October 27, 2023

Exodo e Martírio

 


 

SE OS PALESTINOS TIVESSEM
DIREITO A PAZ E LIBERDADE,
A HISTÓRIA SERIA OUTRA

 ALDO FORNAZIERI
Na história míti-
ca dos hebreus
antigos, o Êxo-
do, a saída do
Egito rumo à
Terra Prometi-
da, veio a signi-
ficar o caminho da liberdade. Na his-
tória real, atestada pela historiogra-
fia e pela arqueologia, diz-se que na re-
gião da Palestina antiga ocorreram vá-
rios êxodos, de diferentes grupos, nor-
malmente dominados e explorados por
pequenos reinos locais e também pelos
impérios egípcio e, mais tarde, dos as-
sírios e caldeus.

 
A história e a arqueologia dizem tam-
bém que muitos desses grupos eram
chamados de habiru, palavra que sig-
nificava muitas coisas, como escravos
e servos fugitivos, rebeldes, trabalhado-
res migrantes e nômades. O termo he-
breu teria derivado da palavra habiru.

 
Esses grupos estão na ontogênese dos
povos cananeus, israelitas e judeus.
Entre as várias formações da Pales-
tina antiga, surgiram dois reinos se-
parados e vizinhos. Ao norte, nas últi-
mas décadas do século X antes de Cris-
to, surgiu o reino de Israel, com capi-
tal na Samaria. Ao sul surgiu o reino de
Judá, por volta de meados do século IX
a.C. Sua capital era Jerusalém. Em 722
a.C., o reino de Israel foi tomado e des-
truído pelos assírios. Sua população foi
deportada e parte dela se refugiou em
Judá. Jerusalém também foi assediada
pelos assírios, mas terminou por fazer
um pacto de submissão.

 
Em 586 a.C., Jerusalém foi tomada e
destruída pelos babilônios e os judeus
foram levados como cativos por Nabu-
codonosor. Depois de serem libertados
por Ciro, o Grande, Jerusalém e o templo
foram reconstruídos com o auxílio dos
reis persas. Mais tarde, a capital sofreu
duas outras destruições pelos romanos:
a primeira, no ano 70, por Tito, e a se-
gunda, no ano 134, por Adriano, ocor-
rendo a grande diáspora. Séculos depois,
os judeus sofreram a grande tragédia do
Holocausto, mais uma dura réplica da
história. Esses reveses constituíram a
admirável resiliência desse povo.

 
Com o estabelecimento do mandato
britânico sobre a Palestina (1923-1948),
o império começa a patrocinar o deslo-
camento de judeus para a região, pro-
cesso que se intensifica na Segunda
Guerra Mundial e se sacramenta em
 1948 com a criação do Estado de Israel.

 
Ninguém de bom senso pode negar aos
judeus o direito de ter seu Estado. O pro-
blema é que a ocupação do território e a
construção do Estado ocorreram sob a
égide da expropriação de terras, deslo-
camentos de populações locais, destrui-
ção de vilas, violência e terror. As terras
dos palestinos foram roubadas, seus po-
mares, videiras e oliveiras foram toma-
dos e esse povo foi privado dos seus fru-
tos, dos seus rebanhos, de sua água e de
suas casas. Foi humilhado, desprezado,
diminuído, espezinhado, visto como se-
gunda categoria, semi-humano e, mui-
tas vezes, como descartável.

 
Esse processo sedimentou ressen-
timentos, vergonha, dor e ódio. E dele
emerge o sentimento de vingança, a op-
ção pela violência, que fomenta o terro-
rismo. Os atos de grupos palestinos, do
Hamas, da Jihad Islâmica, contra civis
judeus, não se justificam, mas precisam
ser compreendidos. Suas motivações de-
vem ser entendidas. Se não houver uma
reparação histórica, se os palestinos
não tiverem seu Estado, o Hamas pode
até ser eliminado, mas o terrorismo re-
nascerá em outros grupos. Se a história
dos palestinos tivesse sido outra, se ti-
vesse sido uma história de terra e liber-
dade, de paz e respeito, os grupos terro-
ristas não teriam a força do apelo reli-
gioso, da guerra santa. O mundo ociden-
tal, os Estados Unidos, as grandes po-
tências e a ONU precisam reconhecer as
causas dessa violência e reparar seus er-
ros, pois são erros criminosos.

 
Os palestinos dos séculos XX e XXI
são os habirus antigos, os hebreus origi-
nários, são um povo do Êxodo do nosso
tempo. Mas o Êxodo dos palestinos não
é um caminho para a liberdade e para
a Terra Prometida. É um caminho de
perda de terras e de lares, é um cam

ho de dor e de sangue, de bombas e de
morte. É um caminho sem futuro e sem
esperanças. Israel impõe aos palestinos
o que os assírios antigos impuseram ao
reino de Israel e o que os babilônios im-
puseram a Judá e Jerusalém.

 
O governo extremista de Benjamin
Netanyahu alimentou o radicalismo
do Hamas por não querer a solução do
conflito. Alimenta o ódio para viver do
ódio. Os grupos religiosos ortodoxos e
de extrema-direita de Israel têm uma
visão de guerra santa, de extermínio
dos palestinos. Sob a proteção do exér-
cito, continuam a tomar as casas e as
terras na Cisjordânia. Gaza é um cam-
po de concentração e, agora, de exter-
mínio a céu aberto.

 
Oministro da Segurança
Nacional de Israel,
Itamar Ben-Gvir, pro-
fanou a mesquita de
Al-Aqsa há poucas se-
manas com um grupo armado. A mes-
quita é um dos lugares mais sagrados
para os muçulmanos. Na ocasião, lide-
ranças moderadas de Israel advertiram
que o ato desencadearia violência. Não
por acaso, a ação do Hamas em Israel
foi denominada “Tempestade Al-Aqsa”.
Podemos não concordar com as religi-
ões, mas devemos respeitá-las. A incur-
são de Ben-Gvir foi um ato de violência
simbólica e sinalizou que Israel se apos-
saria de toda Jerusalém.

 
Os palestinos de Gaza têm sido marti-
rizados com deslocamentos, destruição
de seus lares e de suas cidades, com bom-
bas e mortes, principalmente de mulhe-
res e crianças. O terrorismo do Hamas
não autoriza o terrorismo de Estado de
Israel contra a população civil indefe-
sa. Se Israel e o Ocidente querem acabar
com o terrorismo, precisam fazer ape-
nas uma coisa: garantir um Estado, ter-
ra, liberdade e paz para os palestinos.

CARTA CAPITAL  

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