July 28, 2022

Bolsonaro: prestígio em declínio

 



POR CARLOS DRUMMOND.

Com ataques sucessivos às instituições e à democracia, afrontas a princípios do mercado e escândalos de corrupção, o governo gera desconforto crescente entre empresários e participantes do mercado financeiro, seus apoiadores de primeira hora. Se antes era desconfortável, nesse meio, sugerir alternativas de desenvolvimento econômico democrático, sustentável e inclusivo, hoje a resistência a propostas progressistas deu lugar a um constrangimento para o lado oposto, isto é, para aqueles que ainda defendem a política de Bolsonaro.  

A análise, a reunir considerações de várias fontes empresariais que preferem permanecer anônimas, é coerente com manifestações públicas de algumas instituições como o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, o Iedi, o think tank das maiores indústrias brasileiras, e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, que deixam evidente a elevação do risco da continuidade da atual política para o “ecossistema” da atividade empresarial.  

Nas últimas semanas, a intervenção do governo na Petrobras, com trocas em série de presidentes para baixar o preço dos combustíveis na véspera das eleições, e o escândalo de corrupção no Ministério da Educação, com a prisão de Milton Ribeiro e o pedido de abertura de uma CPI no Senado, enfraqueceu ainda mais o discurso de quem identifica o governo com o liberalismo e a moralização da máquina pública.  


Um dos exemplos mais significativos da política de vale tudo de Bolsonaro na economia para atingir objetivos eleitorais é a enorme distância entre as competências de Caio Mário Paes de Andrade, o candidato indicado pelo governo ao cargo de presidente da Petrobras, a maior e mais importante empresa do País, uma das mais relevantes do mundo no seu setor, e os requisitos mínimos do cargo. A ata da reunião do Comitê de Pessoas da Petrobras realizada dia 24 registrou, de modo objetivo e sem contestações, que a formação acadêmica de Paes de Andrade, com graduação em Comunicação Social, “área em nada relacionada com as atividades da Petrobras”, e sua experiência profissional “em empresas cuja complexidade é substancialmente menor que a da Petrobras”, mostram tratar-se de um candidato “sem as aptidões necessárias ao exercício do cargo”, em especial em um momento em que “os problemas nos quais está mergulhada a companhia indicam que um candidato com experiência na gestão de grandes empresas ou órgãos da administração pública e do Estado é muito necessário”.  O desconforto dos que defendiam Bolsonaro é cada vez mais nítido 

Na sequência da estarrecedora justificativa de que a decisão foi tomada para “pacificar o País”, o Comitê de Pessoas aprovou a indicação de Bolsonaro. Inepto, Paes de Andrade prossegue, até o momento sem bloqueio, no caminho de várias instâncias até o posto principal da estatal.  Do liberalismo radical prometido pelo governo, restou como trunfo significativo a privatização da Eletrobras e, ainda assim, para beneficiar apenas bancos e corretoras que ganharam com a corretagem, disparou o dono de uma empresa de médio porte. Na Fiesp, hoje distante do período em que foi transformada em partido político, na gestão do bolsonarista Paulo Skaf, o atual presidente, Josué Gomes da Silva, defendeu, na segunda-feira 20, as instituições e o Estado Democrático de Direito.  

O pronunciamento ocorreu em reunião fechada de dois conselhos superiores da federação e depois foi transmitido à imprensa por participantes do encontro. Gomes da Silva sublinhou que “a Fiesp estará ao lado da democracia e da solidez das instituições”, uma indicação de que a instituição discorda dos ataques de Bolsonaro e seus radicais seguidores ao sistema eleitoral e aos tribunais superiores.  


