POR CARLOS DRUMMOND.
Com ataques sucessivos às instituições e à democracia, afrontas a princípios do mercado e escândalos de corrupção, o governo gera desconforto crescente entre empresários e participantes do mercado financeiro, seus apoiadores de primeira hora. Se antes era desconfortável, nesse meio, sugerir alternativas de desenvolvimento econômico democrático, sustentável e inclusivo, hoje a resistência a propostas progressistas deu lugar a um constrangimento para o lado oposto, isto é, para aqueles que ainda defendem a política de Bolsonaro.
A análise, a reunir considerações de várias fontes empresariais que preferem permanecer anônimas, é coerente com manifestações públicas de algumas instituições como o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, o Iedi, o think tank das maiores indústrias brasileiras, e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, que deixam evidente a elevação do risco da continuidade da atual política para o “ecossistema” da atividade empresarial.
Nas últimas semanas, a intervenção do governo na Petrobras, com trocas em série de presidentes para baixar o preço dos combustíveis na véspera das eleições, e o escândalo de corrupção no Ministério da Educação, com a prisão de Milton Ribeiro e o pedido de abertura de uma CPI no Senado, enfraqueceu ainda mais o discurso de quem identifica o governo com o liberalismo e a moralização da máquina pública.
Um dos exemplos mais significativos da política de vale tudo de Bolsonaro na economia para atingir objetivos eleitorais é a enorme distância entre as competências de Caio Mário Paes de Andrade, o candidato indicado pelo governo ao cargo de presidente da Petrobras, a maior e mais importante empresa do País, uma das mais relevantes do mundo no seu setor, e os requisitos mínimos do cargo. A ata da reunião do Comitê de Pessoas da Petrobras realizada dia 24 registrou, de modo objetivo e sem contestações, que a formação acadêmica de Paes de Andrade, com graduação em Comunicação Social, “área em nada relacionada com as atividades da Petrobras”, e sua experiência profissional “em empresas cuja complexidade é substancialmente menor que a da Petrobras”, mostram tratar-se de um candidato “sem as aptidões necessárias ao exercício do cargo”, em especial em um momento em que “os problemas nos quais está mergulhada a companhia indicam que um candidato com experiência na gestão de grandes empresas ou órgãos da administração pública e do Estado é muito necessário”. O desconforto dos que defendiam Bolsonaro é cada vez mais nítido
Na sequência da estarrecedora justificativa de que a decisão foi tomada para “pacificar o País”, o Comitê de Pessoas aprovou a indicação de Bolsonaro. Inepto, Paes de Andrade prossegue, até o momento sem bloqueio, no caminho de várias instâncias até o posto principal da estatal. Do liberalismo radical prometido pelo governo, restou como trunfo significativo a privatização da Eletrobras e, ainda assim, para beneficiar apenas bancos e corretoras que ganharam com a corretagem, disparou o dono de uma empresa de médio porte. Na Fiesp, hoje distante do período em que foi transformada em partido político, na gestão do bolsonarista Paulo Skaf, o atual presidente, Josué Gomes da Silva, defendeu, na segunda-feira 20, as instituições e o Estado Democrático de Direito.
O pronunciamento ocorreu em reunião fechada de dois conselhos superiores da federação e depois foi transmitido à imprensa por participantes do encontro. Gomes da Silva sublinhou que “a Fiesp estará ao lado da democracia e da solidez das instituições”, uma indicação de que a instituição discorda dos ataques de Bolsonaro e seus radicais seguidores ao sistema eleitoral e aos tribunais superiores.
O documento do Iedi, intitulado “Indústria e Estratégia de Desenvolvimento Socioeconômico do Brasil”, apresenta uma agenda de ações ligada à perspectiva de renovação representada pelas eleições, com o objetivo de “melhorar o ambiente de negócios e assegurar um desempenho socioeconômico superior” ao atual. O Instituto chama atenção, entre outros aspectos, para os obstáculos criados à atividade industrial com a radicalidade do desmonte do Estado, responsável pela educação pública. Sem solução da desigualdade social e da educação, dizem os autores do texto, saem prejudicados o treinamento de bons profissionais e uma indústria forte. “O treinamento profissional tem como base a educação, não apenas a formal, que se expressa por exemplo em pouca aderência a guias de execução, manuais de instrução e outros instrumentos, devido a problemas de interpretação de textos, por exemplo, mas também na capacidade de reflexão, visão lógica, método”, sublinha Rafael Cagnin, economista-chefe da entidade. “A crise da indústria não é explicada por isso. Como o documento afirma, as causas são múltiplas. É um equívoco reduzir este problema a apenas uma variante. Assegurar uma educação de qualidade não elimina automaticamente as desigualdades sociais nem resolve os gargalos de mão de obra treinada, embora possa ser um avanço importante. Não vai reverter a crise industrial, mas faz parte da solução.”
