despejo desde 2014, por ocupar um imóvel particular, perdeu neste ano o apoio de uma empresa e conta com recursos até junho. Fundada em 2006, a entidade tornou-se referência para os moradores da favela e um local de visitação para pesquisadores e estudantes.

O Museu da Maré chegou a ganhar editais de cultura, cujos recursos foram destinados a manter o espaço, pagar os funcionários e patrocinar espetáculos e oficinas artísticas. “Não consigo mais verba para fazer e dar continuidade aos projetos”, desabafa o fundador e diretor, Luiz Antonio de Oliveira. “Surgimos para dizer que há outras formas de ver a memória, olhando a base e o território e suscitando esse debate. Obviamente, não vamos mudar o mundo, nem uma estrutura que incentiva a criação de Museus do Amanhã, cuja preocupação de trabalhar com seu entorno serve, no fundo, para instituir o turismo.” A bocarra está aberta e não é à toa. •

CARTA CAPITAL março de 2017

April 20, 2017

Projeto de lei quer liberar caça de animais selvagens no país


GIULIANA MIRANDA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA




Um projeto de lei que pretende regulamentar a caça de animais silvestres, proibida em todo o território nacional desde 1967, vem despertando protestos de ambientalistas

Pela proposta, a atividade seria permitida em uma série de situações para caçadores registrados junto às autoridades ambientais. Seria possível, inclusive, a criação de reservas privadas para a prática de caça desportiva.

O autor do projeto de lei 6268/16, o deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC), diz que as mudanças são justificadas pelo perigo de animais invasores para as pessoas e para a agropecuária do Brasil.
 
 

April 19, 2017

Em meio à crise, governo Temer aumenta investimento militar em 36%


IGOR GIELOW
DE SÃO PAULO
GUSTAVO PATU




O governo Michel Temer (PMDB) retomou os investimentos militares, que haviam sofrido um duro corte durante o último ano de Dilma Rousseff (PT) no poder. Em 2016, foram pagos 36% a mais do que em 2015 no setor.

Sob intensa pressão institucional desde que assumiu o governo na esteira do processo de impeachment de Dilma, o peemedebista usou a tradicional arma do Orçamento para manter boas relações com os militares.

Dados de execução orçamentária do sistema Siga Brasil, do Senado, mostram que em 2015 a tesoura do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, atingiu em cheio o investimento na área.

Dos R$ 11,9 bilhões previstos para serem gastos na área, R$ 6,73 bilhões foram liberados, incluindo aí os chamados restos a pagar –valores referentes a anos anteriores.

No fim de 2016, o valor subiu para R$ 9,15 bilhões –R$ 1,85 bilhão a mais do que estava previsto no Orçamento. A previsão para 2017 é ainda maior: R$ 9,7 bilhões, mas segundo o ministro Raul Jungmann (Defesa) esse número deverá sofrer algum corte.

Sua pasta é o segundo ministério em investimentos. A campeã, Transportes, foi afetada em 2015, mas recompôs sua capacidade com R$ 10,5 bilhões gastos em 2016.

Já a terceira colocada, a Educação, continua no nível do ano do corte, o que reflete a revisão da política de expansão de gastos no setor sob Dilma, alvo de críticas de gestão. A pasta só teve R$ 5,7 bilhões dos R$ 13,8 bilhões previstos para 2015 pagos e assim permaneceu em 2016.

Apesar do surgimento de grupos que pregam intervenção militar como solução para a crise política, a demanda não encontra nenhum eco nos comandos.

Ainda assim, chamou atenção recente entrevista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, ao jornal "Valor Econômico", no qual rechaçava a intervenção como antes, mas em que dizia que o "país está à deriva".

INVESTIMENTOS
 
Com capacidades limitadas de defesa, cada Força faz suas apostas centrais.

A Marinha investe no programa de submarinos convencionais e nuclear. Em 2015, a rubrica de fabricação de quatro modelos diesel-elétricos recebeu só R$ 35 milhões dos R$ 294 milhões planejados, sendo "salva" pelos restos a pagar de outros anos.

Como agravante, a construção dos estaleiro e base em Itaguaí (RJ) pela Odebrecht é investigada na Lava Jato.

Na Força Aérea, os focos são os caças suecos Gripen e a fabricação do cargueiro e avião-tanque KC-390, da Embraer. Este último só recebeu pouco mais de 10% do previsto em 2015 e sofreu atrasos em seu cronograma, mas em 2016 ficou com quase o dobro da verba inicial: R$ 816 milhões.
o Exército investe no programa de proteção de fronteiras e na troca da sua frota de blindados pelo modelo Guarani.

