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November 14, 2021
Partido da Lava Jato
DEPOIS DE CORROMPER O SISTEMA DE JUSTIÇA E SEMEAR O BOLSONARISMO, SERGIO MORO E DELTAN DALLAGNOL RETORNAM À DISPUTA ELEITORAL, AGORA SEM DISFARCE
p or M AU R Í C IO THUSWOHL E RODR I GO MA RT I N S
Brasil pra frente! Moro presidente!” Depois da acusação de plagiar um slogan da campanha de Lula, o ex-juiz deve ter acha-o melhor recorrer ao surrado grito de guerra entoado na cerimônia de filiação ao Podemos, a reu- nir 400 convidados no Centro de Conven- ções Ulysses Guimarães, em Brasília, na quarta-feira 10. A plateia numerosa é para iludir os incautos. Sem nenhuma aliança substanciosa no horizonte, o presidenciá- vel limitou-se a reencontrar o general da reserva e ex-ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, que também saiu do governo de Jair Bolsonaro pela porta dos fundos, e dois deputados-youtubers do MBL, ani- mados com a possibilidade de a terceira via, quem sabe, enfim decolar. Da mesma forma, pôde rever alguns de seus subor- dinados da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, a exemplo do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, aquele que no segundo turno das eleições de 2018 viu-se “entre o diabo e o coisa-ruim”, e não hesi- tou em digitar 17 e confirmar, para “evi- tar a volta da corrupção”.
É a mesma desculpa usada por Moro para justificar a sua passagem pelo Dallagnol tinha extensa ficha-corrida no CNMP Ministério da Justiça de Bolsonaro. “Queria combater a corrupção, mas, pa- ra isso, eu precisava do apoio do gover- no e esse apoio me foi negado”, discur- sou. Balela. O cargo foi uma retribuição ao formidável trabalho como cabo eleito- ral do ex-capitão. Moro não apenas reti- rou da disputa o ex-presidente Lula, favo- rito em todas as pesquisas de 2018, como também divulgou trechos da delação do ex-ministro Antonio Palocci a seis dias do primeiro turno, exatamente quando o petista Fernando Haddad esboçava uma reação nas pesquisas. A delação não tra- zia qualquer novidade, apenas requenta- va velhas acusações contra integrantes do PT e, pouco depois, a própria Polícia Federal admitiu que se tratava de uma acusação fraudulenta, inventada a par-
tir de notinhas de jornal. Incomodado com a possibilidade de o superministro lhe fazer sombra, Bolsonaro tratou de li- mitar o seu raio de atuação, inclusive pa- ra proteger familiares. Moro desembar- cou do governo porque sempre teve am- bição política, embora tenha negado is- so repetidas vezes, muito mais do que as três ocasiões em que Pedro negou conhe- cer Cristo, após a prisão do seu Messias.
Agora sem o disfarce da toga, o ex-magistrado veste o figurino de um candidato convencio- nal. Diz defender o li- vre mercado e dar novo impulso às pri- vatizações, ao mesmo tempo que prome- te erradicar a pobreza e combater a cor- rupção. Não se cansa de repetir os lou- ros da Lava Jato. “Mais de 4 bilhões de reais foram recuperados dos criminosos e tem uns 10 bilhões previstos ainda pa- ra serem devolvidos. Isso nunca aconte- ceu antes no Brasil”, diz o ex-juiz, agora candidato – alguém notou a diferença? Evidentemente, o presidenciável esque- ceu-se de mencionar o estudo do Dieese que estimou o impacto da operação na economia. Para recuperar esses valo- res, a Lava Jato dizimou 4,4 milhões de empregos e fez o Brasil perder 172,2 bi- lhões de reais em investimentos de 2014 a 2017, sobretudo na construção civil e no setor de petróleo e gás. “O bolsona- rismo é filho legítimo do lavajatismo”, observa o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo de ju- ristas Prerrogativas, que desde o início denuncia os abusos cometidos na ope- ração. “Sob pretexto de combater a cor- rupção, a Lava Jato corrompeu o nosso sistema de Justiça, deixando um rastro luminoso de pobreza e miséria no País.” Moro não estará, porém, sozinho nes- ta caminhada. Poderá ter a companhia
de outros quadros do “Partido da La- va Jato”, como o ex-procurador Deltan Dallagnol, que acaba de deixar o Minis- tério Público Federal e não esconde suas ambições políticas, e o ex-PGR Rodrigo Janot, que acena com a mesma possibi- lidade. Após o vazamento das conver- sas da turma pela “Vaza Jato”, a explici- tar o conluio entre o juiz e os procurado- res, o figurino de “herói anticorrupção” talvez não caiba mais nos novos postu- lantes eleitorais. Mas, apesar das pedra- das que certamente receberão nos pró- ximos meses, Moro e Dallagnol contam com o eleitorado visceralmente antipe- tista para ocupar o tão sonhado – e ain- da interditado – espaço da terceira via.
