Enquanto João Henrique Caldas e
Arthur Lira caem no samba, as vítimas do
desastre da Braskem seguem à míngua
P O R FA B Í O L A M E N D O N ÇA
Na Marquês de Sapucaí, no
Rio, o descontraído desfi-
le do prefeito de Maceió,
João Henrique Caldas, e
do presidente da Câmara,
Arthur Lira, soou como escárnio para as
vítimas da Braskem. O colapso de minas
de sal-gema exploradas pela companhia
provocou afundamento de solo em cin-
co bairros da capital alagoana, obrigan-
do dezenas de milhares de famílias a
abandonar às pressas suas casas, sob ris-
co de desabamento. Boa parte delas ain-
da briga na Justiça para receber indeni-
zação justa da mineradora, que selou um
acordo à parte com a prefeitura. Enquan-
to os desabrigados seguem desassistidos,
Caldas dispôs-se a patrocinar o desfile
da Beija-Flor de Nilópolis, que neste ano
homenageou o engraxate Rás Gonguila,
conhecido como o “imperador do carna-
val de Maceió”. O contrato de 8 milhões
de reais visava, segundo a administração
municipal, aproveitar a vitrine do carna-
val carioca para promover a cidade, um
dos principais destinos turísticos do
Nordeste, mas foi a calorosa recepção
oferecida pelo bicheiro Anísio Abraão
Davi, patrono da escola de samba, que
chamou a atenção no sambódromo.
Passada a folia carnavalesca, Caldas e
Lira devem enfrentar a ressaca da CPI da
Braskem, a ser instalada ainda neste mês
no Senado para investigar a maior tra-
gédia socioambiental urbana da atuali-
dade. Sugerida pelo senador Renan Ca-
lheiros, do MDB alagoano, e presidida
por Omar Aziz, do PSD do Amazonas, a
comissão foi criada em dezembro passa-
do, ainda não tem um nome definido pa-
ra relatoria, mas o próprio Calheiros tem
interesse no cargo, replicando a parce-
ria dele com Aziz na CPI da Pandemia.
A expectativa é de que algumas vítimas
sejam as primeiras convocadas a depor,
assim como os executivos da minerado-
ra que operou na extração de sal-gema
por mais de 30 anos na capital alagoana,
encerrando a exploração em 2019, após
as minas instaladas, 35 no total, come-
çarem a colapsar. Os primeiros sinais da
tragédia surgiram em 2018, com um tre-
mor capaz de abrir crateras nas ruas e ra-
char as paredes das edificações.
A Mina 18 foi a última a colapsar, em
dezembro do ano passado. O risco agora
paira sob as minas 20 e 21, que se fundi-
ram e estão submersas na Lagoa Mun-
daú. Estudos preliminares indicam que
as duas deram origem a uma caverna gi
g ante, com 121 metros de altura e 96 me-
tros de largura. Um estudo de novembro
mostra que a cratera está avançando. A
Defesa Civil afirma que essa movimenta-
ção era esperada e diz que todas as minas
continuam sendo monitoradas constan-
temente. Em nota, a Braskem informou
não haver “registro atípico de sísmica ou
de movimento relevante detectado pelos
equipamentos da rede de monitoramen-
to na área das cavidades 20/21”.
Calheiros defende a revisão dos acor-
dos de indenização celebrados pela mi-
neradora. A CPI teria a missão de fazer
justiça às vítimas. “A expectativa é de
um trabalho técnico imparcial e fiel ao
fato determinado no requerimento de
criação da CPI: o desastre ambiental da
Braskem em Maceió. Ele não transbor-
da para nenhum outro tema, até porque
o escopo está muito claramente descrito
no pedido inicial e tem um vetor nitida-
mente humanitário”, diz o emedebista.
“As vítimas serão a prioridade da Comis-
são, bem como a revisão dos contratos
ilegais entre a prefeitura e a Braskem.”
