October 29, 2023

Netanyahu arrasta Biden para baixo

 

 

Abraço de urso
Biden deixa-se
enredar por Netanyahu e torna-se
sócio da iminente catástrofe

P O R  S I M O N  T IS DA L L

  É isso? Será isso o que os maiores
líderes ocidentais podem fazer
enquanto a hora H se
aproxima? O “gentil” Joe Biden
distribuiu simpatia e dólares
em uma visita de sete horas a Israel.
Pequenas quantidades de ajuda pingam
em Gaza. Dois de 200 reféns foram
libertados. Mas não há cessar-fogo, não há
“pausa humanitária” ou zona segura, não
há fim para os bombardeios, não há plano
de longo prazo. Crescem os temores de
uma conflagração cada vez maior.

 
Em vez disso, há uma aquiescência oci-
dental relutante, embora vergonhosa, so-
bre o iminente ataque militar em grande
escala de Israel a Gaza – com seu objeti-
vo compreensível, mas inatingível: a erra-
dicação definitiva do Hamas. Com mais
de 4 mil palestinos mortos, o “time” do
primeiro-ministro israelense, Benjamin
Netanyahu, para usar o termo chocante
escolhido por Biden, deveria receber car-
tão vermelho. Acabou de receber luz verde.

 
A desordem política ocidental, a con-
fusão e a hesitação diante desse desastre
em evolução são desanimadoras. Os pri-
meiros-ministros visitantes, o britânico
Rishi Sunak e o alemão Olaf Scholz, im-
prensando Biden, agiram para agradar
ao seu público doméstico e, deixando de
lado as gentis palavras de cautela, agiram
como queria Netanyahu. Os desacordos
entre autoridades graduadas transfor-
maram a União Europeia num especta-
dor quase irrelevante.

 
No Conselho de Segurança da ONU,
guardião esfarrapado do ultrajado direi-
to internacional, a França e todos os ou-
tros apoiaram um esboço de resolução
para interromper as hostilidades e anu-
lar a ordem de evacuação do norte de Ga-
za dada por Israel. Mas os Estados Uni-
dos vetaram, dizendo que isso ataria as
mãos de Israel. Pateticamente, o Rei-
no Unido absteve-se, juntamente com a
Rússia, uma combinação infeliz.

 
Muita diplomacia está em curso nos
bastidores. O maior receio é que, se Israel
atacar, o Hezbollah no Líbano abra uma
segunda frente. A instabilidade tem se
alastrado ao Iraque e à Síria. As promessas
dos Estados Unidos de fornecer mais bom-
bas e balas para Israel enfurecem o mun-
do muçulmano. Entretanto, ninguém,
nem mesmo Biden, sabe qual é o plano de
Netanyahu pós-Hamas, pós-guerra. Isso
porque quase certamente não existe um.

 
As atrocidades terroristas de 7 de ou-
tubro, que ceifaram 1,4 mil vidas israe-
lenses, foram chocantes. Poucos contes-
tam que Israel tem o direito legal e moral
de se defender. Mas os líderes árabes, te-
mendo a ira do seu povo, têm razão quan-
do dizem que a punição coletiva de civis
não é a melhor forma de reagir. A ONU
também exige um cessar-fogo. Sem isso,
outras tragédias como a explosão do hos-
pital anglicano al-Ahli serão inevitáveis.
Apesar do que dizem as dissimuladas au-
toridades britânicas, não existe uma in-
vasão “calma e comedida”.

 
O gabinete de guerra de Israel esta-
beleceu quatro objetivos para a “Opera-
ção Espadas de Ferro”: destruir militar-
mente o Hamas, eliminar a ameaça terro-
rista em Gaza, resolver a crise dos reféns
e defender as fronteiras do Estado e os ci-
dadãos. Mas as autoridades admitem que
ainda discutem o que virá depois. Dizem
que uma ocupação renovada é impossível.
Mas parece faltar uma estratégia de saí-
da. Uma invasão “significará confrontar
o Hamas no seu território e será provavel-
mente um assunto prolongado e sangren-
to”, alertou o Grupo de Crise Internacio-
nal, independente. “Livrar Gaza de ma-
neira sustentável de todas as manifesta-
ções daquilo que os israelenses conside-
ram terrorismo e que muitos palestinos
chamam de resistência será impossível, se
não houver uma ampla mudança política.”

