Flavia Lima
Um clássico entre os anúncios do tipo "caça-clique" é a promessa, jamais cumprida, de uma revelação muito atraente, como os “segredos para transformar gordura em músculos em pouquíssimo tempo”. É clicar e percorrer um longo labirinto de frases até a frustração.
No caso de reportagem publicada pela Folha sobre os candidatos a prefeito das capitais que não declararam suas contas bancárias à Justiça Eleitoral, não foi preciso atravessar um longo labirinto para alcançar a frustração.
“Confrontado, Boulos corrige patrimônio após omitir conta bancária em declaração de bens”, dizia o título publicado no site da Folha já na quinta-feira (22) à noite.
A combinação dos verbos “confrontar” e “omitir” com a palavra “patrimônio” em uma frase sobre um candidato que, em crescimento nas pesquisas, tem como uma de suas estratégias exibir como único bem um carro popular chamou enormemente a atenção.
Ocorre que, ao clicar no link da matéria, o leitor logo fica sabendo que Boulos, sem embate algum, corrigira os dados logo após ser questionado—uma conta no banco com saldo de R$ 579,53.
O conteúdo do texto é verdadeiro e, ao expor o achado (uma conta com um pouco mais de meio salário mínimo), oferece quase uma espécie de aval ao candidato, que sai da “denúncia” sob a auréola da idoneidade moral.
O problema é que o título induz ao erro e promete muito mais do que entrega.
Segundo uma leitora, esse tipo de postura desperta desconfiança sobre outra idoneidade, a do jornal. “Não digo que a matéria não é importante, mas o título é tendencioso. A decepção foi grande”, diz ela.
“O ‘profissionalismo’ do jornal parece ser balizado na busca de cliques e em defender interesses não declarados”, disse outro leitor.
A Folha tem produzido material relevante envolvendo tanto o agora segundo colocado nas pesquisas, Celso Russomanno (Republicanos), quanto o vice de Bruno Covas (PSDB), Ricardo Nunes (MDB).
No meio disso tudo, é como se, para reforçar suas credenciais de apartidarismo, o jornal se voltasse a Boulos, provando ser capaz de tratar todos os candidatos com o mesmo ímpeto investigativo. Em tese, parece ótimo.
A questão é que isso não pode ser feito vendendo-se gato por lebre. Sob pena de reduzir o esforço a uma demonstração precária de imparcialidade, que parece subestimar a capacidade dos leitores de julgar o que é relevante.
Uma prova de que eles sabem fazer isso é que muitos recorreram a uma reportagem recente, que também abordou problemas na declaração de bens à Justiça, para mostrar o que é um título sóbrio e preciso: “Filipe Sabará, do Novo, retifica declaração de bens e passa de R$ 15 mil para R$ 5 milhões”.
Já falei da importância de que títulos sejam claros, pois são o principal, quando não o único, ponto de contato com a notícia—algo que ganha ainda mais relevância em meio à campanha eleitoral.
A Folha tentou consertar o estrago, incluindo no título a informação de que o “candidato diz ter R$ 579,53 no banco”.
Mais uma vez, os próprios leitores sugeriram outras opções: “Boulos declara R$ 579 que havia omitido à Justiça eleitoral”; “Boulos corrige declaração de bens para incluir saldo de R$ 579,53 em conta”; “Confrontado, Boulos corrige patrimônio após omitir conta bancária com R$ 579 reais”.
Como lembrou um leitor, jornalismo de qualidade exige recursos. Se a Folha quer se mostrar imparcial, invista em investigação, não em títulos dúbios ou capciosos.
Selecionar os acontecimentos mais relevantes, ordená-los segundo sua importância relativa, facilitar a sua compreensão, garantir a qualidade do conteúdo e estabelecer nexos além do óbvio são procedimentos cruciais, segundo o Manual da Redação.
Além de desapontar em alguns desses aspectos, o jornal pareceu tratar o leitor como alguém com capacidade reduzida de avaliar as informações que lhe são entregues e para quem a mera sugestão de equivalência de tratamento entre os candidatos seria suficiente. É o leitor quem sugere que está na hora de amadurecer essa relação.
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