March 11, 2020

Mais uma Bolsonaro

Rogéria Bolsonaro foi vereadora de 1993 a 2001, e agora estuda buscar uma vaga de novo na Câmara Municipal do Rio. Foto: Reprodução

Juliana Dal Piva, João Paulo Saconi e Marlen Couto

A corrida por uma cadeira no Legislativo carioca nas eleições de 2020 poderá ser turbinada pela entrada de mais um Bolsonaro na disputa. Primeira mulher do presidente Jair Bolsonaro e mãe de Carlos, Flávio e Eduardo, Rogéria Bolsonaro se prepara para voltar à política, após quase 20 anos.
Rogéria foi a primeira pessoa da família que o presidente inseriu na política, ainda na disputa de 1992, três anos depois que ele próprio fez a transição das Forças Armadas para o Legislativo municipal. Eleita, foi vereadora na Câmara Municipal do Rio de Janeiro por dois mandatos, entre janeiro de 1993 e janeiro de 2001 — quando, já separada de Bolsonaro, perdeu a cadeira em uma eleição na qual o filho Carlos foi eleito pela primeira vez, aos 17 anos. Agora, uma das possibilidades é que o filho que tomou seu lugar deixe de tentar a reeleição, o que abriria caminho para sua volta.
Nas últimas semanas, Rogéria manifestou a vontade de voltar à vida pública. “Se eu vou ser candidata ou não, ainda vai se resolver”, contou, em entrevista ao canal da jornalista Leda Nagle, em dezembro. Admitiu que Carlos tem vontade de “cuidar da vida dele” e que pode, sim, se afastar.

Questionada sobre se tinha vontade de brigar por um novo mandato, respondeu sem pestanejar, balançando a cabeça afirmativamente. “Tenho”, e emendou que “gosta” de política.

Filiada ao PSL desde 9 de março de 2018, Rogéria trabalha na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) como assessora parlamentar do deputado Anderson Moraes, que integra a base bolsonarista no Legislativo fluminense. E dele recebe todo o apoio para voltar ao cargo. “Eu a incentivo muito e acho que ela deveria voltar”, opinou Moraes a ÉPOCA. “Acredito que ela sente vontade, sim”, completou o deputado, que também está de malas prontas para mudar-se para o Aliança pelo Brasil, partido em gestação pelos Bolsonaros. Nos bastidores, a expectativa é que Rogéria também faça essa migração de partido e defina com os filhos sobre sua candidatura.

Na mesma entrevista em que mencionou a vontade de retomar sua carreira na política, Rogéria deixou escapar que sempre atuou politicamente como um braço de sustentação ao ex-marido e que não se importava em ser vista como tal. “Eu tinha prazer (em ser vereadora) porque eu estava ajudando ele (Jair Bolsonaro), porque o gabinete funcionava como um ponto de apoio ao trabalho que ele fazia em Brasília”, explicou.

Um levantamento de ÉPOCA, a partir de dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação na Câmara Municipal do Rio, mostra que a atuação de Rogéria, de fato, foi voltada para setores da Segurança Pública e que manteve inclusive a prática de nomeações de assessores de confiança de Jair Bolsonaro e de parentes deles. Rogéria só destoou do então marido nos costumes — propôs a celebração de Zumbi dos Palmares e homenagens à atriz Fernanda Montenegro, algo que os bolsonaristas de hoje jamais fariam.
“Quando era vereadora, Rogéria já usava a mesma tática, que se propagou pelos gabinetes dos Bolsonaros, de contratar funcionários com elos familiares entre si: foram empregados oito, de quatro famílias diferentes, em dois mandatos”
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Em seus dois mandatos, a vereadora Rogéria Bolsonaro teve 66 assessores e, assim como Bolsonaro e os filhos, também empregou diversas pessoas com algum grau de parentesco entre si. Ao longo dos oito anos no Palácio Pedro Ernesto, oito pessoas de quatro famílias diferentes chegaram a ser nomeadas entre os funcionários de seu gabinete. Ela ainda empregou outras três pessoas que depois conseguiram cargos para parentes nos gabinetes de Jair, Carlos e Flávio, que só entrou para a política em 2003. É o mesmo padrão mostrado por ÉPOCA e pelo jornal O Globo em agosto do ano passado, em reportagem sobre os 102 assessores da família Bolsonaro que tinham laços familiares entre si.
A equipe de Rogéria incluiu, entre outras, a família Santana. Nomeada em janeiro de 1998, Marcia Helena de Santana se tornou chefe seis meses depois. Em agosto de 1999, sua filha, Aline Pacheco de Santana, passou a ocupar o posto de auxiliar da então vereadora. Naquela altura, o pai de Aline, Jorge Celso Nascimento de Santana, também já havia sido nomeado oficial no gabinete. Os três trabalharam simultaneamente para a ex-mulher de Bolsonaro durante um ano e cinco meses, até o fim do mandato de Rogéria, em janeiro de 2001.