Os números, todos corrigidos pela inflação (IPCA), se referem apenas aos programas das três Forças. O gasto total do Ministério da Defesa em 2016 foi de R$ 87,6 bilhões, equivalentes a 1,4% do PIB (Produto Interno Bruto), número que vem se mantendo estável há duas décadas.

O grosso do dinheiro (73,7%) vai para pessoal. A segunda maior despesa é custeio, 13,6%, enquanto investimentos somam 10,4%.

O orçamento militar brasileiro, em termos nominais, é mais de 20 vezes menor do que o maior do mundo, o americano. Não chega à metade só do aumento prometido por Donald Trump para o setor nos Estados Unidos.

Lá, em 2015 cerca de 25% dos US$ 600 bilhões gastos foi para pessoal e 16%, para investimentos. As operações que mantêm o país como maior potência bélica consomem mais de 40% das verbas.

'LÉGUAS'
 
Para o ministro Raul Jungmann, as Forças Armadas brasileiras ainda estão a "léguas" do nível adequado de investimento. E, apesar da retomada de 2016, pode haver algum corte neste ano. "O contingenciamento poderá ocorrer, está sendo discutido", diz.

"Houve uma recomposição, na qual trabalhamos, mas ainda falta muito para voltarmos ao pico do começo da década de 2010", afirmou o ministro.

Naqueles anos começaram a entrar em vigor os programas do acordo militar Brasil-França de 2009, o maior do gênero da história brasileira, que assegurou a montagem de 50 helicópteros de transporte e a instalação do programa de submarinos.

"Depois, [o investimento] só caiu, levando ao risco de canibalização dos programas nas Forças", diz.

folha de são paulo


April 18, 2017

The continuous war of Donald Trump


By Tim Wu, www.nytimes.c


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  • Credit Robert Beatty 

    It is impossible not to watch: Every day of the Trump administration seemingly brings another plot twist, a new initiative, outlandish attack or bizarre reversal. Not since wartime has news been so riveting — and with the president fighting so many “enemies,” it is actually not unlike war coverage. The nonstop media coverage cannot be faulted for being uncritical: It is, instead, a detailed assessment of the wins and losses of a wild presidency. Yet is it possible that the media, and many viewers, are using the wrong metrics of success? 

    Traditionally, politicians have measured “success” or “failure” by public approval or the achievement of political goals. But these may be the wrong ways to assess a president who, in his heart, seems interested in a different metric: attention, or less colloquially, “mindshare.” While he may prefer winning to losing, he can still win by losing. For what really matters are the contests themselves — the creation of an absorbing spectacle that dominates headlines, grabs audiences and creates a world in which every conversation revolves around Mr. Trump and his doings. By this standard, Mr. Trump is not just winning, but crushing it.

    A centerpiece is the media strategy of “continual warfare” that has characterized the presidency. Since assuming office, Mr. Trump has waged war on intelligence agencies, immigrants from Muslim countries, the federal judiciary, “professional protesters,” Barack Obama, Mexico, Australia and, above all, the media, the very “enemy of the people.” Every politician picks fights. But by any traditional measure it would be folly to pick so many fights at once, and those battles have already yielded some spectacular defeats that have cheered his opponents. Yet the warfare makes sense in so far as it gives the president what he really wants: a role in which he can fully employ his naturally abrasive energies to generate a riveting spectacle. As George Orwell put it, “It is necessary that the war should continue everlastingly and without victory.”

    Beyond the combat, another key to the addictive nature of Trump-news is its unpredictable, erratic nature. A single day might include some random attacks, followed by a surprise policy reversal, like Tuesday’s promised compromise on undocumented immigrants, followed immediately by something shockingly normal, like his scripted address to Congress, which, illogically and unexpectedly, made no reference whatsoever to the earlier proposal. These kinds of random and rambling sequences create what behavioral scientists call a “variable reward schedule,” a key addictive ingredient in things like slot machines, social media and the Kardashian family. You don’t have to like it to get hooked, and the result is to keep the whole country, and much of the world, entranced, as if to a disco tune that has implanted itself in the global consciousness and will not go away. Indeed, a good sign that Mr. Trump is winning by his own terms is just how many of your private conversations somehow turn to him, compelled by the irresistible force of addictive media.

