Ricardo Araújo Pereira
Como o novo coronavírus chegou à Europa
antes de ter chegado à América, num certo sentido, nós, europeus,
vivemos no futuro em relação aos habitantes do continente americano.Não estamos muito mais à frente, apenas umas semanas ou dias. Estou, por isso, em condições de revelar aos brasileiros o que vão viver nos próximos tempos, e foi por isso que comecei por fazer o aviso de spoiler.
Vai ser assim: muito rapidamente, os chefes de Estado que tinham desdenhado da ameaça, referindo-se ao vírus como uma fantasia, ou apelidando de histéricas as reações que apelavam a maior cautela, ou insistindo em fazer uma festinha de aniversário quando tudo o desaconselhava, vão perceber que fizeram papel de bobo.
Progressivamente, eles vão ter de olhar para o exemplo de Itália, onde a resposta ao vírus foi tardia, e terão de impor medidas cada vez mais restritivas de circulação, para que o maior número possível de pessoas passe o máximo de tempo possível em casa.
Depois, como sempre, situações como essa vão trazer ao de cima o melhor das pessoas. Mas, não se preocupem, também trarão o pior.
O melhor das pessoas é difícil de suportar, porque se trata de uma recordação dolorosa de que há gente com uma abnegação e altruísmo dos quais nós não somos capazes.
Já o pior das pessoas dá gosto. Contempla-se com muita satisfação. Normalmente, porque as pessoas estão a fazer em público o que nós fazemos em privado, ou porque fazem o que nos apetece fazer mas não temos coragem. Cedem à mesquinhez, à ganância, à vaidade. Vai haver quem queira açabarcar compras no supermercado e quem queira vender um frasco de álcool por R$ 30.
E as celebridades vão participar quase todas no concurso para o melhor post Vangelis. O post Vangelis é um texto para ser lido ao som de música épica. E pretende ser o texto mais viral, mais choroso, mais preocupado, mais exibicionista, mais “não deixem que esta situação difícil os faça esquecer que eu existo e sou espetacular”.
Quem tiver o post com mais curtidas quando o fim do mundo chegar ganha. Cada celebridade vai competir com denodo para ser o Winston Churchill da pandemia. Vai ser uma grande festa de sentimentalismo. Sangue, suor e likes.
FOLHA DE SÃO PAULO
ilustração : LUIZA PANNUNZIO
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