April 15, 2018

Ação militar não afeta Assad e mostra contradições de Trump


Guga Chacra

 

O ataque dos EUA e seus aliados franceses e britânicos a supostas instalações ligadas a um programa de armas químicas na Síria não alterará em nada o andamento da guerra da Síria. O regime de Bashar al-Assad não foi afetado pela ação militar. O líder sírio inclusive apareceu normalmente este sábado para trabalhar e as imagens de Damasco mostravam uma cidade normal. Há, no entanto, uma série de perguntas a serem feitas sobre a ação da madrugada deste sábado.

Por que os EUA e os aliados não aguardaram as inspeções da Organização de Proibição de Armas Químicas (OPAQ) em Douma para verificar os detalhes do ataque? Como eles conseguiram provas tão rapidamente de ter sido Assad o responsável, se em fevereiro deste ano o secretário da Defesa dos EUA admitiu ao Congresso que, mesmo dez meses depois do ataque químico de 2017, ainda não podia confirmar ter sido o regime de Assad o responsável? Desde quando eles sabiam que os alvos atingidos neste sábado seriam parte do programa de armas químicas da Síria? Se soubessem antes, por que não denunciaram a Síria por violação do tratado de proibição do uso de armas químicas? Se souberam depois, como conseguiram, em menos de uma semana, as informações de inteligência destas instalações? Por que não enviaram os inspetores da OPAQ ao local?

LEIA MAIS: O que se sabe até agora sobre o ataque internacional contra Síria
Opaq vai prosseguir com investigação de suposto ataque químico em Douma
Após o ataque à Síria, pode eclodir uma guerra de grandes proporções?

De acordo com o Pentágono, a arma química usada foi o cloro. Como impedir que o regime de Assad ou os jihadistas da oposição tenham acesso a cloro se este produto tem uma série de finalidades, além de possível uso como armas químicas? A OPAQ disse em 2014 que o regime de Assad havia entregue todo seu arsenal químico, incluindo sarin, em acordo entre os EUA e a Rússia. Houve falha dos americanos, que referendaram o acordo?


Como escrevi neste jornal, não havia lógica para Assad usar armas químicas neste momento (usou certamente no passado, quando se sentiu ameaçado), já que o líder sírio podia atingir seus objetivos com armas convencionais, como inclusive vinha acontecendo. Segundo integrantes dos governos dos EUA, França e Reino Unido, Assad usou o armamento porque seria um monstro e mata por matar. Mas disseram que o ataque de ontem mudaria o cálculo dele. Como? Até concordo com a parte do monstro, mas o considero um monstro estratégico. Por que ele teria matado por matar em Douma e, após este ataque, pensaria duas vezes? Afinal, Trump já havia o bombardeado no ano passado. O líder sírio teria passado a ser racional após ontem na visão deles? Por quê?
LEIA TAMBÉM: Sete anos de guerra e sem fim no horizonte; entenda
A batalha no Twitter sobre o conflito sírio
Quem são as forças militares envolvidas na guerra da Síria?

Caso Assad volte a usar armas químicas, qual será a reação? Novo bombardeio? Há alguma estratégia para um envolvimento militar maior? Mesmo que Assad não use, qual a estratégia dos EUA? Trump havia dito que pretendia retirar as tropas que atuam junto com os curdos contra o grupo Estado Islâmico. E agora? Além disso, os curdos possuem boa relação com Assad. Como os EUA veem os grupo jihadistas inimigos de Assad, como o Jaysh al Islam e o Hayet Tahrir al Sham (al-Qaeda na Síria)? Os EUA dizem estar preocupados com os civis na Síria. Mas por que receberam apenas 11 refugiados sírios em 2018? Por último, o problema é apenas arma química? Assad e os jihadistas da oposição podem matar com armas convencionais? E a Arábia Saudita, que bombardeia casamentos, funerais e hospitais no Iêmen? Será punida? Por que o ditador saudita, Mohammad bin Salman, foi recebido nas últimas semanas por May, Macron e Trump?


No comments: