September 27, 2022

A saída é um revogaço

 

O desmatamento da Amazônia bate novos recordes - Imagem: Bruno Kelly/Amazônia Real

Por Maurício Thuswohl
ENTREVISTA O ambientalista Rogério
Rocco defende a derrubada de todos
os decretos ambientais de Bolsonaro
 4 2 C A R T A C A P I T A L . C O M . B R
Seu País
Militante destacado na re-
tomada do movimento
estudantil nos anos
1980, o advogado Rogério
Rocco foi um dos pionei-
ros ao inserir o debate ambiental na pau-
ta da UNE. Entre 1999 e 2001, integrou o
conselho deliberativo do Fundo Nacional
do Meio Ambiente, do qual foi coordena-
dor-geral em 2005. Nos últimos anos, tor-
nou-se voz ativa contra o processo de des-
monte dos órgãos de fiscalização e inimi-
go declarado da política de terra arrasa-
da. Na entrevista a Mauricio Thuswohl,
Rocco defende a revogação dos decretos
ambientais do governo Bolsonaro, pri-
meiro passo para deter o desmatamento
recorde na Amazônia. “Dar um basta a es-
se comportamento criminoso é um exce-
lente começo”, afirma.
 
CartaCapital: O restabelecimento
da participação da sociedade civil no
conselho deliberativo do Fundo Nacio-
nal do Meio Ambiente foi determinado
pelo STF, mas nada foi feito. É possível
retomar os trabalhos do fundo nos mol-
des em que aconteciam anteriormente?
 
Rogério Rocco: A grande virtude do
fundo sempre foi ter se estruturado
com uma gestão integrada entre gover-
no e sociedade. As linhas temáticas pa-
ra financiamento e as ações e processos
de deliberação eram muito transparen-
tes e contavam com um controle social
efetivo. O FNMA criou uma expertise
na gestão de recursos ambientais copia-
da por fundos em todo o Brasil e tam-
bém com repercussão internacional. O
FNMA não é mais propriamente um fun-
do, é um programa do Ministério do Meio
Ambiente. Trabalha com recursos orça-
mentários sujeitos a mudanças anuais, e
seu diferencial é a arrecadação própria
oriunda de 20% de todas as multas am-
bientais aplicadas na esfera federal.
 
CC: Qual o impacto do esvaziamento
promovido por Bolsonaro?
 
RR: A mudança promovida pelo atual go-
verno, de retirada da representação da so-
ciedade civil, não é mera-
mente uma troca de ca-
deiras. Ela de fato des-
monta e destrói a estrutu-
ra que consagrou o FNMA
como referência nacional
e internacional. Elimina a
razão de ser do fundo, que
passa a ser um programa
para a execução de proje-
tos da estrutura do minis-
tério, sem participação e
controle social, portanto
sem legitimação.
 
CC: Estudo divulgado
pelo Inesc sobre o des-
monte dos fundos ambientais consta-
ta: o FNMA “não existe mais”.
 
RR: De fato, não existe mais. A constru-
ção na qual os recursos de seus progra-
mas eram submetidos a um processo de
aprovação legitimado pela participação
e controle social e com intervenção dire-
ta da sociedade na análise, fiscalização
e aprovação final dos gastos constituía
a sua essência. A partir do momento em
que se desconstruiu aquilo que era a sua
essência, ele passou a ser mais um con-
junto de letrinhas, sujeito à previsão de
recursos orçamentários.
 
CC: As atuais fontes de receita não
precisam ser ampliadas para garantir
um funcionamento adequado?
 
RR: O que está em questão não é aumen-
tar os recursos do fundo, pois ele pode
ter dotações orçamentárias destinadas
na Lei Orçamentária Anual e na garan-
tia dos recursos das multas. No atual go-
verno, houve uma queda muito grande
na aplicação e na arrecadação de multas.
Isso vai se espelhar nos próximos anos,
pois há inúmeros processos em curso que
deixarão de produzir resultados em ra-
zão dos mecanismos de desmonte.
 
CC: É possível reverter o desmon-
te e o aparelhamento promovidos pelo
atual governo?
 
RR: O governo Bolsona-
ro tem desmontado os ór-
gãos ambientais federais,
eliminado suas compe-
tências, perseguido ser-
vidores de carreira, no-
meado apadrinhados in-
competentes para a dire-
ção desses órgãos, revo-
gado e modificado nor-
mas ambientais e colo-
cado as estruturas que
antes combatiam os cri-
mes ambientais para de-
fender e amparar crimi-
nosos como garimpeiros,
madeireiros, grileiros e milícias flores-
tais. Dar um basta a esse comportamen-
to criminoso é um excelente começo. Não
vai ser simples, mas é perfeitamente pos-
sível e viável reverter grande parte desses
retrocessos. Alguns deles foram reverti-
dos por decisões do STF.
 
CC: Quais as medidas urgentes pa-
ra reverter o desmatamento crescente?
 
RR: Nos primeiros dias de um próximo
governo, a partir de janeiro, é preciso
reinstaurar estruturas e iniciativas, en-
tre elas o Programa de Controle e Com-
bate ao Desmatamento da Amazônia, an-
tes coordenado pela Casa Civil e que che-
gou a reunir 14 ministérios. Além disso, é
necessário revogar medidas adotadas pa-
ra facilitar a vida dos desmatadores, ga-
rimpeiros e outros criminosos que avan-
çaram sobre a Amazônia. Precisamos de
um grande “revogaço” desses decretos,
portarias e instruções normativas dolo-
samente alteradas pela gestão criminosa
de Ricardo Salles e Jair Bolsonaro. Além
disso, é fundamental nomear para os ór-
gãos ambientais gente competente, servi-
dores qualificados e comprometidos em
cumprir a lei e limpar as instituições des-
sa horda de incompetentes e delinquentes
que ocuparam esses espaços. Só assim se
poderá retomar a governança da Amazô-
nia e um processo permanente de diálo-
go e acordo para desenvolver a região sem
desrespeitar seus potenciais ambientais.
 
CC: O que acha da ideia de um Siste-
ma Único para o Meio Ambiente e Clima,
como um SUS?
 
RR: É questão a ser pensada. Precisamos
avançar na cooperação federativa para a
execução da Política Nacional de Meio
Ambiente. Precisamos integrar melhor os
entes federados para uma execução mais
harmônica entre os órgãos e mais equili-
brada entre os distintos biomas. Precisa-
mos abrir essas agendas. Toda ideia que
surge com esse espírito é bem-vinda e deve
ser avaliada por aqueles que querem cons-
truir uma política ambiental democrática,
participativa e mais efetiva.
 
CC: Por que é importante revitalizar
o FNMA em um eventual novo governo?
 
RR: Ao longo de sua história, depois de
ter adquirido expertise e legitimidade, o
FNMA passou a executar recursos de ou-
tros ministérios e órgãos da administra-
ção pública federal que assumiram obri-
gações relacionadas a medidas mitigado-
ras ou compensatórias relacionadas à po-
lítica ambiental. Em um momento no qual
a política ambiental era respeitada nas es-
truturas governamentais, o fundo tornou-
-se uma referência no governo que utiliza-
va seus procedimentos para a descentra-
lização e execução de recursos e obriga-
ções orçamentárias ambientais. O fundo
tem expertise, quadro técnico permanen-
te e uma história de evolução nos sistemas
de oferta de recursos e de aprovação e con-
trole de sua execução. Essa expertise pode
ser acionada assim que um governo com-
prometido com a participação e o contro-
le social assumir.
CARTA CAPITAL


 
 

 

 

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