    If Mr. Trump is winning the contest for mindshare, the more important question is whether he’s really winning — whether the fixation on attention is an astute assessment of where the real power lies in our times, or just the superficial and maybe uncontrollable pursuit of attention for its own sake. One possibility is that, for this presidency, whether anything is actually “accomplished” will end up being entirely beside the point. One doesn’t ask whether an episode of “The Oprah Winfrey Show” or a season of “Survivor” accomplished anything. After four (or maybe two, or maybe eight) years of riveting developments and a blowout finale, the administration will be gone, leaving little in its wake, beyond the memories, occasional cast reunions and “where are they now” columns. The careless execution of some of the early initiatives supports the idea that this president views the trouble of actually following through as inessential. “Victory” can always be claimed anyhow, especially when facts are just props, deployed for dramatic effect.

    But alternatively, and as painful as it may be to admit, the strategy may actually be a winning media strategy in 2017. Outsiders may think that the White House gets all the attention it wants, but even the Executive Office faces tough competition when trying to reach a highly distracted citizenry. Gone are the days where the president could turn to the radio for a fireside chat and expect, as Franklin Roosevelt did, 60 million listeners. President Obama also delivered a weekly radio address — but most radio stations declined to carry it, and online it clocked fewer clicks than some viral cat photos. 

    While Mr. Obama’s big televised speeches were widely watched, many of his policy initiatives were poorly covered, being worthy but not particularly newsworthy. Barack Obama was a celebrity, but by contemporary media standards, just too well mannered and predictable to grab huge attention.
    Mr. Trump, to state the obvious, does not have that problem. Indeed, he has demonstrated that he can hold a news conference consisting of little more than shouting at his enemies for an hour and still dominate national headlines. Consequently, the Trump circus — thanks largely to Twitter and intense media coverage — has more of the nation paying more attention to the president than at any time in decades, and maybe since Roosevelt himself. The achievement is even more impressive given that Roosevelt had a built-in advantage: He was battling the Great Depression, then the Third Reich and the Japanese empire. Mr. Trump somehow draws similar attention fighting “bad hombres” from Mexico, immigrants from places like Sudan and Somalia and CNN.

    While Mr. Trump’s methods are of our time, the goal of dominating mindshare is a classic strategy of influence, because the sheer volume of messaging allows the leader to transform minds, construct alternative realities and begin changing the rules of the game itself. As the philosopher Jacques Ellul wrote of propaganda, to be effective, it needs to be “total,” meaning that as much of the population as possible must be continuously exposed. Though we don’t have a state-run media, we do live in a society in which the president’s face and messages are sufficiently omnipresent to give Mao or Lenin a run for their money. When is the last time you went a day without seeing the “great leader”?

    While the strategy — like an annoying advertisement — may be surprisingly effective, it may also hint at this president’s greatest weakness. If Mr. Trump is immune to ordinary defeats or criticism, he does, of course, have a desperate fear of being ignored. As the presidency progresses it may prove as much a slave to the ratings as any TV network. So if the public is bored by the Affordable Care Act (without Mr. Obama, there’s no “opponent”), might Mr. Trump lose interest and start a new battle somewhere else?

    Being hitched to the twin necessities of constant warfare and the public’s limited attention span may yield a series of unfinished projects that ultimately amount to little. It also suggests that Mr. Trump’s eventual downfall may be less like Richard Nixon’s than Paris Hilton’s. To live by attention is to die by it as well, and he may end up less a victim of political defeat than of waning interest, the final fate of every act.

    April 16, 2017

    When Japan Had a Third Gender


     
    Credit Royal Ontario Museum; Photo: Hiroko Masuike/The New York Times 



    An original perspective picture of the Great Gateway and Nakano-cho in the Shin Yoshiwara, (1730s–1740s), by Okumura Masanobu. The work is part of “A Third Gender: Beautiful Youths in Japanese Prints,” at the Japan Society.
     

    A figure in a translucent kimono coyly holds a fan. Another arranges an iris in a vase. Are they men or women?
    As a mind-bending exhibition that opened Friday at the Japan Society illustrates, they are what scholars call a third gender — adolescent males seen as the height of beauty in early modern Japan who were sexually available to both men and women. Known as wakashu, they are one of several examples in the show that reveal how elastic the ideas of gender were before Japan adopted Western sexual mores in the late 1800s.
    The show, “A Third Gender: Beautiful Youths in Japanese Prints,” arrives at a time of ferment about gender roles in the United States and abroad. Bathroom rights for transgender people have become a cultural flash point. The notion of “gender fluidity” — that it’s not necessary to identify as either male or female, that gender can be expressed as a continuum — is roiling traditional definitions.
    Credit Royal Ontario Museum; Photo: Hiroko Masuike/The New York Times 