O documento do Iedi, intitulado “Indústria e Estratégia de Desenvolvimento Socioeconômico do Brasil”, apresenta uma agenda de ações ligada à perspectiva de renovação representada pelas eleições, com o objetivo de “melhorar o ambiente de negócios e assegurar um desempenho socioeconômico superior” ao atual. O Instituto chama atenção, entre outros aspectos, para os obstáculos criados à atividade industrial com a radicalidade do desmonte do Estado, responsável pela educação pública. Sem solução da desigualdade social e da educação, dizem os autores do texto, saem prejudicados o treinamento de bons profissionais e uma indústria forte. “O treinamento profissional tem como base a educação, não apenas a formal, que se expressa por exemplo em pouca aderência a guias de execução, manuais de instrução e outros instrumentos, devido a problemas de interpretação de textos, por exemplo, mas também na capacidade de reflexão, visão lógica, método”, sublinha Rafael Cagnin, economista-chefe da entidade. “A crise da indústria não é explicada por isso. Como o documento afirma, as causas são múltiplas. É um equívoco reduzir este problema a apenas uma variante. Assegurar uma educação de qualidade não elimina automaticamente as desigualdades sociais nem resolve os gargalos de mão de obra treinada, embora possa ser um avanço importante. Não vai reverter a crise industrial, mas faz parte da solução.”   

Algumas passagens do documento do Iedi mostram uma identificação entre os objetivos considerados importantes à recuperação da indústria e pontos de uma pauta para a retomada econômica e social do País. “É crucial que o País recobre uma trajetória robusta de aumento de produtividade e de competitividade, o que exigirá reformas que corrijam custos sistêmicos e uma estratégia industrial em direção à digitalização e sustentabilidade, tal como vêm fazendo as grandes potências mundiais. Para isso, é preciso assegurar algumas precondições, como tranquilidade político-institucional, trajetória de equilíbrio de médio e longo prazo das finanças públicas, redução de nossas desigualdades sociais e melhora da educação e compromisso com a sustentabilidade ambiental”, diz o texto. 

 A três meses das eleições, uma novidade no ambiente corporativo é que grandes bancos admitem que, sem o BNDES, eles não conseguirão financiar projetos novos e que todo país precisa de um banco como o Eximbank. Agência de créditos oficial para exportações e importações criada nos Estados Unidos pelo presidente Franklin Roosevelt em 1934, o Eximbank foi replicado em vários países, inclusive Coreia do Sul, China e Índia. Faz todo sentido, dizem representantes dessas instituições, que o BNDES, que assim como os Eximbank conta com um corpo técnico qualificado e faz planejamento, atue em setores onde não há mercado privado de financiamento, ou nos quais é preciso correr mais risco. 

 Há bastante clareza, tanto no setor empresarial como no mercado financeiro, quanto à necessidade de se combater a regressividade dos impostos que caracteriza a estrutura tributária do ­País. Haveria consenso, entre empresários, quanto à necessidade de tributação de dividendos, mas há uma ressalva, a de que é preciso rever a carga tributária sobre as empresas. No setor financeiro, predomina, porém, a lógica de que imposto sobre grandes fortunas “é demagogia, porque gera fuga de capitais”.  Assim como EUA, China, Índia e Coreia têm seus Eximbank, o Brasil precisa revitalizar o BNDES 


Do ponto de vista fiscal, existe um reconhecimento em parcelas significativas do empresariado e do setor financeiro de que há necessidade de um espaço para investimento público em infraestrutura, educação, saúde e segurança, mas subsiste um dilema sobre como fazer isso. A preferência, no setor financeiro e em parte do segmento empresarial, é reduzir outras despesas do governo, o que teria o inconveniente político de se esperar longos anos até a criação desse espaço. Como alternativa, uma parcela do setor produtivo mostra disposição para analisar a proposta do Partido dos Trabalhadores, de um programa de parcerias público-privadas e mudanças nos sistemas de concessões para acelerar a economia e a criação de novos empregos, com a participação do BNDES e a atração de investimentos privados para áreas de infraestrutura social e sustentabilidade. O programa, diz o PT, será adotado caso Lula vença as eleições e permite acelerar os investimentos, a geração de empregos e de receita fiscal. A constatação, por representantes do empresariado, de que reformas, por si só, não destravam a economia e que elas precisam estar integradas a um sentido de crescimento econômico e desenvolvimento, ajuda a construir um clima favorável à retomada após as eleições.  

