Pablo Ortellado
Enquanto os três juízes do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) decidiam o destino de Lula, uma guerra de informações tomava as mídias sociais. O debate sobre se Lula era culpado ou perseguido veio acompanhado de uma enxurrada de links de matérias noticiosas. Analisar o compartilhamento dessas notícias ilustra bem a dinâmica do debate político nas mídias sociais.
Do que é possível depreender dos dados públicos a que Facebook e Twitter dão acesso e de pesquisas de opinião realizadas com manifestantes, o consumo de notícias entre antipetistas e apoiadores da esquerda é bastante diferente.
Resumindo e generalizando um pouco. A esquerda é mais politizada e ideologicamente mais coerente, ela desconfia mais da grande imprensa, mas a lê, e os sites engajados do seu campo são mais profissionais, sendo produzidos por jornalistas que passaram pelas grandes redações.
O antipetismo —do qual a direita é apenas uma parte— é, por sua vez, menos politizado, mas tem uma interlocução muito maior com o público que não abraça ideologia; ele desconfia menos dos meios de comunicação de massa, embora isso pareça estar mudando, e os sites engajados do campo, com algumas exceções, não são feitos por profissionais.
Embora o dia da votação e o seguinte tenham sido dominados por matérias da imprensa alternativa, matérias da grande imprensa também foram bastante compartilhadas no Facebook, mas apenas na medida em que apoiavam a narrativa de um dos dois campos: a de que Lula comanda uma quadrilha que se apossou do Estado brasileiro ou a de que Lula é perseguido por uma elite que não tolera os avanços sociais conquistados pelo PT.
Assim, na esquerda, foi muito compartilhada (19 mil compartilhamentos) a manchete do "Globo", "Rachel Dodge vê prescrição e pede arquivamento de inquérito contra Serra" que reforçava o discurso de que a Lava Jato é seletiva e que a limpeza ética prometida pela investigação não alcança os tucanos. Foi também bem compartilhada na esquerda (12 mil compartilhamentos), a matéria da Folha sobre a perseguição de Juscelino Kubitschek na ditadura, "Nos anos 1960, um ex-presidente era investigado por causa de apartamento" que reforçava o discurso dos defensores de Lula de que o impeachment de Dilma foi um golpe de Estado em alguns sentidos semelhantes ao golpe de 1964. Já na direita, foi muito compartilhada (19 mil compartilhamentos) a manchete de "O Estado de S. Paulo", "Cúpula da PF começa a preparar a prisão de Lula" que respaldava o discurso antipetista de que a Lava Jato tem sido eficaz e de que, em breve, Lula vai estar atrás das grades.
Mas apesar dessas matérias da grande imprensa, o que se viu mesmo nas mídias sociais, foi uma guerra de compartilhamento de matérias produzidas pelos sites engajados.
No antipetismo, circularam várias informações falsas ou de credibilidade duvidosa como a matéria produzida pelo site "Imprensa Viva", "Ladrão de celular do 'Fantástico' foi visto em ato em defesa de Lula em Porto Alegre" (22 mil compartilhamentos). Ainda mais espetacular foi a matéria produzida pelo site "Pensa Brasil" (4 mil compartilhamentos) que dizia que "Dona Marisa estaria viva e esperando fuga de Lula na Etiópia" em cujo texto se lia que a fonte seriam "as más línguas na web". Por fim, matéria do site "Diário do Brasil", que supostamente tinha feito a apuração, dizia que "Militantes do PT se revoltam em Porto Alegre: não pagaram a gente e roubaram até o recheio do pão" (22 mil compartilhamentos).
Embora notícias falsas ou de credibilidade duvidosa como as que foram compartilhadas nos meios antipetistas sejam menos frequentes na esquerda, elas também existem. Entre as que circularam no período da votação estava uma foto divulgada pela conta do deputado José Guimarães (PT) no Twitter que mostrava uma longa fila de ônibus com militantes que estariam indo a Porto Alegre prestar apoio a Lula. A autenticidade da foto foi contestada e descobriu-se depois que se tratava de uma foto antiga de um ônibus de sacoleiros indo ao Paraguai.
Muito mais comum na esquerda, no entanto, foram as matérias especulativas. No meio da transmissão do julgamento do TRF4, a rede "BandNews" inseriu uma legenda que dizia que a votação tinha acabado e que o presidente tinha sido condenado por unanimidade. Logo, sites de esquerda começaram a insinuar que o julgamento tinha cartas marcadas e que o tribunal teria vazado o resultado antecipado para a imprensa. Matérias no site da "Revista Fórum", "BandNews faz legenda antecipando condenação de Lula por unanimidade" (16 mil compartilhamentos), no site "Diário do Centro do Mundo", "Band pede desculpas por antecipar resultado do julgamento de Lula: falha técnica" (4 mil compartilhamentos) e no site "Falando Verdades", "Circo: BandNews se adianta e anuncia condenação de Lula por unanimidade" (3 mil compartilhamentos) disseminaram a suspeita entre os ativistas de esquerda.
Chama a atenção que as matérias mais informativas que foram produzidas analisando a consistência das provas apresentadas, mostrando e discutindo a estratégia de apelação da defesa ou avaliando os impactos políticos de se ter um candidato a presidente com uma condenação em segunda instância foram todas soterradas pela ação coordenada dos ativistas. Ao compartilharem apenas as matérias úteis às narrativas dos dois campos, eles inundaram nossos feeds de notícias com um discurso que todo mundo já conhece: o de que Lula é o chefe da quadrilha ou o de que Lula é um benfeitor perseguido. Em comum aos dois lados a crença de que a salvação do país passa de algum modo pelo ex-presidente.
FOLHA DE SÃO PAULO
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