    “This brings us back to history to think about the present and the future,” said Asato Ikeda, an assistant professor of art history at Fordham University and the guest curator of the exhibition, which covers the Edo period from 1603 to 1868.
    She said that like other societies in the past and present — the hijra in India; the “two-spirit people in some American indigenous cultures — the diversity in gender definitions and sexual practices in Edo Japan challenges modern notions that male and female are clear either-or identities.
    The art on display shows how many permutations were acceptable in Edo society: men or women in liaisons with the adolescent wakashu; female geisha dressing like wakashu and engaging in rough sex; male prostitutes cross-dressing as women; men impersonating women on the Kabuki stage, a tradition that lasts to this day; and even a male Kabuki actor impersonating a woman who pretends at one point to be a man.
    Credit Royal Ontario Museum; Photo: Hiroko Masuike/The New York Times 

    That suggests, Professor Ikeda said, that some blurring of gender identity was deliberate, playful and often arousing, since the prints were relatively inexpensive and widely circulated, some as erotica.
    The wakashu are a case in point. The term describes the time a male reaches puberty and his head is partly shaved, with a triangle-shaped cut above the forelocks that is a telltale way to identify wakashu. During this stage of life only, before full-fledged adulthood, it was socially permissible to have sex with either men or women.
    In the prints, the wakashu are presented as beautiful and desirable, sometimes practicing what were seen at the time as feminine arts like flower-arranging or playing the samisen. Like unmarried women, wakashu who belonged to the samurai class could wear the long-sleeved kimono known as furisode. In several prints, you have to look closely to find the shaved triangle in the hair, or spot a sword tucked in a samurai wakashu’s sash (or, in the erotic woodblocks, to see the genitals on display), to differentiate between the wakashu and the women pictured near them.





    In some cases, there are sly literary allusions that deliberately transpose gender. These prints depict episodes from classical literature, or Buddhist and Confucian traditions, but flip the genders of the main characters, or recast the men as wakashu.
    Credit Royal Ontario Museum; Photo: Hiroko Masuike/The New York Times 

    The art in the exhibition ranges from lively snapshots of daily life to uninhibited portrayals of desire. A screen shows several wakashu surrounding a Buddhist monk, teasingly holding down his hands, plying him with alcohol and tickling his feet, suggesting foreplay before male-male sex. A young woman passes a love note to her wakashu lover behind the back of an older artist who is signing his name to a painting. A wakashu dreams of sex with a famous prostitute, while another woman tenderly covers him with a jacket.
    Several prints reflect Edo society’s strict hierarchy of class and age, one reason the curators caution it is misleading to compare gender norms directly to the present day. The Edo period was one of relative peace in Japan, following many years of war between competing samurai. It was also marked by nearly complete isolation from the West. That is one reason it may have offered space for sexual experimentation, but only within certain bounds.
    Credit Royal Ontario Museum; Photo: Hiroko Masuike/The New York Times 

    Any hint of adult male-male sex was confined to outcast groups such as Kabuki actors, said Michael Chagnon, the curator of exhibit interpretation at the Japan Society, although homosexuality was practiced among samurai for centuries and commercialized during the Edo period. Men are usually in charge, both in pursuit of sexual partners and in sexual positions, except for experienced women who pursue younger wakashu. There is virtually no depiction of lesbianism, since women were not granted the sexual freedoms men were. The only print showing two naked women is ambiguous, with art historians uncertain whether it suggests mutual desire. Older men have sex with younger wakashu.
    The exhibition raises and confronts questions of pederasty or exploitation, given that wakashu were sexually available after puberty, younger than would now be considered the age of consent. The curators consulted social workers and lawyers during the original exhibit, held at the Royal Ontario Museum in Toronto, to make sure the work was not considered child pornography.
    Mr. Chagnon said marriages and sexual liaisons took place at an earlier age than the present day, partly because people died so much younger, often by their late 30s. The notion of age of consent did not exist in Edo Japan, he said, and was imported later.
    Credit Royal Ontario Museum; Photo: Hiroko Masuike/The New York Times 

    The Edo period ended after Japan was humiliated by demands from a militarily superior West – the black ships of Commodore Perry wrested concessions from a country that had once confined Western traders to offshore islands. And it was then in the late 1860s, as Japan rushed to adopt Western technology and forms of government, that it also imported more rigid Western notions of gender and permissible sexual expression. The tradition of wakashu ended. Homosexuality was outlawed for a time.
    Same-sex marriage is not legal in Japan today, although it was debated in the legislature in 2015 and some cities have allowed partnership certificates for same-sex couples. A gay subculture flourishes, with many artists playfully shifting and layering identities, mainly through the internet. But gay men are generally expected to marry women and produce children, fulfilling social expectations while conducting their sexual lives discreetly.
    In an uncanny echo of the past, some Japanese men today, known as “genderless danshi,” are once again blurring lines, dressing androgynously, using makeup or wearing clothes typically seen as feminine.
    “Even though we have this rich tradition of gender, prints like these are not found in our textbooks,” said Professor Ikeda, who grew up in Japan. “We don’t do these kinds of exhibitions in Japan.”
    It is one of the many reflections on contemporary society that this provocative exhibition raises. Walking through it is a reckoning with categories, definitions and how they resonate in societies still uncertain about whether lines between genders should be bent or blurred.

