1.
2018. Escrevo no primeiro dia do ano e a janela se abre para um azul
infinito que nem os melhores planos turísticos poderiam imaginar.
Trezentos e sessenta e cinco dias começam quentes e sob a luz de uma lua
gigantesca. Na noite de réveillon, o céu estrelou e as coisas
clarearam. Na beira de uma praia entulhada de gente, o funk carioca
tornou-se o epicentro da noite. Hoje, o calor espalha ressacas por
areias sujas de lixo e pedaços fortuitos de felicidades. Os celulares,
frenéticos, registram tudo. Drummond observa a fila de pessoas a lhe
abraçar sorrindo para uma câmera. Corpos ariscos em risco e comércios de
prazeres se dissolvem na maresia. Verão, chuvas e superluas. Tudo igual
e tudo a mudar todos os dias. Nada de novo sob o sal.
O
fato é que (arrisco uma hipótese irresponsável de início de ano?)
estamos atravessando uma vazies de futuros. Não é nenhuma novidade, mas
atualmente a demanda pelo agora das pessoas afoga o que virá. Vivemos
sob permanente consumo do que acontece. As redes sociais estão aí nos
dizendo onde cada um está e com quem. Estamos nas casas, nos quartos,
nas praias, nas montanhas, estamos voando, estamos comendo, estamos
sorrindo, estamos festejando. Interconectados em tempo real, sem
praticamente usarmos os telefones para falar de viva voz com os outros.
Acumulamos dados em vídeos que duram segundos, micro fragmentos de
histórias gagas e velozes que aguçam novas formas de falarmos e nos
narrarmos no mundo.
Isso não é um problema, dado
que não é uma opção. As coisas, cada vez mais, serão assim. O que sempre
há, porém, são nostalgias de antigas formas de sociabilidade. Fim de
ano e férias, por exemplo, são momentos em que encontramos as pessoas em
mesas de bar, almoços e festas. Abraçar, cantar, dançar, gargalhar ou
brigar em uma conversa sem ajuda de emoticons, são fatos que nos
lembram: tudo acontece ao mesmo tempo — mesmo que tais formas
presenciais sejam cada vez mais escassas pelo ritmo frenético da vida e,
principalmente, por nos acostumarmos a saber dos outros através de
aplicativos. E como quase sempre o compartilhamento da vida são de
momentos positivos, alegres, vitoriosos, espalha-se uma sensação de
bem-estar opressivo, já diagnosticado por muitos especialistas desses
temas. Estamos todos sorridentes, reluzentes, quentes, crentes no
compartilhamento do melhor que temos. Ou dos vazios que não podemos
deletar. Mais uma foto. Mais um vídeo. Mais um mar sem gosto de sal.
2.
Novos dispositivos geram novos sujeitos. A ideia de que somos pessoas
que participam coletivamente do mundo por fragmentos de textos, imagens,
vídeos e áudios molda cada vez mais nossa forma de comportamento social
e nossos sentidos. O meio literalmente é a mensagem. Nossos olhos
acostumaram-se com filtros, loops, distorções, repetições, memes. Nosso
humor se apegou a pequenas celebridades do dia por conta de um vídeo,
uma fala, um evento bizarro. Nossos ouvidos sabem absorver áudios dos
mais variados — de notícias a ficções fantásticas, de invenções da fala
contemporânea até intermináveis monólogos. Nossos dedos tudo acompanham
no giro pra cima, pra baixo e pros lados.
Crianças
de hoje já são assim desde o início da sua cognição. Crescem com o que
aprendemos a usar. São, desde sempre, aqueles que não precisam das
mutações criadas em nós para sobreviver. A ideia de pesquisa, por
exemplo, tornou-se corrente para elas, ato banal e veloz em dois cliques
na web. Não precisam de bibliotecas, enciclopédias, volumes, espaços,
corpos disciplinados na busca do saber. Estão em todos os lugares, cada
vez mais jovens, intervindo na hierarquia caduca do conhecimento,
mudando rumos de prosas convictas e surpreendendo quem não sabe como os
dados circulam entre eles. Pesquisar, postar, curtir, editar, gravar,
produzir, tudo isso são palavras que tornaram-se o dia a dia infantil
dos dispositivos. São pequenos grandes videomakers, youtubers,
escritores, críticos, leitores, poetas de ocasião, músicos digitais, são
acumuladores de informação picotadas, especialistas em micronichos,
fabuladores natos, estrelas de si mesmo.
As
agonias das outras gerações aguçam as distâncias. Por exemplo, a ideia é
que se deve guardar o que lhe emociona, arquivar a vida, materializar
experiências em suportes estáveis etc. Hoje, não se guarda nada pois os
aplicativos já partem do efêmero. São vídeos que duram meia hora, textos
que se apagam automaticamente, exclusão de perfis discordantes, fotos
deletadas par abrir espaço no HD, imagens editadas por diversão para
depois jogar fora. Essa velocidade de registros obsoletos fazem pensar
em futuro? Creio que nem em passado. O presente, gigantesco, faminto,
vai engordando um tempo-espaço mundializado.
Algumas
gerações negociam essas novas formas de existir, outras não. Enquanto
muitos mergulham nas transformações e criam equilíbrios de práticas e
experimentos do mundo, outras tornam-se estátuas de sal — não quando
olham para trás, mas sim para frente.
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