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January 19, 2018
Após censura e chibatadas, artistas sauditas torcem por era de abertura
por Kareem Fahim, do ‘Washington Post’
O governo do reino ultraconservador na Arábia Saudita vem se
tornando um incansável patrono das artes, financiando concertos de
artistas ocidentais e promovendo festivais de quadrinhos e feiras de
livros. Os cinemas, banidos por décadas, deverão abrir em breve. A
mudança faz parte da iniciativa do príncipe herdeiro de 32 anos,
Mohammed bin Salman, para aliviar algumas restrições sociais. E a
enxurrada de anúncios oficiais entusiasmou uma geração de jovens
sauditas, para quem uma noite de música ou de filmes geralmente exigia
uma viagem ao exterior.
Mas os planos também geraram preocupações sobre o tipo de cena
cultural que emergirá num lugar governado de acordo com um austero credo
religioso, onde o benfeitor é uma monarquia absolutista com uma visão
sombria sobre expressão irrestrita. Levantam-se questões sobre o papel
de artistas independentes que trabalhavam no reino há anos, navegando
entre obstáculos burocráticos e limites sociais rígidos para conquistar o
reconhecimento internacional da arte saudita.
Exemplo dos Emirados Árabes
Os planos do governo dariam um incentivo aos curadores independentes, músicos alternativos e cineastas de primeira viagem? Ou atrelariam a arte aos caprichos dos ministérios do governo e privilegiariam apenas os favoritos do Estado?
— A arte deveria estar distante de qualquer agenda. Isso é o que nos deixa preocupados — diz Abdulnasser Gharem, cofundador de um pioneiro coletivo de arte saudita chamado Edge of Arabia, cujas próprias obras, incluindo pinturas e instalações, são frequentemente exibidas no exterior.
O debate sobre a cultura diz respeito à natureza das mudanças em curso na Arábia Saudita sob a direção de Bin Salman. O foco em entretenimento e cultura é central ao plano para diversificar a economia dependente de petróleo, enquanto expandem-se algumas liberdades sociais. As autoridades sauditas e os apoiadores do príncipe herdeiro dizem que as mudanças — incluindo permitir que as mulheres dirijam e a redução da autoridade da polícia religiosa — representam um esforço muito atrasado de trazer o reino à era contemporânea. Algumas iniciativas, como abrir os cinemas, também prometem ser uma grande oportunidade econômica.
Mas os críticos alertam que demorará anos para determinar se as tão promovidas reformas do governo vieram para mudar um sistema ossificado ou simplesmente criar uma nova embalagem. Ao abraçar as artes, a liderança saudita aprendeu uma lição de imagem com o seu aliado e vizinho, os Emirados Árabes Unidos, que há muito tempo reconheceram que a sua cena cultural era “uma ferramenta poderosa de soft power e diplomacia”, segundo Beth Derderian, estudiosa do desenvolvimento da arte e da cultura dos Emirados Árabes Unidos.
As sauditas não podem falar com homens que não façam parte de sua família. Para evitar o contato entre um desconhecido e uma mulher, a maioria dos prédios tem uma entrada separada para o sexo feminino, e parques e transportes públicos também reservam áreas para que as cidadãs possam ficar.
Trabalhar ou abrir uma empresa sem a permissão de um homem
Mulheres que querem trabalhar ou abrir uma empresa devem ter a permissão de um homem — seja seu pai, irmão, marido ou filho. Até para poder ter uma conta num banco a mulher saudita precisa da liberação masculina. No caso da abertura de empresas, ela necessita que dois homens testemunhem a seu favor antes de ela obter um empréstimo ou uma licença.
Viajar para o exterior sem um guardião
As mulheres sauditas são proibidas de viajarem para fora do país sem um guardião. Esse tutor além de dar a aprovação para a mulher realizar algumas atividades, ainda deve acompanhá-la em casos como viajar para o exterior. Em territórios sauditas, a mulher pode circular sem a companhia do guardião.
Ir ao médico sem a presença do guardião
Devido a um decreto religioso, as mulheres não podem ir ao médico sem a presença de um guardião. Além disso, as sauditas só podem mostrar partes do seu corpo para homens em caso de emergência médica.
Ter a guarda dos filhos em caso de divórcio
As mães que se divorciam dos seus maridos não podem obter a guarda dos filhos. Quando os meninos fazem 7 anos e as meninas 9, eles vão morar com o pai.
Comer em restaurantes que não tenham a 'zona familiar'
A maioria dos restaurantes na Arábia Saudita tem uma zona familiar com uma divisória que separa a área onde as famílias comem dos lugares em que homens sozinhos se reúnem para comemorar. As mulheres também devem entrar por portas diferentes das que os homens usam, geralmente uma porta lateral.
Igualdade de justiça
Na Justiça saudita, o testemunho de um homem equivale ao de duas mulheres. As sauditas quase não têm autoridade sobre sua própria vida e encontram inúmeras dificuldades para denunciar, por exemplo, casos de assédio. Até em casos de herança a diferença de tratamento vem à tona: os filhos recebem o dobro em comparação às filhas.
Outras atitudes da liderança saudita provocaram perguntas sobre as suas prioridades, incluindo a recente compra por um príncipe do reino de uma pintura de Leonardo da Vinci por US$ 450 milhões — um valor alto, considerando-se que o governo prometeu se comprometer com o combate à corrupção e com medidas de austeridade. Depois que reportagens indicaram que a obra havia sido comprada por Bin Salman, autoridades sauditas disseram que a pintura fora adquirida pelo novo Museu do Louvre em Abu Dhabi, a capital dos Emirados Árabes Unidos.
Mas os artistas ainda enfrentam perigo. Um deles, o poeta e curador palestino Ashraf Fayadh foi condenado por renegar sua fé em 2015 e sentenciado à morte por um tribunal saudita. As acusações — motivadas, segundo os advogados de Fayadh, por uma disputa pessoal — incluíam a suposta promoção do ateísmo pela sua poesia. Após pedidos internacionais, a sentença foi reduzida a oito anos de prisão e 800 chibatadas.
Licença para filmar nas ruas
Apesar de tudo, um senso de possibilidade se apodera dos jovens artistas. Nada AlMojadedi, cineasta, acredita que levará tempo até que o público saudita abrace o conteúdo local. Segundo ela, a população não está acostumada a assistir a histórias sobre si mesma. Mas o encorajamento do governo, ou pelo menos o seu apoio a eventos culturais, já tem sido uma ajuda. O diretor Khaled Nadershah, de 26 anos, que grava o seu primeiro filme na Arábia Saudita, elogia os planos de reabrir os cinemas. A sua pequena e autofinanciada produção conta a história de uma mulher divorciada, que luta para conseguir a aprovação dos pais para estudar no exterior.
— As pessoas precisavam ver que existem os filmes sauditas e que essa indústria é real — diz Nadershah, cuja licença para filmar nas ruas demorou apenas uma semana para ser emitida, num sinal de mudanças dentro do reino. — Há uma nova onda de artistas tentando encontrar uma cultura popular saudita. É inspirador. Mas não posso dizer que já chegamos lá.
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