Um dos antecessores de Marcia Helena como chefe de gabinete, Nelson Marcos Coutinho também empregou a mesma prática. Funcionário de Rogéria de 1993 a 1998, nomeou o filho, Paulo Roberto Coutinho, para um cargo de auxiliar entre 1996 e 1998, quando comandava o gabinete.
Também passaram pelo gabinete de Rogéria funcionários que depois seguiram em outros cargos ligados à família Bolsonaro. Trabalhou com ela, por exemplo, Jorge Luiz Fernandes, que agora é responsável por chefiar o time do filho Carlos no Legislativo carioca. Jorge foi nomeado auxiliar de gabinete em janeiro de 1998 e lá ficou por um ano. Depois de ser exonerado, passou pelo gabinete de Jair Bolsonaro em Brasília, entre 1999 e 2000, até chegar ao comando do gabinete de Carlos, em janeiro de 2001.

Familiares de Jorge também ganharam vagas junto à família Bolsonaro. A mulher dele, Regina Célia Sobral Fernandes, consta como assessora de Carlos Bolsonaro, e seu irmão Carlos Alberto Sobral Franco integrou o gabinete do presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados entre 1995 e 1997.

Rogéria também empregou parentes de outro antigo assessor da família: Waldir Luiz Ferraz, ex-assessor de imprensa de Jair Bolsonaro. Mãe de Bárbara de Oliveira Ferraz, filha de Waldir, Maristela de Oliveira Ferraz foi nomeada chefe de gabinete de Rogéria em 1993 e ficou na função até 1995. Já Bárbara ganhou cargo no gabinete de Jair na Câmara dos Deputados entre 2005 e 2016. No gabinete de Rogéria também foram nomeados por vários anos o sogro e a sogra de uma prima de Ferraz, Mirian Melo Lessa Glycério de Castro.
Rogéria em 1992, na campanha que a levaria à Câmara de Vereadores do Rio. Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo
Rogéria em 1992, na campanha que a levaria à Câmara de Vereadores do Rio. Foto: Guilherme Pinto / Agência O Globo
O desempenho legislativo de Rogéria pouco destoa do ex-marido. Em 28 anos na Câmara dos Deputados, Bolsonaro aprovou apenas dois de seus 170 projetos de lei. Ela, por outro lado, apresentou 90 projetos em oito anos e, segundo a Casa, conseguiu emplacar oito propostas vigentes até hoje. Entre as leis aprovadas, a que mais marcou seu mandato como vereadora foi a proibição do cerol em linhas de pipa utilizadas para recreação na cidade. Apresentada em 1995, a lei passou a vigorar em junho de 1996 e, de lá para cá, estabelece que o uso e a venda do material cortante estão vetados entre os cariocas — a pipa de quem é pego usando cerol pode ser incinerada pelas autoridades, e o usuário pode pagar multa. A proibição virou bandeira do mandato de Rogéria. Em 2009, quase uma década depois de a mãe ter saído da Câmara, o então deputado estadual Flávio Bolsonaro fez menção a seu feito no plenário da Alerj, durante uma discussão sobre o tema. “Quero encaminhar o voto, não apenas como deputado estadual, mas como filho da vereadora Rogéria Bolsonaro, autora da lei municipal que proíbe o uso de cerol no Rio de Janeiro”, disse Flávio ao votar contra uma mudança na legislação para o uso de cerol no estado.

Na seara das datas comemorativas, Rogéria conseguiu incluir no calendário da capital o “Dia do Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria para a República Federativa do Brasil”. A data, comemorada em 12 de março, está incluída até hoje na lista de celebrações da cidade.

É no campo dos costumes, da cultura e dos direitos das minorias que Rogéria atuou de modo bastante distinto do ex-marido e dos filhos. Em junho de 1997, por exemplo, ela apresentou projeto de lei para instituir o “Dia de Zumbi dos Palmares” no calendário da cidade. Em 2002, o dia 20 de novembro foi transformado em feriado estadual no Rio, como “Dia da Consciência Negra”, em uma iniciativa sem relação direta com a atuação da vereadora.

Bolsonaro ficou conhecido por falas contrárias a políticas públicas afirmativas para negros. Em 2017, ele disse que ao visitar um quilombo viu “que o afrodescendente mais leve lá pesava 7 arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais”. Foi processado na Justiça e condenado em primeira instância, mas depois a denúncia acabou rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O feriado da Consciência Negra está hoje no centro de um debate protagonizado pela atual chefia da Advocacia-Geral da União (AGU). Em parecer enviado ao STF no fim de 2019, o órgão se manifestou contra a possibilidade de municípios e estados instituírem o feriado, já que isso estaria relacionado a questões trabalhistas, legisladas apenas pela União. O aniversário de morte do líder quilombola mais conhecido do Brasil é comemorado com feriado em mais de 1.000 municípios.
Rogéria em festa com Bolsonaro e os filhos, então crianças. Foto: Reprodução
Rogéria em festa com Bolsonaro e os filhos, então crianças. Foto: Reprodução
Ao longo de oito anos, Rogéria apresentou ainda 325 moções de louvor, aplausos, congratulações e agradecimentos a personalidades ou anônimos da cidade. A maior parte delas foi direcionada a integrantes da Orquestra Filarmônica do Rio, um total de 67. Honrarias também foram dedicadas a salva-vidas (61) e militares (54), bem como a profissionais de limpeza pública (27) e a professores (8).