Algumas passagens do documento do Iedi mostram uma identificação entre os objetivos considerados importantes à recuperação da indústria e pontos de uma pauta para a retomada econômica e social do País. “É crucial que o País recobre uma trajetória robusta de aumento de produtividade e de competitividade, o que exigirá reformas que corrijam custos sistêmicos e uma estratégia industrial em direção à digitalização e sustentabilidade, tal como vêm fazendo as grandes potências mundiais. Para isso, é preciso assegurar algumas precondições, como tranquilidade político-institucional, trajetória de equilíbrio de médio e longo prazo das finanças públicas, redução de nossas desigualdades sociais e melhora da educação e compromisso com a sustentabilidade ambiental”, diz o texto.
A três meses das eleições, uma novidade no ambiente corporativo é que grandes bancos admitem que, sem o BNDES, eles não conseguirão financiar projetos novos e que todo país precisa de um banco como o Eximbank. Agência de créditos oficial para exportações e importações criada nos Estados Unidos pelo presidente Franklin Roosevelt em 1934, o Eximbank foi replicado em vários países, inclusive Coreia do Sul, China e Índia. Faz todo sentido, dizem representantes dessas instituições, que o BNDES, que assim como os Eximbank conta com um corpo técnico qualificado e faz planejamento, atue em setores onde não há mercado privado de financiamento, ou nos quais é preciso correr mais risco.
Há bastante clareza, tanto no setor empresarial como no mercado financeiro, quanto à necessidade de se combater a regressividade dos impostos que caracteriza a estrutura tributária do País. Haveria consenso, entre empresários, quanto à necessidade de tributação de dividendos, mas há uma ressalva, a de que é preciso rever a carga tributária sobre as empresas. No setor financeiro, predomina, porém, a lógica de que imposto sobre grandes fortunas “é demagogia, porque gera fuga de capitais”. Assim como EUA, China, Índia e Coreia têm seus Eximbank, o Brasil precisa revitalizar o BNDES
Do ponto de vista fiscal, existe um reconhecimento em parcelas significativas do empresariado e do setor financeiro de que há necessidade de um espaço para investimento público em infraestrutura, educação, saúde e segurança, mas subsiste um dilema sobre como fazer isso. A preferência, no setor financeiro e em parte do segmento empresarial, é reduzir outras despesas do governo, o que teria o inconveniente político de se esperar longos anos até a criação desse espaço. Como alternativa, uma parcela do setor produtivo mostra disposição para analisar a proposta do Partido dos Trabalhadores, de um programa de parcerias público-privadas e mudanças nos sistemas de concessões para acelerar a economia e a criação de novos empregos, com a participação do BNDES e a atração de investimentos privados para áreas de infraestrutura social e sustentabilidade. O programa, diz o PT, será adotado caso Lula vença as eleições e permite acelerar os investimentos, a geração de empregos e de receita fiscal. A constatação, por representantes do empresariado, de que reformas, por si só, não destravam a economia e que elas precisam estar integradas a um sentido de crescimento econômico e desenvolvimento, ajuda a construir um clima favorável à retomada após as eleições.
Apostar que o “saco de bondades” eleitorais do governo reduzirá de modo significativo a distância entre Lula e Bolsonaro nas pesquisas é complicado, ressalta um diretor de seguradora. As medidas destinadas a baixar o preço dos combustíveis e os aumentos da ajuda financeira aos caminhoneiros, do auxílio emergencial e do auxílio gás vieram muito em cima da hora. Além disso, avalia, é arriscado considerar que agora tudo está resolvido para a política monetária, porque o governo se antecipou em subir juros. Como se eles tivessem atingido um patamar de equilíbrio, quando, na verdade, subiram para criar uma arbitragem entre os juros externos e os juros internos. Ocorre que, se o juro externo começar a subir, esse hiato se fecha e novas elevações acontecerão. Caso isso ocorra, haverá uma combinação de juro alto com desemprego alto.
Outro fator a considerar é que a indexação da economia produz reverberações da inflação mais duradouras do que em outros países, como mostram estudos de vários economistas. Os dados revelam que, no Brasil, a inflação é bem mais persistente quando ocorre um choque de câmbio.
Enquanto Bolsonaro assume um comportamento cada vez mais agressivo e destrutivo após várias pesquisas eleitorais apontarem o risco de ser derrotado ainda no primeiro turno, Lula tem a agenda repleta de encontros, inclusive com empresários. Após três reuniões seguidas com banqueiros e industriais, ele e Alckmin se encontrarão com dirigentes da Fiesp em julho, em série de discussões com candidatos à Presidência. •
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