Apostar que o “saco de bondades” eleitorais do governo reduzirá de modo significativo a distância entre Lula e Bolsonaro nas pesquisas é complicado, ressalta um diretor de seguradora. As medidas destinadas a baixar o preço dos combustíveis e os aumentos da ajuda financeira aos caminhoneiros, do auxílio emergencial e do auxílio gás vieram muito em cima da hora. Além disso, avalia, é arriscado considerar que agora tudo está resolvido para a política monetária, porque o governo se antecipou em subir juros. Como se eles tivessem atingido um patamar de equilíbrio, quando, na verdade, subiram para criar uma arbitragem entre os juros externos e os juros internos. Ocorre que, se o juro externo começar a subir, esse hiato se fecha e novas elevações acontecerão. Caso isso ocorra, haverá uma combinação de juro alto com desemprego alto. 

Outro fator a considerar é que a indexação da economia produz reverberações da inflação mais duradouras do que em outros países, como mostram estudos de vários economistas. Os dados revelam que, no Brasil, a inflação é bem mais persistente quando ocorre um choque de câmbio.  

Enquanto Bolsonaro assume um comportamento cada vez mais agressivo e destrutivo após várias pesquisas eleitorais apontarem o risco de ser derrotado ainda no primeiro turno, Lula tem a agenda repleta de encontros, inclusive com empresários. Após três reuniões seguidas com banqueiros e industriais, ele e Alckmin se encontrarão com dirigentes da Fiesp em  julho, em série de discussões com candidatos à Presidência. •  

CARTACAPITAL



July 20, 2022

A violencia é o objetivo do bolsonarismo


CLAUDIO COUTO

O bolsonarismo não é um movimento político qualquer, mas um que se elegeu e governou com uma retórica e uma simbologia da violência. Não à toa, durante a campanha Jair Bolsonaro usava como gesto de identificação de seu projeto político a mão que emula um revólver. Não casualmente, bradou que iria metralhar a “petralhada”, utilizando um tripé de filmagem como simulacro de uma metralhadora. Que tipo de político se elege usando armas como emblema? Que tipo de proposta política usa, ainda que no “sentido figurado”, a execução de adversários políticos como retórica para inflamar seus seguidores?

Aliás, Bolsonaro se queixou da jornalista que lhe perguntou sobre essa famigerada frase. Segundo ele, a repórter seria incapaz, por deficiência de formação, de entender o “sentido figurado” daquilo que disse o então candidato. Cumpre questionar: será que os bolsonaristas mais ardentes, como o policial penal federal Jorge Guaranho, também não podem confundir o “sentido figurado” com o sentido ­real? Ou serão eles mais bem formados que a repórter? Quem usa frases desse teor deveria ser mais precavido, presidente..

Contudo, não se trata só de retórica e
de simbologia (que têm efeitos práticos
sobre o comportamento dos seguidores),
mas de medidas governamentais efetivas
para estimular a violência: liberou-geral
de armas e munições, desmonte dos ór-
gãos e das políticas de fiscalização que
inibem o crime e as violências por ele
perpetradas, incentivo aberto da autori-
dade governamental à brutalidade poli-
cial, alardeada como meritória.