 
Então, quem poderia governar Gaza,
supondo que o Hamas seja de fato depos-
to definitivamente? Um administrador
nomeado pela ONU e apoiado por forças
de manutenção da paz? Uma espécie de
Alto Representante internacional, como
na Bósnia? Sugere-se que o controle po-
deria ser devolvido à Autoridade Palesti-
na, destituída pelo Hamas em 2007. Mas
a AP é fraca e mal-amada. Para começar,
seu presidente, Mahmoud Abbas, teria de
abrir caminho para novos líderes eleitos.
Em todo caso, não está claro quanta
influência os líderes ocidentais hesitan

tes podem exercer sobre qualquer acor-
do para o pós-guerra. O apoio aparente-
mente incondicional de Biden e Sunak a
Israel os desqualifica como mediadores
da paz. A Liga Árabe exige novamente a
retomada de conversações para a cria-
ção de um Estado palestino. Mais do que
nunca, Israel não está escutando.

 
Biden cometeu três erros básicos no
Oriente Médio desde 2021. Concentran-
do-se nas questões internas e na China,
tentou ignorar a região. Não é possível.
Em segundo lugar, embarcou nos Acor-
dos de Abraão de Donald Trump e na ca-
ravana de normalização árabe-israelen-
se. Fatalmente, esses acordos “históricos”
tentaram contornar o conflito palestino.
Terceiro: Biden não conseguiu reagir du-
ramente quando Netanyahu, um grande
fã de Trump, montou seu próprio golpe
antidemocrático no estilo do Capitólio,
aliou-se a fanáticos da extrema-direi-
ta determinados a anexar a Cisjordânia
e minou os esforços dos Estados Unidos
para atenuar as tensões com o Irã. Biden
ignorou-o, mas pouco mais que isso.

 
Essa geada derreteu forçosamente, 

mas não porque o líder de Israel te-
nha mudado de repente. Netanyahu lu-
ta desesperadamente para sobreviver.
Quando Biden desceu do Air Force One
em Tel-Aviv na quarta-feira 18, foi aper-
tar a mão de Netanyahu. Mas este o agar-
rou num abraço de urso carente. Perigo-
so, profundamente impopular, duas-ca-
ras, tóxico – esse é Netanyahu hoje.

 
Não é exagero dizer que ele poderia
arrastar Biden consigo. Após o choque
inicial os ter reunido, os dois líderes es-
tão novamente em caminhos divergen-
tes. Longe de buscar uma desescalada,
Netanyahu prevê uma “longa guerra”.
Na verdade, parece que é o que ele quer.
“Isto não é do interesse de ninguém, ex-
ceto de Netanyahu, que, provavelmente,
vê o fim de seu governo chegar com o tér-
mino da próxima batalha com o Hamas”,
comentou o analista norte-americano
David Rothkopf. Um conflito prolongado,
que inflija mais vítimas civis e maior ins-
tabilidade regional, poderá afetar ainda
mais profundamente os Estados Unidos.
Biden, emanando empatia, limitado

 por seus pontos cegos e por sua nature-
za positiva, agora é o “dono” desta guer-
ra. Se a situação se deteriorar ainda mais,
não haverá como escapar. Ele tem uma
longa guerra para travar, com a Rússia
na Ucrânia. E potencialmente enfrenta
outra, fria ou quente, com a China. Co-
mo abutres a voar em círculos, Vladimir
Putin e Xi Jinping, que se encontraram
em Pequim, assistem tranquilamente.

 
Seja quem for o culpado, e certamente
não é tudo culpa dele, esta catástrofe se de-
senrola sob o comando de Biden. Os com-
parsas de Trump e do Partido Republicano
estão à espreita. Falta apenas um ano para
a eleição presidencial nos Estados Unidos
em 2024. É triste pensar que Netanyahu,
que Biden tanto fez para salvar, estaria
entre os que aplaudem a sua derrota.

 

CARTA CAPITAL   

 

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