Verissimo
Numa carta um leitor comentou um texto meu sobre a reforma agrária intitulado “Injustiça e desordem”, publicado há algum tempo. O leitor não gostou do texto. Nele eu lamentava a demora de uma reforma agrária para valer no país, e o leitor perguntou: “Que reforma agrária para valer seria essa que dilapidaria o setor do agronegócio, que segura as contas do país, com efeito multiplicador de gerar riqueza, emprego e renda para a indústria e os serviços?” Seguiu dizendo que toda a nação já entendera que o setor rural é o maior responsável pelo crescimento da economia brasileira, salvo os que insistem num pensamento “ideológico” e atrasado sobre a questão — como o meu. E recorre a uma analogia curiosa: “É como voltar ao tempo do Brasil-Colônia, onde nós, colonizados, não podíamos acumular riqueza porque tudo pertencia à Coroa portuguesa”.
Me parece que se a situação colonial evoca alguma coisa, é a atual coexistência no Brasil do latifúndio sem proveito social ou econômico e as legiões de banidos da terra, com a Coroa portuguesa no papel do proprietário ausente. Não se quer a dilapidação de negócio algum, e sim uma reforma agrária que inclua os milhões de hectares vazios mantidos no Brasil só pelo seu valor patrimonial — uma realidade notória que o leitor não cita — na cadeia produtiva, com colonização bem feita e bem apoiada. Goethe dizia que preferia a injustiça à desordem. Triste o país em que a escolha entre uma coisa e a outra ainda precisa ser feita.
O leitor diz que não há exemplo de reforma agrária que deu certo. Eu tenho alguns. Li um relatório da ONU sobre os efeitos dramáticos na cidade de Calcutá, conhecida pela miséria e a extrema degradação urbana, da reforma agrária feita na sua região. Uma reforma agrária radical livrou o Japão de uma estrutura fundiária feudal e teve muito a ver com sua recuperação depois da guerra. A louca corrida para ocupar o Oeste americano não é modelo para nenhum tipo de colonização racional, mas não deu errado. E já que exemplos americanos legitimam qualquer argumento, mesmo os do pensamento “ideológico”, recomendo que o leitor se informe sobre o Homestead Act, com o qual o governo dos Estados Unidos lançou, no século XIX, o maior programa de distribuição de terra da História. Não surpreende a desinformação sobre reformas agrárias alheias que deram certo, ou só foram frustradas pela reação violenta. Os próprios sucessos da incipiente reforma agrária brasileira são ignorados. Sobre os assentamentos que estão funcionando em paz, e produzindo, e contribuindo para o efeito multiplicador que o leitor, muito justamente, exalta, só se tem silêncio.
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