Por tais medidas e por tal retórica é
impossível dissociar três episódios re-
centes de violência daquilo que promo-
vem o governo Bolsonaro ou o presiden-
te diretamente. E, nesses três episódios,
o chefe de governo procurou culpar as ví-
timas pelo seu trágico destino, atenuan-
do a responsabilidade dos criminosos.
Genivaldo de Jesus Santos foi assas-
sinado por policiais rodoviários fed
ais numa câmara de gás improvisada
no bagageiro de uma viatura. Essa mes-
ma corporação – “nossa Polícia Rodovi-
ária Federal”, como costuma dizer Bol-
sonaro – tem sido estimulada a partici-
par de operações de assalto estranhas à
sua missão, cooptada pelo bolsonarismo
para integrar sua guarda pretoriana, in-
clusive levando militantes na garupa
de veículo oficial em motociatas presi-
denciais. Ademais, o incentivo governa-
mental generalizado à brutalidade poli-
cial tem efeitos sobre o comportamento
de integrantes das corporações, dentre
as quais está a PRF. Ao abordar o episó-
dio, Bolsonaro chamou Genivaldo, a ví-
tima, de marginal, minimizando seu as-
sassinato cruel pelos policiais mediante a
invocação de outro episódio recente, em
que PRFs foram mortos por um bandido.
Câmara de gás como legítima defesa?

A morte e o vilipêndio dos corpos de
Bruno Pereira e Dom Phillips na Ama-
zônia não ocorreu por acaso. Decorreu
diretamente do desmonte da estrutura
estatal de proteção ambiental e das áre-
as indígenas, que estimula a ação de gru-
pos criminosos nessas regiões: grileiros,
madeireiros, garimpeiros, pecuaristas,
pescadores. Bolsonaro novamente cul-
pou os vitimados, apontando-os como
aventureiros irresponsáveis num lugar
perigoso. Vale notar que grupos crimino-
sos que atuam no Vale do Javari, onde se
deu o crime, e noutras regiões da Amazô-
nia, foram defendidos abertamente pelo
atual governo. O próprio Bolsonaro con-
denou a queima de equipamentos utiliza-
dos para a prática de ilegalidades na flo-
resta (expediente previsto em lei), sina-
lizando assim a aprovação presidencial
de seu uso naqueles lugares e, portanto,
autorizando a incursão dos criminosos
nessas áreas. Não bastasse, houve ma-
nifestações diretas e presenciais de so-
lidariedade de integrantes do governo a
grupos criminosos, como as feitas pelo
ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo
Salles, que se reuniu com madeireiros
ilegais para defender seus interesses.

O assassinato de Marcelo Arruda em
sua festa de aniversário, diante de fami-
liares e amigos, não foge a tal regra. A re-
tórica da violência, a preconização do uso
de armas para fins políticos (defesa da
“liberdade”) e o tratamento da oposição
de esquerda como um “mal” a ser com-
batido estimulam esse tipo de ação. Se na
luta do bem contra o mal os “esquerdis-
tas” são o mal, devem ser extirpados. Só
o inimigo é hoje (como era na ditadura
tão apreciada por Bolsonaro) um inimi-
go interno (essa mesma esquerda) deve
ser combatido por meio de uma guerra e,
portanto, com armas.

Jorge Guaranho nada mais fez do que
seguir a orientação do “mito”, açulado
por ele em seu ódio a petistas. E o presi-
dente ainda defendeu a ação do assassi-
no, alegando que apenas matou seu ini-
migo político porque teria sido por ele
agredido. Depois, Bolsonaro ainda inten-
tou instrumentalizar gente da família da
vítima mais simpáticos a suas ideias po-
líticas para tentar inverter em seu bene-
fício a narrativa do crime.

Bolsonaro manifesta seu des-
dém pela vida humana nas
mais diversas situações. Em
chacinas promovidas por po-
liciais (inclusive, agora, com
o concurso da PRF), elogia a
matança e desfaz dos mortos. Dessa for-
ma, dá à execução sumária de suspeitos
(ou de quem estiver no caminho) a chan-
cela de uma política de governo. Durante
a pandemia da Covid-19 se tornaram cé-
lebres as declarações ultrajantes dadas
por ele acerca dos mortos (“e daí”, “não
sou coveiro”, “todo mundo morre um
dia”). Não foi diferente sua postura dian-
te de desastres naturais, como as inunda-
ções que vitimaram centenas de morado-
res na Bahia e em Minas Gerais no início
de 2022, enquanto o presidente despre-
ocupadamente se divertia à beira-mar.
Se tal desprezo se dá em relação à vi-
da de cidadãos comuns, o que não dizer
de adversários – isto é, de inimigos – po-
líticos? Nuns casos, o presidente não se
importa, noutros, o presidente estimula.
A violência não é só um instrumento
de que se serve o bolsonarismo, ela é tam-
bém seu objetivo. Mais do que isso, a vio-
lência, ritualizada e prática, define o que
o bolsonarismo é: um movimento tanatocrático.

