O governo federal avança nos
compromissos ambientais, mas enfrenta
oposição no Congresso e nos estados
MAURÍCIO THUSWOHL
No momento em que habitan-
tes da cidade gaúcha de Mu-
çum estavam reunidos pa-
ra rogar aos céus o fim das
inundações no Vale do Ta-
quari, Lula subia ao púlpito da ONU dis-
posto a colocar o Brasil no papel de lide-
rança no enfrentamento global às mudan-
ças climáticas e da adoção de novas e sus-
tentáveis formas de produção. Muito
aplaudido ao anunciar a intenção de se po-
sicionar “na vanguarda da transição ener-
gética”, o presidente brasileiro usou como
trunfo a redução de 48% no desmatamen-
to da Amazônia em apenas oito meses de
gestão e o esboço do plano de transição
sustentável, que tem entre as novidades
o lançamento de “títulos verdes” emiti-
dos pelo Tesouro para financiar projetos
ambientalmente amigáveis.
Lula prometeu na
ONU colocar o Brasil
na “vanguarda da
transição energética”
Infelizmente, Lula expressa apenas a
posição de uma parte do Brasil. No Con-
gresso, estados e prefeituras, outra visão
de mundo colide com as boas intenções
do presidente e ameaça as promessas fe-
derais. Para Cláudio Couto, cientista po-
lítico da FGV, o atual governo enfrenta
“tensões ambientais internas” vistas nas
administrações anteriores do petista e
expressas, neste momento, na relação
entre os ministérios do Meio Ambien-
te e de Minas e Energia. “Isso reflete a
heterogeneidade do governo, agora ain-
da mais explicitada com a entrada de re-
presentantes do ‘Centrão’ no ministério.
É uma tensão esperada, que não vai aca-
bar tão rápido, dá para imaginar que o go-
verno vai funcionar assim o tempo todo.”
Secretário-executivo do Observatório
do Clima, Márcio Astrini afirma que o
Brasil tem, de um lado, um governo que
lança ações de combate ao desmatamen-
to e preservação da floresta e, de outro,
um Congresso prestes a aprovar um pa-
cote de aceleração da destruição e de pro-
teção aos criminosos ambientais. “Está
traduzido na pauta do Senado, com pro-
jetos de lei que acabam com direitos in-
dígenas, liberam agrotóxicos, afrouxam
o licenciamento ambiental e dão anistia a
grileiros. Temos o governo atuando bem
por um lado e um Congresso que pode sa-
botar essa postura.” Apesar dos pesares,
avalia Astrini, Lula tem mostrado resul-
tados importantes na área ambiental. “O
governo colocou as ações em campo no-
vamente e começou a implementar a lei,
o que o governo anterior não fazia para
beneficiar o crime ambiental. Recoloca
a capacidade de operação do Estado para
proteger a floresta e restabelecer o com-
promisso ambiental do governo possibi-
litou essa impressionante redução nos
alertas de desmatamento.”
Para o deputado federal Nilto Tatto,
do PT, Lula tem feito a lição de casa, mas
é obrigado a lidar com as dificuldades
inerentes à política. “Hoje temos nos di-
versos ministérios áreas para tratar do
enfrentamento à crise climática e um
programa de governo que coloca em sua
centralidade a agenda ambiental. Mas a
chapa do presidente elegeu 130 deputa-
dos em um universo de 513 e o Congresso
não reflete o programa eleito pelo povo.”
O parlamentar petista defende o diálo-
go. “A grande maioria do Congresso não
tem entendimento dos desafios e opor-
tunidades para o Brasil no plano interna-
cional. Mas confio na capacidade do go-
verno de mostrar que esta é uma agen-
da importante, inclusive para o agrone-
gócio. O mundo todo clama que o Brasil
diminua suas emissões de gases de efei-
to estufa na produção de commodities.”