O senador cobra uma auditoria para in-
vestigar quanto e a quem a Braskem deve,
incluindo as vítimas, o estado de Alagoas e
os municípios afetados direta e indireta-
mente. Na segunda-feira 12, ele aprovei-
tou a presença de Lira e Caldas no desfi-
le da Beija-Flor para fustigar os adversá-
rios: “As vítimas da Braskem estão aban-
donadas, mas os foliões que coreografa-
ram acordos ilegais deliram na avenida,
inebriados pelo dinheiro público. Preço
tem: 8 milhões de reais da prefeitura de
Maceió torrados no Rio. É desumano e
cruel. Merece nota zero em todos os que-
sitos”, disparou Calheiros. Também nas
redes sociais, Lira definiu sua experiên-
cia no sambódromo como um “momento
histórico para a nossa capital e para o es-
tado de Alagoas”, sem fazer qualquer re-
ferência aos bairros fantasmas de Maceió
Em janeiro, a Agência Nacional de Mi-
neração apresentou um relatório com
exigências para a Braskem cumprir no
prazo de 60 dias, incluindo um parecer
detalhado sobre a Mina 18, causas e con-
sequências do colapso. A ANM cobra ain-
da um estudo sobre a possível ocorrên-
cia de novos eventos de movimentação
do terreno ou abatimentos e colapsos em
outras cavidades. “Todos os dias vemos
um fato novo para justificar a existên-
cia da CPI. São 150 mil vidas afetadas, 6
mil pequenos negócios fechados, famí-
lias destruídas, sonhos enterrados, de-
semprego e, provavelmente, a maior mi-
gração urbana do mundo em tempos de
paz”, enumera Calheiros.
As pessoas atingidas relatam, ainda,
um comprometimento da saúde mental.
Obrigada a fechar seu estúdio de pilates
devido ao desastre, a fisioterapeuta An-
dréa Alpoim foi diagnosticada com de-
pressão e transtorno de ansiedade gene-
ralizada. Nem a casa que morava nem o
estúdio, ambos no bairro Pinheiros, fo-
ram indenizados pela Braskem, sob o ar-
gumento de que não faziam parte da área
de risco. “A grande maioria dos meus pa-
cientes morava na região que foi inserida
no mapa e todos saíram do bairro com o
passar do tempo. Fiquei sem clientes da
noite para o dia e comecei a acumular dí-
vidas. Não tive outra alternativa a não ser
fechar as portas, vender o maquinário,
tentar pagar o máximo de dívida”, diz a
fisioterapeuta, acrescentando que seu
pai também adoeceu em decorrência da
tragédia, teve um Acidente Vascular Ce-
rebral que deixou várias sequelas.
A especulação imobiliária também
atormenta as vítimas da Braskem. Além
de ter perdido suas casas, as pessoas fo-
ram levadas a procurar bairros menos
valorizados, porque as somas que rece-
beram nas indenizações não são sufi-
cientes para comprar um imóvel com-
patível com o que tinham. Muitos tive-
rem de partir para o aluguel e, mesmo as-
sim, caíram de padrão. “Antes, você pa-
gava num apartamento de 110 metros em
torno de 2 mil reais de aluguel. Hoje, não
é menos de 3,5 mil”, afirma Alpoim. “A
Braskem nunca pagou a indenização jus-
ta aos moradores. Ela usou de expertise
com as tratativas, aproveitando do mo-
mento de pânico da população. A maio-
ria, 90% dos afetados, retroagiu, indo pa-
ra bairros menos valorizados”, completa
Jackson Douglas, morador do bairro de
Bebedouro, evacuado às pressas.
A indenização paga pela Braskem é
um dos maiores gargalos da tragédia.
Além da CPI, a Defensoria Pública Es-
tadual e a OAB de Alagoas estão empe-
nhadas na revisão dos valores pagos. Na
quinta-feira 15, após o fechamento des-
ta edição de CartaCapital, está previs-
ta uma audiência na Justiça de Roter-
dã sobre o desastre da Braskem, já que
a mineradora tem vínculos empresa-
riais na Holanda. Desde 2022, o caso
é analisado no país europeu, paralela-
mente aos processos no Brasil. A previ-
são é de uma análise do mérito da ação
no segundo semestre deste ano. “Vamos
lá colaborar com a Corte holandesa para
tentar buscar uma indenização justa. A
gente quer que a Justiça brasileira tam-
bém dê uma resposta satisfatória. Seria
muito feio para o Brasil se essa justiça
vier lá do outro lado do Atlântico”, res-
salta o defensor público de Alagoas, Ri-
cardo Melro, que viajou à Holanda.
Situação ainda mais difícil vivem as
pessoas que moram nas comunidades
que margeiam os cinco bairros fantas-
mas. Os moradores dessas comunidades
ilhadas nem sequer têm direito a indeni-
zação, porque estão fora do mapa de ris-
cos. Com a desocupação dos bairros vi-
zinhos, os serviços que antes operavam
lá deixaram de existir. Escolas, unida-
des de saúde, supermercados, farmácias
e outros serviços foram desativados, com-
prometendo o cotidiano dos moradores
isolados. “São pessoas que vivem da eco-
nomia local, são do comércio informal e
não têm acesso aos serviços básicos, se-
jam públicos ou privados”, destaca a advo-
gada Marluce Furtado, integrante da Co-
missão Especial de Acompanhamento do
Caso Pinheiro da OAB de Alagoas. “Essas
pessoas também precisam ser ouvidas.”•
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