    April 14, 2017

    You Must Remember This: Why We Return to ‘Casablanca’ and ‘High Noon’



    Humphrey Bogart as Rick in “Casablanca.” Credit Warner Bros., via Photofest Foto de: Warner Bros., via Photofest

    WE’LL ALWAYS HAVE CASABLANCA
    The Life, Legend, and Afterlife of Hollywood’s Most Beloved Movie
    By Noah Isenberg
    Illustrated. 334 pp. W.W. Norton & Company. $27.95.

    HIGH NOON
    The Hollywood Blacklist and the Making of an American Classic
    By Glenn Frankel
    Illustrated. 379 pp. Bloomsbury. $28.

    It’s a strange but serendipitous coincidence that two books devoted to Hollywood classics, “Casablanca” and “High Noon,” are being published at the same time. The films, released a scant 10 years apart in 1942 and 1952 respectively, are perfect bookends, spot-on reflections of the times in which they were made, and therefore dramatically different. And in the era of the Trump presidency, these books are charged by an immediacy they otherwise might not enjoy.

    “Casablanca” arrived just short of a year after the United States declared war on Germany. In it, Humphrey Bogart’s Rick Blaine, whose mantra is “I stick my neck out for nobody,” famously does just that, shrugging off the neutrality that had been American policy until Pearl Harbor, and helping his former flame Ingrid Bergman and the Czech resistance hero Paul Henreid escape the Nazis. The film also includes a memorably inspirational episode of collective defiance, as the refugees, con men and adventurers in Rick’s place join in a rousing rendition of the “Marseillaise,” drowning out German officers who are singing “Die Wacht am Rhein.”

    “High Noon,” on the other hand, is a profile in collective cowardice. The United States was in the grip of the Red Scare, and the marshal, Will Kane (Gary Cooper), can’t find a single good man in the dusty Western town of Hadleyville to help him confront the Miller brothers and their gang, who have sworn to kill him. Coop prevails, naturally, but his triumph fails to dispel the toxic fog of betrayal and disillusion that shrouds the story.


    “We’ll Always Have Casablanca” was written by Noah Isenberg, the director of screen studies at the New School, and probably best known for a biography of Edgar G. Ulmer, a B-film director much beloved by cineastes. Here, Isenberg gives us the soup-to-nuts on “Casablanca,” dutifully making his way through script, casting, production and reception, to the inevitable squabbling over credit, all the while trying to account for its enduring popularity.

    “Casablanca” was rooted in a trip that the aspiring playwright Murray Burnett and his wife took to Vienna in the summer of 1938, just after they were married. Austria had overwhelmingly voted to serve itself up to the German Anschluss that March, and was busy implementing the notorious Nuremberg Laws. Burnett quickly discovered that it was not the best place for Jews on their honeymoon. But getting out of Vienna was considerably harder than getting in, especially since Burnett, wearing diamond rings on every finger, and his wife, wearing a fur coat in August, were smuggling out valuables belonging to relatives. When they reached the South of France, they stopped at a cafe full of refugees and army officers. Burnett said to his wife, “What a setting for a play.”
    Burnett developed his play with his writing partner, Joan Alison, but could not get it produced. He did, however, manage to sell it to Warner Brothers, generally known for its progressive pictures, and in particular a series of anti-Nazi films like “Confessions of a Nazi Spy,” released in 1939, when other studios were still trying to protect their German assets.

    Nobody involved with “Casablanca” had high expectations for the picture, although it was written by the colorful Epstein twins, Julius and Philip, and Howard Koch. The Epsteins were widely admired for their witty dialogue, on and off screen. Of the film, Julius once said, “There wasn’t one moment of reality in ‘Casablanca.’ We weren’t making art. We were making a living.” Nevertheless, when it was released, it became an instant hit, and won three Oscars, including best picture. It’s all in Isenberg’s account, and “Casablanca” fans will find it to be a treasure trove of facts and anecdotes.