Integrante da coordenação do Fórum
Brasileiro de ONGs de Meio Ambiente,
Rubens Born diz que Lula mostrou na
ONU que o Brasil “vai voltar a contribuir
com a superação dos grandes problemas
civilizatórios, entre eles as crises do cli-
ma, da biodiversidade e da poluição”. O
ambientalista gostou do discurso presi-
dencial: “Mostrou indignação em relação
aos investimentos em combustíveis fos-
seis e mencionou que 10% da população
mais rica do planeta, distribuída em vá-
rios países, responde por quase 50% das
emissões, mostrando que a desigualdade
também se denota quando analisamos a
mudança do clima”. Promessas como a de
zerar o desmatamento, diz Born, esbar-
ram na falta de preparo de parte da clas-
se política. “Temos vários governos esta-
duais e municipais que não se empenham
ara a superação dos problemas de sanea-
mento e controle da ocupação do solo. Is-
so se reflete no aumento do desmatamen-
to do Cerrado. O Brasil continua no dile-
ma entre se tornar um país socialmente
justo e ambientalmente saudável ou não.”
Muitas vezes acompanhado pelas mi-
nistras do Meio Ambiente, Marina Silva,
e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara,
o titular da Fazenda, Fernando Haddad,
fez 36 reuniões com 60 fundos de inves-
timento para atrair recursos que impul-
sionem a transição energética brasilei-
ra. Haddad comemorou a receptivida-
de à iniciativa dos títulos verdes. “O fi-
nanciamento internacional vai permitir
que o processo de transição seja acelera-
do.” O Brasil, discursou o ministro, po-
de não só descarbonizar sua economia,
mas apoiar outros países nesse proces-
so. “Não precisamos nos resignar à con-
dição de exportadores de energia limpa,
que é o que o mundo gostaria que fizés-
semos. O Brasil vai produzir e exportar
energia limpa, mas entendemos que uma
boa parte dessa energia tem de ser con-
sumida no próprio país para manufatu-
rar produtos verdes.”
“É muito bom ver o ministério que tra-
ta da economia falando para o mundo e
arrecadando recursos para alavancar a
agenda ambiental no Brasil. Isso é iné-
dito e extremamente positivo, porque o
desafio do clima não será contemplado
apenas com ações do Ministério do Meio
Ambiente. Você precisa de pastas como
Agricultura, Cidades, Desenvolvimen-
to, Fazenda, Planejamento”, diz Astrini.
Born segue na mesma toada: “É auspicio-
so saber que a Fazenda e o próprio minis-
tro estão empenhados em contribuir pa-
ra a transição ecológica”. Ele lembra que
mesmo ministros de fora do PT demons
tram apoio à ideia, casos de Simone Te-
bet, do Planejamento, e Geraldo Alck-
min, do Desenvolvimento.
A proeminência das ministras Sônia
Guajajara e Marina Silva em Nova York
foi apontada como um contraponto às di-
ficuldades que seus respectivos ministé-
rios enfrentam internamente. “Ter o mi-
nistro da Fazenda coordenando um pro-
grama de transição ecológica é um reforço
extraordinário inclusive para as agendas
específicas. O governo está fazendo aquilo
por que os ambientalistas historicamente
lutaram, que é colocar a agenda ambien-
tal no centro das ações do governo”, diz
Tatto. Couto avalia que o distanciamen-
to com esses ministérios pode não ser tão
grande como aparenta. “Há a necessidade
de equilibrar tudo. Se for pensar em apoio
no Congresso, Sônia e Marina não têm
muitos votos, enquanto o PSD do minis-
tro de Minas e Energia tem. Esse cálculo
pesa na hora de Lula tomar algumas de-
cisões. Há a necessidade de contempori-
zar interesses vários do agronegócio, dos
povos indígenas, dos estados que querem
se desenvolver com a riqueza do petróleo
e das preocupações ambientais.”
Enquanto se recoloca no cenário inter-
nacional, o Brasil convive com o despre-
paro para enfrentar as emergências cli-
máticas em curso. Segundo o Centro Na-
cional de Monitoramento e Alertas de De-
sastres Naturais, novas chuvas intensas
deverão ocorrer no Sul nos próximos dias.
Para Pedro Aranha, coordenador da Coa-
lizão pelo Clima, os prejuízos serão gran-
des. “Viveremos nos próximos dois anos
vários extremos climáticos e não temos a
dimensão dos estragos. Imaginem mais
de 700 mililitros de chuva por três horas
seguidas na Rocinha ou em Paraisópo-
lis...” Aranha afirma haver “dois Brasis”
no aspecto ambiental: “Um governo que
afirma compromisso com o enfrentamen-
to da crise climática e outro que bate bo-
la com o Centrão, mantém a destruição
do Cerrado e quer permitir a exploração
de petróleo na Foz do Rio Amazonas”.
CARTA CAPITAL
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