O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se reuniu nesta segunda-feira com o chefe de Estado salvadorenho, Nayib Bukele, na Casa Branca, em um encontro em que aproveitou para marcar a posição de desafio de seu governo às decisões judiciais que buscam pôr freios à sua política de deportações sumárias em massa de imigrantes em situação ilegal sem o devido processo legal. A Casa Branca vem intensificando o uso de uma prisão de segurança máxima em El Salvador para deter imigrantes expulsos do território americano, e o caso recente da deportação ilegal do salvadorenho Kilmar Abrego Garcia, de 29 anos, tornou-se emblemático da postura provocadora de Trump diante das cortes.
Para receber Bukele no Salão Oval, em sinal da importância do
presidente centro-americano para sua agenda tanto de desafio aos
tribunais como de sua política anti-imigração, pedra angular de seu
governo, o presidente convocou nomes de peso do primeiro escalão, como o
vice JD Vance; o secretário de Estado, Marco Rubio; o assessor de
Segurança Nacional, Mike Waltz; as secretárias de Justiça, Pam Bondi, e
de Segurança Interna, Kristi Noem. Vários deles reforçaram a mensagem
principal do dia, que coube a Bukele entregar: Abrego Garcia não será
devolvido aos EUA, apesar da determinação da Suprema Corte para que o
governo tome medidas para “facilitar” seu retorno após funcionários
federais admitirem que sua deportação foi um “erro administrativo”.
— É claro que não vou fazer isso — disse Bukele ao responder a uma pergunta de jornalistas sobre se devolveria o salvadorenho aos EUA, argumentando que isso equivaleria a enviar um terrorista para o território americano. — Eu iria contrabandeá-lo para os Estados Unidos? Eu não tenho o poder de devolvê-lo aos EUA
O governo tem resistido a reverter o caso, apesar de ter admitido que a deportação de Garcia foi um “erro administrativo”. Em 2019, um juiz de imigração proibiu os EUA de deportar o salvadorenho, considerando que ele poderia enfrentar violência ou tortura se fosse enviado de volta a El Salvador. Ainda assim, ele foi deportado em março junto com mais de 230 imigrantes que, segundo o governo, pertenciam a gangues violentas como a MS-13, designada por Trump como organização terrorista estrangeira.
Embora alguns deles tivessem condenações criminais, documentos judiciais mostram que as provas usadas pelo governo para rotular os imigrantes como membros de organizações criminosas muitas vezes se limitavam a verificar que eles tinham tatuagens ou vestiam roupas associadas a gangues. Ainda assim, a Suprema Corte americana votou por 5 a 4 na semana passada para permitir a continuidade das deportações, derrubando uma ordem de instância inferior que as havia interrompido.
Em outra decisão relacionada, a Suprema Corte, de maioria superconservadora, emitiu uma decisão ambígua mantendo parcialmente o veredicto de um tribunal federal que determinava que o governo "facilitasse e efetuasse" o retorno imediato de Abrego Garcia. Embora apoiasse a determinação do tribunal inferior, indicou que ele explicasse melhor o escopo de "efetuar", uma vez que poderia estar invadindo a prerrogativa do Executivo "na condução da política externa".
Aproveitando a brecha aberta, o Departamento de Justiça argumentou em um documento jurídico apresentado no domingo que o Judiciário não tem autoridade para ditar quais medidas a Casa Branca deve tomar para trazer o salvadorenho de volta, alegando que apenas o presidente tem poder para conduzir a política externa dos Estados Unidos.
Mais cedo, o vice-chefe de gabinete da Casa Branca, Stephen Miller, disse que ainda havia milhares de membros de gangues nos EUA e que uma parte deles seria enviada a El Salvador, destacando que “não há um limite máximo para o acordo” com o país. Mesmo após repetidas perguntas de repórteres, Miller não quis dizer se o governo pediria a Bukele para enviar Abrego Garcia de volta aos Estados Unidos.
— Ele é salvadorenho. Ele é um imigrante ilegal. Foi deportado para El Salvador. Eu gostaria que alguém aqui me dissesse para qual país acham que deveríamos enviar imigrantes ilegais salvadorenhos — disse.
Ao lado de Trump no Salão Oval, Bukele começou o encontro dizendo que sabia que os EUA enfrentavam “um problema de criminalidade e um problema de terrorismo”. O salvadorenho elogiou a abordagem do republicano em relação à imigração e à fronteira, o que já era esperado, mas também se uniu a Trump para criticar políticos que apoiam a participação de atletas transgêneros em esportes femininos. Ele ainda fez uma piada dizendo que sua equipe não conta com funcionários contratados por políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI).
Era esperado que, com a visita, Trump buscasse alinhar-se à postura severa de Bukele contra o crime – algo que impulsionou a popularidade do líder salvadorenho mesmo diante de críticas de organizações de direitos humanos. Enquanto os dois líderes se reuniam, dezenas de manifestantes protestavam em frente à Casa Branca contra as deportações do governo americano para El Salvador.