    “High Noon” is a far deeper dig into the background and historical context of its subject; that is, the sorry history of the blacklist, instituted by the studios after the House Un-American Activities Committee (HUAC) put a gun to their collective heads in 1947.

    Despite the voluminous literature on the subject, surprisingly little has been written about “High Noon.” For many years, Billy Wilder’s unfriendly words about the so-called Unfriendly Ten who refused to answer questions before HUAC — “Only two of them have talent. The rest are just unfriendly” — passed for the conventional wisdom. Even though Carl Foreman, who hatched the story and wrote the script, had more — and better — credits than most of his blacklisted confreres, unlike them he didn’t live to finish writing his memoirs. The director, Fred Zinnemann, never made it into the film critic Andrew Sarris’s famous Pantheon, and the producer, Stanley Kramer, was condescended to by intellectuals for his message movies.

    Glenn Frankel comes to his subject with a widely praised book about John Ford’s “The Searchers” and an impressive résumé in journalism, including a Pulitzer Prize. Although much of Frankel’s material is familiar, the blacklist is a gift that keeps on giving. There always seems to be something new to chew on, in this case the transcripts of HUAC’s secret executive sessions. Besides, it’s a story that bears retelling because Hollywood, not to mention the rest of the country, is haunted by ghosts that won’t go away (witness Newt Gingrich’s recent call for a resurrection of HUAC, now to be wielded against ISIS, not Communists).

    Gary Cooper and Grace Kelly in “High Noon.” Credit Everett Collection Foto de: Everett Collection
    At first HUAC was considered something of a joke, but as time passed, the committee’s antics became more scary than risible. Like much of the Hollywood left, Humphrey Bogart supported the 19 “unfriendly” screenwriters initially called before the committee. He had backed Franklin Roosevelt in his 1944 presidential campaign, and when he was attacked by the right, he struck a defiant note in The Saturday Evening Post. Alluding to his role in “Casablanca,” he wrote, “I’m going to keep right on sticking my neck out, without worrying about its possible effect upon my career.” But a brief three years later, when the right turned up the heat, he published an abject apologia in Photoplay magazine entitled, “I’m No Communist,” in which he distanced himself from the Ten. Likewise, Jack Warner, whose studio had invented the anti-fascist genre, gave HUAC the names of 16 screenwriters, including those of the Epstein twins, of whom he said, “Those boys are always on the side of the underdog.” Foreman didn’t intend his script to be the blacklist parable it became, but as he watched his friends fall around him, it was almost inevitable. Foreman felt like the Gary Cooper character. He regarded “High Noon” as a picture about “conscience” versus “compromise.”

    Surprisingly, it is Gary Cooper, a card-carrying conservative, who emerges as one of the few heroes of this story. Called before HUAC in the middle of production, Foreman gave his star the opportunity to leave the picture — guilt by association was de rigueur in those days — but Cooper refused. Foreman declined to name names, and Kramer fired him. In “Casablanca,” the so-called refugee trail led from Europe to America. During the witch hunt years, it went the other way. Moving to London, Foreman said goodbye to his country, his livelihood and, eventually, his marriage. Cooper tried to help him by buying stock in his new company, but bullied by the likes of John Wayne and Hedda Hopper, he eventually pulled out, albeit cordially. If Foreman had thought that art was imitating life in “High Noon,” once Cooper caved it seemed clear that at least in his life, unlike Marshal Will Kane’s, there were no happy endings.

    Frankel narrates this story well. He has a sure ear for the telling anecdote, and a good eye for detail. (Parnell Thomas chaired the HUAC hearings sitting on a phone book covered by a red cushion to compensate for his diminutive stature.) The era has been labeled “the plague years,” but Frankel is forgiving of those caught up in its tangle of principle and expediency, courage and cowardice. He adopts the verdict of Dalton Trumbo, another of the Unfriendly Ten: “There were only victims.”

    Correction: March 19, 2017
    A review on March 5 about Noah Isenberg’s “We’ll Always Have Casablanca” and Glenn Frankel’s “High Noon” misstated the constitutional amendment under which the so-called Unfriendly Ten refused to answer questions before the House Un-American Activities Committee during its investigation of the Hollywood film industry in 1947. The 10 maintained that they were entitled to remain silent under the terms of the First Amendment, not the Fifth. (Their interpretation of the First Amendment was rejected in court, and they were cited for contempt of Congress.)