Algumas das homenagens também estão na contramão do bolsonarismo atual. Em 1998, ela propôs que a atriz Fernanda Montenegro fosse agraciada com a Medalha Pedro Ernesto, a maior honraria da Câmara. O reconhecimento à carreira da artista por alguém do governo Bolsonaro parece impensável hoje. No ano passado, o diretor da Funarte Roberto Alvim ofendeu a atriz chamando-a de “sórdida” em uma entrevista, o que foi duramente criticado pelo público, pela classe artística e pelo então presidente do órgão, Miguel Proença, exonerado pouco mais de um mês depois pelo governo.
Além da medalha destinada a Fernanda Montenegro, Rogéria conseguiu a aprovação da moção honrosa à Delegação de Artistas do Instituto e Centro de Artes da República da Coreia do Norte.
Ainda fora da curva do clã Bolsonaro, Rogéria demonstrou preocupação com questões ambientais e conseguiu aprovar uma série de moções para agradecer a pessoas e instituições que se mobilizaram para comemorar o Dia Internacional do Meio Ambiente em 1998.
Entre suas iniciativas, Rogéria propôs a criação do Dia de Zumbi dos Palmares, herói negro hoje rejeitado pelo bolsonarismo. Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Entre suas iniciativas, Rogéria propôs a criação do Dia de Zumbi dos Palmares, herói negro hoje rejeitado pelo bolsonarismo. Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Se o plano de concorrer a vereadora realmente vingar, não está certo o empenho do ex-marido na campanha. Após a separação, Rogéria optou por continuar utilizando o sobrenome de Jair, mas a relação não é próxima. Há pouco contato, apenas em função dos três filhos. Quando a candidatura dele à Presidência começou a virar realidade, a ex-vereadora passou a se pronunciar publicamente a favor do então deputado. Em 2016, depois que Bolsonaro se tornou réu por dizer que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não deveria ser estuprada, Rogéria se pronunciou para dizer que ele era “inocente” e “um homem normal, com as qualidades e defeitos que todo ser humano tem”. Em 2018, após o atentado à faca que quase matou Bolsonaro durante a disputa eleitoral, ela escreveu uma carta aberta para agradecer a todos que haviam orado por ele. Hoje, ela diz que são “amigos”, mas “não melhores amigos”.

A relação nem sempre foi harmoniosa. Ao tentar se reeleger para um terceiro mandato, já separada, Rogéria acusou Jair Bolsonaro de ter mandado agredir um de seus assessores, em setembro de 2000. Gilberto Moraes Gonçalves, que panfletava pedindo votos para a vereadora no Méier, na Zona Norte do Rio, foi algemado, espancado e conduzido a uma delegacia sob a acusação de portar uma arma. Rogéria falou sobre o caso para o jornal Tribuna da Imprensa e atribuiu o ataque ao ex-marido, que teria passado pelo local minutos antes do ocorrido: “Isso prova o desequilíbrio mental e psicológico do deputado”.
“No campo dos costumes, a atuação de Rogéria difere bastante do bolsonarismo atual: ela defendeu a comemoração do Dia de Zumbi dos Palmares, apoiou entidades ambientais e propôs uma homenagem à atriz Fernanda Montenegro”
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Em todo caso, Rogéria, como os filhos, também usará as redes sociais como plataforma de divulgação. Em suas contas nas três principais redes, ela soma 56 mil seguidores. O antigo apartamento da família, na Tijuca, onde ela mora até hoje, é também o endereço da empresa Bolsonaro Digital, criada para angariar fundos com presença digital da família, por meio da monetização de vídeos no YouTube. Os sócios da empresa, criada em 2017, são o presidente, seus três filhos mais velhos e Rogéria, única administradora da sociedade. Por enquanto, a presença dela nas redes ainda é tímida se comparada à dos filhos. A maioria dos posts está no Instagram, onde compartilha imagens tanto de sua atuação como assessora como momentos de intimidade com os filhos. No Natal, um desses registros chegou a receber uma curtida de um velho conhecido dos Bolsonaros.

Rogéria publicou em suas contas uma foto da família — seus pais, sua irmã, seu cunhado e dois de seus filhos: Carlos e Eduardo. Na imagem, todos aparecem vestidos com uma camisa vermelha com o nome Jesus. Sem ser visto publicamente há um ano, quem deixou um like foi o ex-assessor Fabrício Queiroz, investigado pelo Ministério Público (MP) do Rio, acusado de prática de rachadinha no gabinete do filho mais velho do presidente. Procurada, Rogéria não respondeu às tentativas de contato da reportagem.

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