CARTA CAPITAL 





 

July 19, 2022

O crime da indiferença

A violência só existiu porque houve quem visse e nada dissesse. Por detrás de quem atuou estiveram os outros, os que lá atrás assistiram a tudo sem nada dizer

 POR JOSÉ SÓCRATES

A violência ilegítima não é política, é o fracasso da política. Se a política se baseia, como diz Hannah Arendt, na pluralidade humana, então a política serve justamente para arbitrar essa pluralidade e construir soluções coletivas legítimas para os problemas que dizem respeito à vida coletiva, ou ao vivre ensemble, como a literatura política francesa gosta de dizer. Não, a violência não é a política por outros meios. Ela representa apenas a negação da política. Nesse sentido, o assassinato de Marcelo Arruda, dirigente do PT, por um ativista político bolsonarista foi um ato contra a política. Aqueles tiros foram tiros na política – tiros em cheio na política brasileira. 

 Depois da tragédia, nova tragédia, desta vez com a justificação da “polarização” política. Absolutamente revoltante. Na verdade, o que essa gente quer dizer é que não há inocentes nesta história e que ambos os lados têm culpa. Como se não houvesse vítima e agressor. Como se não houvesse um morto. Como se não houvesse crime.  

Se bem percebo o que querem dizer,
essa gente da “polarização” acha que a
esquerda tem culpa por não ter colabo-
rado no seu próprio banimento político.
As vítimas dos processos de Moscou, de-
pois da confissão, depois da condenação
e já encostadas ao paredão, ainda eram
obrigadas a gritar “viva Stalin”. A culpa
da esquerda, se bem os entendo, foi não
ter aplaudido o seu próprio pelotão de
fuzilamento durante o golpe parlamen-
tar contra a presidente Dilma Rousseff
e, depois, a prisão de Lula da Silva. A es-
querda é culpada por ter lutado democra-
ticamente pela sua própria sobrevivên-
cia e com isso ter criado a tão odiosa “po-
larização”. A culpa da esquerda foi não
aceitar a criminalização do seu principal
partido. Pior ainda, a culpa da esquerda
foi ter saído das eleições com 47 milhões
de votos. E, finalmente, não devemos es-
quecer a última culpa da esquerda – estar
à frente em todas as pesquisas. No fundo,
no fundo, a responsabilidade da esquer-
da é existir. Ódio absoluto – é a tua exis-
tência que motiva o meu ódio. O ódio ra-
dical é ódio do próprio ódio.


Se quisermos discutir a sério o que se
passou, devemos começar por reconhe-
cer que nada disso é de agora. Tudo isso
vem de trás, de quando se tornou eviden-
te que era preciso enfrentar com coragem
a retórica violenta que tomou conta da vi-
da política do Brasil. Agora, foi apenas a
passagem ao ato. Tudo isso vem do tem-
po em que se dizia que era preciso “fuzi-
lar essa petralhada toda” e que “a petra-
lhada vai tudo para a ponta da praia”, nu-
ma obscena alusão ao pior da gíria mili-
tar usada na ditadura. Tudo isso vem daí.
Agora, foi apenas a passagem ao ato.