    Por que assistir a 13 reasons why


    Flávia Oliveira


    ‘13 reasons why’ força o debate sobre o-que-se-passa-com-nossa-juventude e famílias desconhecem

    Poucas cenas de cinema ou TV foram, simultaneamente, mais tristes, perturbadoras, dolorosas, inconvenientes e pedagógicas que a sequência do suicídio de Hannah Baker, papel de Katherine Langford na série “13 reasons why”. Assunto da vez do Netflix, a produção se baseia no best-seller “Os 13 porquês”, de Jay Asher, obra carregada das dores da adolescência e seus efeitos numa jovem que ninguém do círculo de convivência quis ou foi capaz de reconhecer como frágil, solitária e/ou mentalmente transtornada. A narrativa é escancarada. Enfileira episódios de bullying, violação de privacidade, violência de gênero, LGBTfobia, estupro cometidos por alunos de uma escola de nível médio dos EUA. Assim, força o debate sobre o-que-se-passa-com-nossa-juventude e pais, amigos, educadores desconhecem.

    “13 reasons why” é série para ser vista e discutida na mesa de jantar e na sala de aula. É útil porque explicita situações que adolescentes de todas as gerações já experimentaram como vítimas ou algozes. Não por acaso, os personagens do século XXI desfilam com referências do passado: jaqueta de couro, fita cassete, gilete. É difícil que alguém no planeta tenha chegado à vida adulta sem enfrentar, testemunhar ou tomar conhecimento de ao menos uma das situações apresentadas nos 13 episódios. No Brasil, 15% dos meninos e meninas de 15 a 17 anos estão fora da escola. A convivência hostil com os colegas pode estar entre os motivos.

    Embora o Netflix tenha preferido abordar o bullying na ação de lançamento no Brasil, foi o suicídio de Hannah que dividiu audiência e especialistas, tanto aqui quanto nos Estados Unidos. Lá é a terceira causa de morte de jovens. Adolescentes são grupo de risco, porque transtornos como depressão, bipolaridade, esquizofrenia ou uso abusivo de drogas costumam se manifestar nessa época da vida, explica o psiquiatra Antonio Egidio Nardi, professor da UFRJ: “É um período de alta vulnerabilidade. O melhor a fazer é debater abertamente”.

    Houve quem criticasse a série pelo efeito contágio, com base em casos emblemáticos da literatura (“Os sofrimentos do jovem Werther”, de Goethe, é o exemplo mais famoso) e do mundo das celebridades (Marilyn Monroe, Kurt Cobain, Robin Williams), que, mal abordados, desencadearam outros atentados contra a própria vida. Alguns denunciaram difusão do método, apologia ou idealização do ato. Semanas atrás, num curso on-line para jornalistas, a Organização Pan-Americana de Saúde apresentou um rol de recomendações à cobertura midiática de suicídios. Não tratar como heroísmo, não detalhar método ou local, não romantizar estão entre as sugestões.

    A crueza com que o suicídio de Hannah é exibido — a quem conseguiu ficar de olhos abertos durante a cena — não tem como ser interpretada como apologia. A dor física e o sofrimento mental da jovem são evidentes; a reação dos pais, devastadora. Não à toa, as ligações para o CVV (número 141) dispararam no país desde a estreia da série. “13 reasons why” acerta ao apresentar a agonia dos que ficam. Um suicídio afeta pelo menos outras seis pessoas de convívio direto com o autor. Quem se mata não sabe disso; quem pensa em se matar deve saber. “O trauma é insuperável. A compreensão do sofrimento da família costuma ajudar na prevenção”, completa o psiquiatra Nardi.

    “13 reasons why” peca por não tratar explicitamente da depressão aguda da protagonista; em 97% dos casos os suicidas tinham quadro psiquiátrico diagnosticado, informa Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação dos Psiquiatras da América Latina (Apal) e diretor-tesoureiro da Associação Brasileira de Psquiatria (ABP). Não traz diálogos sobre como o desfecho pode ser evitado, tampouco informa que raramente a morte vem na primeira tentativa. Assim, a rede de proteção costuma ter tempo para agir. A sociedade foi preparada para identificar e atender males físicos — ao menor sinal de febre, a escola aciona a família — mas não aprendeu a lidar com as dores da alma. Se a série abrir as janelas desse ensinamento, terá valido a pena.

    Uerj, ainda e sempre


    Fred Coelho

    Não se destrói a força de uma universidade e de seus profissionais impunemente

    O tema desta coluna é repetido. E é justamente sua repetição que precisa envergonhar a todos nós. A permanente destruição do estado do Rio de Janeiro pelos seus administradores continua deixando milhares de pessoas com seus salários e suas aposentadorias divididos em parcelas indecentes. A situação dramática de vidas pelas ruas fluminenses é imensurável. O que vem acontecendo nos últimos meses não é um simples erro de contabilidade, uma burrice orçamentária ou um “acidente” (no linguajar do atual ocupante do Planalto).