A parada de Bukele em Washington também ajuda a desviar a atenção das políticas comerciais de Trump, que causaram forte volatilidade nos mercados. E faz parte de uma iniciativa dos EUA para atuar de forma mais ativa na América Latina, com o secretário do Tesouro, Scott Bessent, viajando à Argentina nesta segunda-feira – e o secretário de Defesa, Pete Hegseth, falando em recuperar a influência na região, definida por ele como “quintal” dos Estados Unidos.
Ascensão internacional
Em apenas uma década, El Salvador passou da capital mundial dos assassinatos para se tornar uma nação onde o encarceramento em massa e o policiamento linha-dura trouxeram paz às ruas. A transformação foi tão significativa que agora os EUA consideram o país mais seguro que a França ou o Reino Unido. Apesar de relatos sobre a brutalidade contra detidos e a falta do devido processo legal, Bukele conseguiu exportar seu modelo de segurança para líderes latino-americanos com ideias semelhantes – e conquistar Trump como parceiro e admirador.
— El Salvador se tornou um símbolo das políticas mais draconianas possíveis — disse Michael Paarlberg, professor de ciência política da Universidade de Virginia, que estuda El Salvador. — Simplesmente tê-los lado a lado, tirando fotos, será politicamente valioso para ambos.
Em Bukele, que já se autodenominou o “ditador mais legal do mundo”, Trump encontrou um parceiro disposto em seu plano de deportações em massa. El Salvador tem a maior taxa de encarceramento per capita do mundo, mais que o triplo dos EUA. A população carcerária disparou e a taxa de homicídios despencou depois que o líder salvadorenho implementou o estado de emergência no país para prender dezenas de milhares de supostos membros de gangues. Essa continua sendo sua principal realização desde que assumiu a Presidência, em 2019.
A ascensão de Bukele já vinha se desenhando há anos, impulsionada por seu talento para relações públicas, que lhe rendeu fama internacional – primeiro pela adoção do Bitcoin, depois por sua abordagem contra o crime e por desafiar os limites constitucionais de seu poder. Ele chegou a enviar o Exército para ocupar o Congresso de El Salvador, enquanto parlamentares de seu partido ajudaram a destituir o procurador-geral e juízes da Suprema Corte – algo que ressoa com Trump, que chegou a pedir o impeachment de um juiz que se opôs às suas deportações.
— Ele (Bukele) está resolvendo muitos problemas que nós, sinceramente, não conseguiríamos resolver do ponto de vista financeiro. Ele tem sido incrível — disse Trump a repórteres no domingo, acrescentando que não vê violações de direitos humanos nas prisões salvadorenhas.
Parceria Bukele-Trump
O secretário de Estado americano, Marco Rubio, visitou El Salvador em fevereiro, como parte de sua primeira viagem ao exterior desde que assumiu o cargo. Na ocasião, ele elogiou a “amizade extraordinária” do salvadorenho ao se oferecer para encarcerar pessoas consideradas perigosas pelos Estados Unidos, afirmando que “ninguém jamais fez uma oferta assim”. Rubio ressaltou o ineditismo de “terceirizar, a uma fração do custo, alguns dos criminosos mais violentos dos EUA”.
El Salvador agora é parte central da agenda migratória da administração Trump, que, após enviar centenas de migrantes para o país em março, deportou outras dez pessoas último fim de semana. No mês passado, a secretária de Segurança Interna dos EUA, Kristi Noem, visitou a prisão salvadorenha e usou os detentos enjaulados como cenário para um vídeo publicado nas redes sociais em que alertava aos migrantes: “Saibam que esta instalação é uma das ferramentas do nosso arsenal que usaremos se vocês cometerem crimes contra o povo americano”.
Um grupo de democratas do Congresso, incluindo Jim McGovern, de Massachusetts, enviou uma carta a Rubio na última sexta-feira pedindo mais informações sobre o acordo que ele negociou com Bukele em fevereiro, expressando preocupação de que os EUA possam estar envolvidos em “graves violações de direitos humanos”.
— Direitos humanos, normas democráticas e o Estado de Direito praticamente desapareceram em El Salvador — disse Amanda Strayer, assessora sênior para responsabilização do Human Rights First. — Os Estados Unidos deveriam responsabilizar o governo de Bukele por essas graves violações, mas, em vez disso, a administração Trump está se aproximando e copiando o manual autoritário de Bukele, prendendo pessoas sem provas, negando-lhes qualquer devido processo legal e fazendo-as desaparecer indefinidamente em prisões salvadorenhas.
Estima-se que haja cerca de 750 mil salvadorenhos indocumentados nos EUA — a maior população de imigrantes não autorizados depois dos mexicanos, segundo um estudo publicado no ano passado pelo Pew Research Center. (Com Bloomberg e New York Times)
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