O futuro dirá se conseguirão, mas, a julgar pela pesquisa da Genial/Quest divulga- da no dia em que se filiou ao Podemos, Moro apare- ce em terceiro lugar com 8% das inten- ções de voto, empatado com Ciro Gomes (7%), do PDT, dentro da margem de erro, e à frente de outros nomes aventados para a terceira via, como o governador paulis- ta João Doria, do PSDB, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, recém-chegado ao PSD. “Quando Moro oficializar sua can- didatura, ele tende a ter um aumento em suas intenções de voto. O quanto vai cres- cer é difícil de dizer. Mas muitos eleitores podem estar dispostos a votar nele, mas não o consideram, porque a candidatu- ra não estava colocada”, analisa o cientis- ta político Cláudio Couto, da FGV de São Paulo. Como a margem de crescimento do ex-juiz no eleitorado de Lula é próxima de zero, ao que tudo indica ele deve avançar sobre a base desiludida com Bolsonaro: “O presidente é potencialmente o maior pre- judicado pela entrada de Moro na dispu- ta. Há uma parcela do eleitorado que hoje ainda está, em boa parte, com Bolsonaro, mas pode migrar. Eu apostaria numa re- dução das intenções de voto no ex-capitão nas próximas pesquisas”.
Moro apresenta-se como um neófito no ramo. “Não tenho carreira política e não sou treinado em discurso político”, disse.
Em momento quase cômico, o ex-juiz dis- se saber que “criticam minha voz” e saiu- -se candidamente: “Se, eventualmente, eu não sou a melhor pessoa para discursar, posso assegurar que sou alguém em quem vocês podem confiar”. O discurso foi en- dossado pelo senador paranaense Álvaro Dias, candidato a presidente pelo Pode- mos em 2018. Ele lembrou que a legenda foi fundada “há apenas quatro anos”, disse que o ex-juiz representa essa “renovação” e que vai “refundar a República”.
A fantasia da “nova política” parece um tanto desbotada, mas o ex-juiz con- ta com o inestimável apoio de amplos se- tores da mídia. “Moro, na verdade, nunca perdeu a capa de herói. Ele vem com tu- do. E vem em versão 2.0., com o apoio da mídia mainstream”, diz Tarcis Prado Jú- nior, doutor em Comunicação e Lingua- gens e autor do livro Moro: O Herói Cons- truído pela Mídia . “O fato de ter sido des- moralizado pelo STF ao ser considerado parcial no julgamento do Lula não cria fis- suras suficientes para muita gente que se desiludiu com Bolsonaro, mas não quer o PT nem pintado de cor-de-rosa. A pauta do combate à corrupção será revigorada com o apoio da mídia tradicional”, apos- ta. A avaliação é compartilhada por Cou- to: “Parte dos barões da mídia, que ain- da conservam sua crença no lavajatismo acompanhada de um antipetismo visce- ral, embarcaria sem problema algum nu- ma candidatura de Moro”.
Conquistar a simpatia da mídia talvez seja mais fácil para Moro do que exercer papel de líder no Podemos. Em sua primeira tentativa, ao pregar voto contrário à PEC dos Precatórios, viu metade da bancada do partido na Câmara – que abriga, inclusive, defensores da can- didatura de Lula – ignorar sua sinalização. Procurada pela reportagem, a presiden- te do Podemos, deputada Renata Abreu, não retornou o contato até o fechamento desta edição. Em todo caso, a aposta do partido é crescer com Moro. “Sua candi- datura possui forte potencial de cresci- mento dentre os brasileiros de bem, inde- pendentemente de correntes ideológicas. Estamos fartos de corrupção e dos maus
hábitos que dilapidam os recursos e, in- felizmente, se encontram tão difundidos em nosso país”, diz o senador Flávio Arns.
Ex-petista, Arns rechaça qualquer con- flito ideológico no seio da legenda. “Seja de direita ou de esquerda, o partido que al- meje o poder deve oferecer respostas ade- quadas aos anseios da sociedade. Todos desejamos um Brasil próspero, onde haja bem-estar para o povo e paz social”, des- pista. “Considero que ele esteja preparado para conduzir o País e enfrentará o bom debate de campanha com propriedade.”
O “bom debate” poderá, no entanto, ser pesado para o ex-juiz: “Moro é muito cin- tura dura e deve se ressentir disso nos de- bates mais quentes, onde será atacado por sua parcialidade como juiz e pela partici- pação no governo Bolsonaro, além de ter ido trabalhar, mesmo que indiretamente, para a Odebrecht que ele mesmo conde- nou”, diz Cláudio Couto. “É difícil saber o que ele pensa sobre outros temas que não
a corrupção e a defesa ‘da lei e da ordem’, numa linha autoritária e à margem do Es- tado de Direito. O que pensa da economia, política externa, dos programas sociais? Moro tem algo a dizer sobre isso tudo?”