    Duas situações escandalosas e ilustrativas ocorrem lado a lado e com a mesma origem: o governo estadual. De um lado, inacreditavelmente, uma das maiores universidades do país segue sendo esvaziada em sua potência, exaurida em sua capacidade de luta, abandonada em sua infraestrutura. O que vem ocorrendo com a Uerj é inaceitável em qualquer lugar, mas principalmente em um país cujos fatos recentes chocam pelo grau de brutalidade, violência, desprezo pela vida e pelo pensamento crítico. Destruir uma universidade é destruir um país. É como inserir no organismo social uma espécie de vírus inoculado cujo resultado futuro será uma metástase terminal. Ainda se faz necessário lembrar que a Uerj é fundamental para a população carioca e fluminense, desde suas salas de aula preenchidas por professores que apostaram na educação pública e gratuita como missão de vida, até seus hospitais, ginásios, teatros, serviços e uma série de funções que uma universidade como ela oferece. 

    Do outro lado da rua, o Maracanã e sua inacreditável saga de incompetência e corrupção em cima de um dos espaços mais emblemáticos do futebol mundial. Qualquer administração minimamente voltada para o bem público e com a força de um esporte de massa como esse teria feito do estádio um epicentro de vida, como foi aliás por longos anos nas décadas de 1960 até meados dos anos 1990. Atualmente, além de reformas infinitas e repetidas, o custo absurdo de R$1,3 bilhão gastos para a Olimpíada e o seu estado atual de precariedade prestes a se iniciar o campeonato carioca é mais do que um escárnio com a população. Todos sabem que quando as famosas delações das empreiteiras forem reveladas, a respeito das obras do estádio, veremos alguns nomes que já estão presos e outros ainda em com canetas em punho. 

    E não podemos jamais nos esquecer de que foi ali, em 2013, por conta da Aldeia Maracanã (antigo Museu do Índio) e da tentativa no mínimo lamentável de acabarem com a Escola Municipal Friedenreich que o Rio de Janeiro riscou um dos fósforos dos protestos populares que marcariam o resto do ano no país. Hoje, após a promessa de uma reforma e sua transformação no Centro de Referência da Cultura Indígena, o prédio do antigo museu continua abandonado. Já a escola, que seria derrubada para fazer um estacionamento, foi a melhor colocada no Ideb das escolas públicas da cidade para os anos iniciais do ensino fundamental. Abandono e superação, duas palavras que caminham juntas demais para o carioca nesse momento. 

    É portanto emblemático que o Maracanã seja em frente à Uerj e perto da Aldeia Maracanã. Outrora espaço intenso na cidade, a imensidão em frente à Mangueira, perto da Quinta da Boa Vista e da Praça da Bandeira, hoje é um grande vazio. A situação calamitosa da universidade atravessou todo o ano de 2016 e, mesmo assim, os professores deliberaram internamente a oscilação entre a greve como direito legítimo mediante o não recebimento dos vencimentos, as ocupações por parte dos alunos e o cumprimento dos períodos, mesmo com o calendário prejudicado. O esforço comunitário dos seus profissionais faz do caso da Uerj um emblema do que poderá ser em breve a realidade de inúmeros segmentos do país. 

    O que choca, além de toda a destruição, é a ideia de que funcionários de outros segmentos são mais merecedores dos seus salários do que professores universitários, bolsistas, pessoas cujos valores são irrisórios perto dos vencimentos dos poderes que legislam sobre suas vidas — e as quebram sem punição. Por que neste país, até hoje, ser professor é uma profissão de fé, e se for público então, praticamente uma opção de sacerdócio? Se soubessem a carga infinita de funções e burocracias curriculares de um professor universitário de excelência no Brasil, jamais veríamos pessoas chamarem de vagabundos ou baderneiros aqueles que fazem greve por receber no início do seu ano uma parcela de menos de R$300,00 referente ao pagamento de novembro. E creiam: a amplíssima maioria desses professores trabalha para atingir tal excelência. 

    A situação da Uerj tinha que ser manchete de jornais diariamente. O silêncio ao redor alimenta frustrações, estraçalha futuros e interrompe saberes. Não se destrói a força de uma universidade e de seus profissionais impunemente. Todos pagaremos por isso. Aliás, já estamos pagando — e da pior maneira possível.

    O GLOBO, JANEIRO DE 2017