Houve muita gente cúmplice, é verda-
de. Mas o mais chocante foi a indiferen-
ça. A maior aliada do presidente Jair Bol-
sonaro foi a indiferença. A maior amiga
da escalada da violência foi a indiferença.
A indiferença que é filha da intimidação,
do medo e da covardia. E, por favor, dei-
xem-me clarificar um ponto importan-
te. A indiferença de que falo não diz res-
peito à indiferença social, ao alheamento
em face dos assuntos públicos. Não gos-
to dessa atitude, mas ela é absolutamen-
te legítima dentro da moral democrática.
Mas não é dessa indiferença que estou a
falar. A indiferença de que aqui falo tem
a ver com a distinção entre bystanders e
perpetrators, ou seja, com a distinção en-
tre os que “fazem o mal” e aqueles que as-
sistem, desviando o olhar do “mal que es-
tá a ser feito”. É nesses últimos que pen-
so quando falo de indiferença.


Na verdade, a violência só existiu por-
que houve quem visse e nada dissesse.
Por detrás de quem atuou estiveram os
outros – os que lá atrás assistiram a tu-
do sem nada dizer. Os abusos foram co-
metidos à sua frente e perante o seu si-
lêncio. E esse silêncio permitiu a violên-
cia, que foi crescendo, escalando. É a es-
sa indiferença que me refiro. À indife-
rença de quem tudo observou de cima,
da janela, enquanto cá em baixo, na rua,
se desenrolou a ação. Na bela fórmula de
Gramsci, refiro-me à indiferença como
sendo o “peso morto da história”. Sim, eu
também detesto os indiferentes. E numa
coisa podemos concordar – houve indi-
ferença a mais no Brasil. É tempo de aca-
bar com ela. E esse tempo está a chegar.

CARTA CAPITAL 


Claes Oldenburg Dies at 93; Pop Artist Made the Everyday Monumental

 Taking ordinary objects like hamburgers and household items, he sculpted them in unfamiliar, often imposing dimensions — what he called his “Colossal Monuments.”

Claes Oldenburg at his New York studio in 2013.
Credit...Todd Heisler/The New York Times
Claes Oldenburg, the Swedish-born American Pop artist known for his monumental sculptures of everyday objects, died on Monday at his home and studio in the SoHo section of Manhattan. He was 93.

His death was confirmed by Adriana Elgarresta, a spokeswoman for the Pace gallery in New York, which, along with the Paula Cooper Gallery, has long represented him.

Mr. Oldenburg entered the New York art scene in earnest in the late 1950s, embracing the audience-participation “Happenings” then in vogue and expanding the boundaries of art with shows that incorporated things like street signs, wire-and-plaster clothing and even pieces of pie. His approach to everyday objects, performance and collaboration has continued to influence generations of artists.

An early project, “The Store” (1961), opened in a storefront in the East Village and sold absurd plaster facsimiles of everyday objects — like a shoe or a cheeseburger out of a comic strip, only covered with the recognizable drips and improvisational dashes of Abstract Expressionism.

As he focused more and more on sculpture, he began increasing the scale of his work, taking as his starting point ordinary objects like hamburgers, ice cream cones and household appliances and then enlarging them to unfamiliar, often imposing dimensions.

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Mr. Oldenburg’s “Clothespin” was erected in 1976 in Philadelphia, to commemorate the bicentennial of the Declaration of Independence.
Credit...Dan Loh/Associated Press

One of his most famous installations, erected in 1976 — the bicentennial of the Declaration of Independence — is “Clothespin,” a 45-foot-high, 10-ton black steel sculpture of precisely what the title indicates, complete with a metal spring that appropriately evokes the number 76. The work stands in stark contrast to conventional public sculpture, which Mr. Oldenburg, impersonating a municipal official, said was supposed to involve “bulls and Greeks and lots of nekkid broads.”

Mr. Oldenburg was heavily influenced by the French artist Jean Dubuffet, who brought so-called Outsider art into galleries and museums, upsetting the status quo of institutional art. But like many Pop artists, Mr. Oldenburg also took cues from Marcel Duchamp, whose so-called readymade sculptures from the early 20th century were actually ordinary, mass-produced objects (a bicycle wheel, a urinal). Mr. Oldenburg’s sculptures, however, were handcrafted rather than store-bought, and he wanted them to be, as he put it, “just as mysterious as nature.”

