CLAUDIO COUTO
O bolsonarismo não é um movimento político qualquer, mas um que se elegeu e governou com uma retórica e uma simbologia da violência. Não à toa, durante a campanha Jair Bolsonaro usava como gesto de identificação de seu projeto político a mão que emula um revólver. Não casualmente, bradou que iria metralhar a “petralhada”, utilizando um tripé de filmagem como simulacro de uma metralhadora. Que tipo de político se elege usando armas como emblema? Que tipo de proposta política usa, ainda que no “sentido figurado”, a execução de adversários políticos como retórica para inflamar seus seguidores?
Aliás, Bolsonaro se queixou da jornalista que lhe perguntou sobre essa famigerada frase. Segundo ele, a repórter seria incapaz, por deficiência de formação, de entender o “sentido figurado” daquilo que disse o então candidato. Cumpre questionar: será que os bolsonaristas mais ardentes, como o policial penal federal Jorge Guaranho, também não podem confundir o “sentido figurado” com o sentido real? Ou serão eles mais bem formados que a repórter? Quem usa frases desse teor deveria ser mais precavido, presidente..
Contudo, não se trata só de retórica e
de simbologia (que têm efeitos práticos
sobre o comportamento dos seguidores),
mas de medidas governamentais efetivas
para estimular a violência: liberou-geral
de armas e munições, desmonte dos ór-
gãos e das políticas de fiscalização que
inibem o crime e as violências por ele
perpetradas, incentivo aberto da autori-
dade governamental à brutalidade poli-
cial, alardeada como meritória.
de simbologia (que têm efeitos práticos
sobre o comportamento dos seguidores),
mas de medidas governamentais efetivas
para estimular a violência: liberou-geral
de armas e munições, desmonte dos ór-
gãos e das políticas de fiscalização que
inibem o crime e as violências por ele
perpetradas, incentivo aberto da autori-
dade governamental à brutalidade poli-
cial, alardeada como meritória.
Por tais medidas e por tal retórica é
impossível dissociar três episódios re-
centes de violência daquilo que promo-
vem o governo Bolsonaro ou o presiden-
te diretamente. E, nesses três episódios,
o chefe de governo procurou culpar as ví-
timas pelo seu trágico destino, atenuan-
do a responsabilidade dos criminosos.
Genivaldo de Jesus Santos foi assas-
sinado por policiais rodoviários fed
ais numa câmara de gás improvisada
no bagageiro de uma viatura. Essa mes-
ma corporação – “nossa Polícia Rodovi-
ária Federal”, como costuma dizer Bol-
sonaro – tem sido estimulada a partici-
par de operações de assalto estranhas à
sua missão, cooptada pelo bolsonarismo
para integrar sua guarda pretoriana, in-
clusive levando militantes na garupa
de veículo oficial em motociatas presi-
denciais. Ademais, o incentivo governa-
mental generalizado à brutalidade poli-
cial tem efeitos sobre o comportamento
de integrantes das corporações, dentre
as quais está a PRF. Ao abordar o episó-
dio, Bolsonaro chamou Genivaldo, a ví-
tima, de marginal, minimizando seu as-
sassinato cruel pelos policiais mediante a
invocação de outro episódio recente, em
que PRFs foram mortos por um bandido.
no bagageiro de uma viatura. Essa mes-
ma corporação – “nossa Polícia Rodovi-
ária Federal”, como costuma dizer Bol-
sonaro – tem sido estimulada a partici-
par de operações de assalto estranhas à
sua missão, cooptada pelo bolsonarismo
para integrar sua guarda pretoriana, in-
clusive levando militantes na garupa
de veículo oficial em motociatas presi-
denciais. Ademais, o incentivo governa-
mental generalizado à brutalidade poli-
cial tem efeitos sobre o comportamento
de integrantes das corporações, dentre
as quais está a PRF. Ao abordar o episó-
dio, Bolsonaro chamou Genivaldo, a ví-
tima, de marginal, minimizando seu as-
sassinato cruel pelos policiais mediante a
invocação de outro episódio recente, em
que PRFs foram mortos por um bandido.