Prado Júnior, por sua vez, considera “perigoso” subestimar Moro: “Descre- denciá-lo porque não é eloquente no dis- curso ou porque tem uma voz específica é bobagem. Alckmin nunca foi um gênio da oratória, sempre foi o chamado ‘picolé de chuchu’ e, no entanto, governou São Paulo por três mandatos”, lembra. Não será fá- cil, porém, se desvencilhar da sombra do atual presidente nos debates: “Moro não é terceira via, é a segunda via do B. Ele tem o mesmo projeto do Bolsonaro”.
Num sentido, a tarefa de Deltan Dalagnol talvez seja mais fácil do que a do ex-colega de Lava Jato, uma vez que o ex-procu- rador provavelmente concorrerá a uma ca- deira legislativa pelo Paraná, onde é prati- camente uma celebridade pop. “Dallagnol, se concorrer ao Parlamento, passará abai- xo do radar dos grandes debates, embora os ataques a Moro possam respingar nele”, diz Couto. “Parece jogo fácil para ele con- quistar o cargo de deputado federal num estado como o Paraná.”
Dallagnol pediu exoneração do cargo de procurador da República em meio a uma avalanche de denúncias contra ele no Conselho Nacional do Ministério Público. Ele era alvo de 14 reclamações disciplina- res, uma sindicância e um pedido de pro- vidências, além de ter sido punido com ad- vertência, em 2019, e com moção de cen- sura, em 2020. Parece pouco plausível, porém, a tese de que ele decidiu disputar as eleições por temer punições. O CNMP sempre foi leniente em relação aos abu- sos da Lava Jato. Somente em meados de outubro, o órgão impôs uma sanção mais dura, determinou a demissão do procur
ador Diego Castor de Mattos, que enco- mendou um outdoor na capital paranaen- se para promover o trabalho da força-ta
refa curitibana. “Sejam bem-vindos à Re- pública de Curitiba”, dizia o painel, com uma foto da equipe e uma velha bravata: “Aqui a lei se cumpre”. Ainda assim, a pu- nição deu-se em um contexto bem especí- fico, quando a Câmara dos Deputados es- tava prestes a votar um projeto que alte- rava a configuração do CNMP, com a in- clusão de representantes da sociedade ci- vil indicados pelo Parlamento, uma forma de evitar o julgamento de comadres que costuma marcar as sessões do conselho.
Mas os candidatos do Partido da Lava Jato não estão imu- nes aos questiona- mentos éticos – e a eventuais acertos de contas com a Justiça. O Tribunal de Contas da União acaba de determinar, por exemplo, que os procu- radores da Lava Jato devolvam os recur- sos de diárias e viagens que receberam quando trabalhavam na força-tarefa que investigou desvios na Petrobras. O moti- vo? Em vez de remover os procuradores para Curitiba, onde de fato passaram a morar, estes continuavam lotados em ou- tros estados, enquanto recebiam diárias e gastavam passagens todas as vezes que se deslocavam para a capital paranaense.
O valor total a ser ressarcido passa de 1,8 milhão de reais, e Dallagnol terá de res- ponder solidariamente.
“A lista de abusos cometida pela tur- ma é interminável. Eles grampearam escritório de advocacia, esconderam provas, divulgaram diálogos de conversas interceptadas sem autoriza- ção judicial, fizeram tudo o que um juiz e um integrante do Ministério Público não podem fazer”, observa o advogado Lenio Streck, que atuou como promo- tor de Justiça por mais de 20 anos e tem pós-doutorado em Direito Constitucio- nal pela Universidade de Lisboa. “Quan- do Moro e Dallagnol anunciam a inten- ção de disputar as eleições, vejo uma vio- lação do princípio jurídico do nemo potest venire contra factum proprium, que veda a possibilidade de um indivíduo se bene- ficiar de atos contraditórios. Esse princí- pio foi usado nos EUA, em 1895, para im- pedir o acesso de um neto à herança do avô que ele havia matado. À época, não havia uma lei que proibisse o neto de rei- vindicar a herança, assim como hoje não há lei alguma que impeça Moro e Dallag- nol de se candidatarem. Mas uma coisa é fato: eles estão se beneficiando de um ce- nário que eles próprios construíram, de criminalização da política. Eticamente, é bastante reprovável.”
A avaliação é compartilhada pelo ad- vogado Antonio Carlos de Almeida Cas- tro, o Kakay, um dos mais reconhecidos criminalistas do País. “Desde o início da operação sustento que Moro e Dallag- nol tinham um projeto de poder e ins- trumentalizaram o Poder Judiciário e o Ministério Público para atingir os obje- tivos desse projeto. Isso ficou muito cla- ro quando eles vazaram o diálogo de Dil- ma Rousseff com Lula, interceptado pe- la Polícia Federal fora do período autori- zado judicialmente, para impedir a no- meação do ex-presidente como ministro da Casa Civil e dar fôlego ao processo de impeachment”, avalia. “Agora, vejam só, a dupla quer disputar eleições no meio do caos que eles próprios produziram. E, se não tomarmos cuidado, ainda vão posar de paladinos do combate à corrupção, sendo que foram eles que corromperam o sistema de Justiça.” •
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