“My intention is to make an everyday object that eludes definition,” he once said. He rarely depicted people; instead he focused on items closely associated with human needs and desires. “I’ve expressed myself consistently in objects with reference to human beings rather than through human beings,” he said. As the art dealer Arne Glimcher, who knew and worked with Mr. Oldenburg since the early 1960s put it in an interview on Monday, “His work was almost psychoanalytic.”

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“Shuttlecocks” by Mr. Oldenburg and his second wife, Coosje van Bruggen, a series of four sculptures on the grounds of the Nelson-Atkins Museum of Art in Kansas City, Mo.
Credit...Claes Oldenburg; via the Oldenburg van Bruggen Studio

Mr. Glimcher noted that precise drawings served as the basis for Mr. Oldenburg’s work. “He was a draughtsman comparable to Ingres or Picasso,” he said, but “with the daring to mess it up.”

His most important contribution to sculpture, Mr. Glimcher said, was turning it from something hard, like bronze or wood, to something soft. The sculptures would deflate, and Mr. Glimcher recalled Mr. Oldenburg instructing his associates to “fluff them up.”

Paula Cooper, the New York art dealer who co-represented Mr. Oldenburg for many years, said of his everyday sculptures: “They were funky but always formally strong, and over time the work became grander. He would take a simple idea and expand it.”

Claes Thure Oldenburg was born in Stockholm on Jan. 28, 1929, the son of Gosta and Sigrid Elisabeth (Lindforss) Oldenburg. His father, a diplomat, had postings in London, Berlin, Oslo and New York before being appointed in 1936 as the Swedish consul general in Chicago, where Claes grew up and attended the Latin School of Chicago.

Mr. Oldenburg studied literature and art history at Yale University from 1946 to 1950. He returned to the Midwest to study at the Art Institute of Chicago in the early 1950s with the painter Paul Wieghardt, a student of Paul Klee’s at the modernist Bauhaus school in Weimar, Germany. During his early years in art school, Mr. Oldenburg worked for the City News Bureau of Chicago, where one of his duties included drawing comic strips. He was the only major artist associated with Pop Art to have drawn comics professionally.

Mr. Oldenburg became a United States citizen in 1953 and moved to New York in 1956. His first exhibition, at the Judson Gallery in May 1959, included drawings, collages and objects made of papier-mâché.

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“Floor Burger” (1962) and other works by Mr. Oldenburg at the Museum of Modern Art in Manhattan.
Credit...Suzanne DeChillo/The New York Times

His first significant shows in New York were The Street (1960), which consisted of cars, street signs and human figures made of cardboard and burlap, and The Store (1961), for which he opened his studio, then occupying a storefront on the Lower East Side, to visitors, bringing art and commerce together in the artist’s atelier. Objects for sale included sandwiches, pieces of pie, sausages and clothing made of wire and plaster and painted in an exuberant dripping style recalling Abstract Expressionism. His work quickly increased in scale.

In 1960, Mr. Oldenburg married Patty Mucha, an artist who became his first collaborator and appeared in his films. He would make drawings of the objects he would turn into sculptures, like his famed “soft” sculptures, made of canvas and later vinyl, filled with foam, and Ms. Mucha, for the most part, sewed them. “Floor Cake” and “Floor Burger,” both from 1962, led to a “Giant Toothpaste Tube” and an entire “Bathroom” installed at the Museum of Modern Art in 1969.

He also participated in Happenings by Jim Dine, Robert Whitman, Simone Forti and other artists.

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“Lipstick (Ascending) on Caterpillar Tracks,” (1969).
Credit...Claes Oldenburg; via the Oldenburg van Bruggen Studio

“Cupid’s Span,” created by Mr. Oldenburg and Ms. van Bruggen and installed in San Francisco’s Rincon Park in 2002.
Credit...John G Mabanglo/EPA, via Shutterstock

Mr. Oldenburg was thinking even bigger, however, sketching tongue-in-cheek proposals for monuments like a “Fan in Place of the Statue of Liberty,” a “Design for a Tunnel Entrance in the Form of a Nose,” and a pair of “Scissors in Motion,” to replace the Washington Monument.