Câmara de gás como legítima defesa?
A morte e o vilipêndio dos corpos de
Bruno Pereira e Dom Phillips na Ama-
zônia não ocorreu por acaso. Decorreu
diretamente do desmonte da estrutura
estatal de proteção ambiental e das áre-
as indígenas, que estimula a ação de gru-
pos criminosos nessas regiões: grileiros,
madeireiros, garimpeiros, pecuaristas,
pescadores. Bolsonaro novamente cul-
pou os vitimados, apontando-os como
aventureiros irresponsáveis num lugar
perigoso. Vale notar que grupos crimino-
sos que atuam no Vale do Javari, onde se
deu o crime, e noutras regiões da Amazô-
nia, foram defendidos abertamente pelo
atual governo. O próprio Bolsonaro con-
denou a queima de equipamentos utiliza-
dos para a prática de ilegalidades na flo-
resta (expediente previsto em lei), sina-
lizando assim a aprovação presidencial
de seu uso naqueles lugares e, portanto,
autorizando a incursão dos criminosos
nessas áreas. Não bastasse, houve ma-
nifestações diretas e presenciais de so-
lidariedade de integrantes do governo a
grupos criminosos, como as feitas pelo
ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo
Salles, que se reuniu com madeireiros
ilegais para defender seus interesses.
O assassinato de Marcelo Arruda em
sua festa de aniversário, diante de fami-
liares e amigos, não foge a tal regra. A re-
tórica da violência, a preconização do uso
de armas para fins políticos (defesa da
“liberdade”) e o tratamento da oposição
de esquerda como um “mal” a ser com-
batido estimulam esse tipo de ação. Se na
luta do bem contra o mal os “esquerdis-
tas” são o mal, devem ser extirpados. Só
o inimigo é hoje (como era na ditadura
tão apreciada por Bolsonaro) um inimi-
go interno (essa mesma esquerda) deve
ser combatido por meio de uma guerra e,
portanto, com armas.
tão apreciada por Bolsonaro) um inimi-
go interno (essa mesma esquerda) deve
ser combatido por meio de uma guerra e,
portanto, com armas.
Jorge Guaranho nada mais fez do que
seguir a orientação do “mito”, açulado
por ele em seu ódio a petistas. E o presi-
dente ainda defendeu a ação do assassi-
no, alegando que apenas matou seu ini-
migo político porque teria sido por ele
agredido. Depois, Bolsonaro ainda inten-
tou instrumentalizar gente da família da
vítima mais simpáticos a suas ideias po-
líticas para tentar inverter em seu bene-
fício a narrativa do crime.
Bolsonaro manifesta seu des-
dém pela vida humana nas
mais diversas situações. Em
chacinas promovidas por po-
liciais (inclusive, agora, com
o concurso da PRF), elogia a
matança e desfaz dos mortos. Dessa for-
ma, dá à execução sumária de suspeitos
(ou de quem estiver no caminho) a chan-
cela de uma política de governo. Durante
a pandemia da Covid-19 se tornaram cé-
lebres as declarações ultrajantes dadas
por ele acerca dos mortos (“e daí”, “não
sou coveiro”, “todo mundo morre um
dia”). Não foi diferente sua postura dian-
te de desastres naturais, como as inunda-
ções que vitimaram centenas de morado-
res na Bahia e em Minas Gerais no início
de 2022, enquanto o presidente despre-
ocupadamente se divertia à beira-mar.
Se tal desprezo se dá em relação à vi-
da de cidadãos comuns, o que não dizer
de adversários – isto é, de inimigos – po-
líticos? Nuns casos, o presidente não se
importa, noutros, o presidente estimula.
A violência não é só um instrumento
de que se serve o bolsonarismo, ela é tam-
bém seu objetivo. Mais do que isso, a vio-
lência, ritualizada e prática, define o que
o bolsonarismo é: um movimento tanatocrático.
CARTA CAPITAL
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