André Singer
Houve um visível esforço daqueles que foram simpáticos à prisão do ex-presidente Lula, sábado passado, em demonstrar a ausência de comoção das massas. De fato, a vida cotidiana seguiu. No entanto, a democracia está suspensa até que o campo popular decida o que fazer. Nesse sentido, o principal ícone do lulismo, mesmo detido em Curitiba, ainda guarda importantes cartas na manga.Dadas as características da sociedade e da política brasileira, o tira-teima da crise se dará na eleição de outubro. Nela, finalmente, a população vai dizer o que pensa a respeito do que vem acontecendo desde 2015. O problema está em saber como representar, na provável hipótese de Lula não poder ser candidato, o polo popular na disputa.
Sem a presença desse contraponto, a política como instância de mediação dos conflitos e, portanto, a democracia, fica anulada.
Aliás, é o que desejam os que foram às ruas clamar para Lula ser preso, mas não o fizeram quando a Câmara votou as denúncias contra Michel Temer nem quando, esta semana, a Procuradoria-Geral da República decidiu enviar o processo contra Geraldo Alckmin para a Justiça Eleitoral, livrando-o da Lava Jato.
Resta claro que a corrupção não é o motivo principal desses manifestantes, mas impedir Lula de seguir na política. Na realidade, trata-se de um veto a que a liderança individual mais competitiva do país possa se apresentar. Imaginam que, assim, desaparecem as chances de vitória de alguém que deseje falar pelos pobres.
O problema agora, na hipótese de Lula continuar preso, é construir uma alternativa democrática e popular para o pleito de outubro sem a presença ativa do seu principal dirigente das últimas décadas.
Até aqui, apesar da inédita unidade entre setores de esquerda, representada pela presença de Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila no dia da prisão do ex-presidente, o quadro é de desorganização.
A ausência de um candidato do PT, na iminência de Lula ser impedido de concorrer, a posição esquiva de Ciro Gomes e a eventual candidatura de Joaquim Barbosa pelo PSB, tudo isso tende a confundir o eleitorado.
Urge construir um diálogo que coloque em sintonia as diversas iniciativas, todas legítimas, em curso entre os partidos progressistas. O manifesto conjunto lançado pelas fundações de estudos do PT, PDT, PSB, PSOL e PC do B, dois meses atrás, constituem um bom ponto de partida. Reconstrução da democracia e novo projeto nacional de desenvolvimento são os seus pontos principais.
Na ausência de um acordo capaz de forjar uma candidatura competitiva, que possa substituir Lula em caso de impedimento definitivo, a direitização do Brasil vai continuar.
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