His first realized “Colossal Monument,” as he called this type of work, was “Lipstick (Ascending) on Caterpillar Tracks.” Here a giant tube of lipstick fabricated in vinyl and mounted on tractor wheels, with obvious phallic and military overtones, was rolled onto Yale’s campus in 1969 at the moment Vietnam War protests and the student movement were rocking colleges and universities across the country.

Vincent Scully, the Yale architecture scholar and a champion of “Lipstick,” later described the scene as “a good deal like Petrograd, 1917.” “Lipstick” was fabricated in steel in 1974 and installed at Yale in the courtyard of the residential Morse College.

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“Plantoir” (2001), by Mr. Oldenburg and Ms. van Bruggen, on display in Des Moines, Iowa.
Credit...Daniel Acker for The New York Times

During his early years in New York, Mr. Oldenburg became acquainted with artists like Allan Kaprow, George Segal and Robert Whitman, and got involved in the Happenings that would blossom into performance art. He renamed his studio The Ray Gun Theater in 1962 and held performances there on weekends. In 1965, he rented the pool in a health club for a happening titled “Washes,” which involved colored balloons and people floating in the pool. Two decades later, Mr. Oldenburg was still combining art and theater. In 1985, in collaboration with the Dutch writer and curator Coosje van Bruggen and the architect Frank Gehry, he staged an elaborate land-and-water spectacle in Venice titled “The Course of the Knife,” with a ship shaped like a Swiss Army knife as its centerpiece.

Mr. Oldenburg had met Ms. van Bruggen after he and Ms. Mucha divorced in 1970. Ms. van Bruggen was a staff member at the Stedelijk Museum in Amsterdam at the time. Mr. Oldenburg’s first collaboration with her was in 1976, on the final version of “Trowel I,” an oversize garden implement installed on the grounds of the Kröller-Müller Museum in Otterlo, the Netherlands.

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“Spoonbridge and Cherry” at the Minneapolis Sculpture Garden.
Credit...Ben Garvin for The New York Times

The couple married in 1977. They collaborated on more than 40 projects, including “Spoonbridge and Cherry,” from 1985 to 1988, at the Minneapolis Sculpture Garden, and “Giant Binoculars” (1991), which was incorporated into Mr. Gehry’s design for the Chiat-Day Building in Venice, Calif.

Mr. Oldenburg is survived by two stepchildren, Paulus Kapteyn and Maartje Oldenburg, and three grandchildren. Ms. van Bruggen died of breast cancer in 2009 at 66. His brother, Richard E. Oldenburg, the director of the Museum of Modern Art from 1972 to 1994, died in 2018 at 84.

In addition to his sculptural commissions, Mr. Oldenburg was the subject of many solo exhibitions, including one at the Museum of Modern Art in 1969. In 1995, the National Gallery of Art in Washington and the Guggenheim Museum in New York jointly organized the retrospective “Claes Oldenburg: An Anthology.” His and Ms. van Bruggen’s work is in the collections of most major modern art museums in the United States and Europe.

While Mr. Oldenburg’s work is most often linked to the Pop Art of the 1960s, he saw his monumental versions of humble objects as more than just celebrations of the mundane.

“A catalog could be made of all such objects,” he was quoted as saying, “which would read like a list of the deities or things on which our contemporary mythological thinking has been projected. We do invest religious emotion in our objects. Look at how beautifully objects are depicted in ads in Sunday newspapers.”

Mr. Glimcher, in the interview, went further, seeing Mr. Oldenburg as an observer of an American culture in which certain objects, even the humble telephone, hamburger or ice cream cone, gain traction and mean something. “They were prophetic,” he said of Mr. Oldenburg’s sculptures. “They were sociological statements.”

Danielle Cruz contributed reporting.

NEW YORK TIMES