ESTHER SOLANO
Meu caro leitor desconhe-
cido.
Minha cara leitora des-
conhecida.
Obrigada.
Muito obrigada.
Obrigada a você que continua em
casa.
Obrigada a você, que tem de sair
para trabalhar, pois o neoliberalis-
mo não conta mortos, mas se prote-
ge e protege os outros.
Obrigada a você que também sente
falta de abraços apertados, mas sabe
que os abraços devem aguardar.
Obrigada a você que sente falta dos
olhares cúmplices dos amigos, mas
por enquanto só encontra esses olha-
res no Google Meet ou a 2 metros de
distância, por trás das máscaras, por-
que por trás das máscaras também se
olha e se enxerga.
Muito obrigada a você, adolescente,
jovem estudante que continua sendo
responsável. Sabemos que para você
está muito difícil ficar em casa, e sa-
bemos também que, se hoje podemos
sair à noite, se embebedar, paquerar,
transar, pois aqueles que estão em ca-
sa não são monges budistas orando e
meditando, mas sabem que haverá
melhores tempos para fazê-lo. Porque
você sabe que sexo seguro e cerveja se-
gura também são sexo e cerveja sem
coronavírus.
Obrigada a você que se sente tris-
te, que sente solidão, eu também sinto,
muitos estão sozinhos, sinta-se acom-
panhado por mim, por todos nós, co-
nectemos nossas solidões para estar-
mos menos sós.
Obrigada especialmente a você,
mãe-solo, que se sente sobrecarrega-
da, no limite, mas continua a cuidar de
você e de seu filho. Você que não de-
veria se sentir assim se a gente vives-
se em um país menos machista, me-
nos patriarcal, menos hipócrita, que
se preocupasse menos pelo aborto
alheio e mais pelos filhos de todas nós.
Obrigada a você que sente medo, de-
sesperança, mas continua a se cuidar.
Obrigada a você que sente asco des-
te governo, náusea, que sente dor no
estômago a cada declaração criminosa
de Jair Bolsonaro negando a doença,
mas, mesmo assim, sabe que não de-
ve desistir de lutar pela sua saúde, a
de sua família e a saúde de todos nós.
Obrigada a você a quem aqueles que
se aglomeram em bares e praias cha-
mam de otário ou histérico, porque
eles estão se divertindo, aproveitan-
do a vida, e você está jogando a sua no
lixo ficando em casa. Eu continuarei a
ser uma histérica e uma otária.
Muito obrigada a você que ainda
exausto encontra um tempo para aju-
dar semelhantes com maiores dificul-
dades que as suas. Sei que vocês são
muitos, embora invisíveis. Este país
não é só o país de Bolsonaro, o país do
ódio, também é o país que vocês fazem
mais digno a cada dia.
Obrigada, obrigada sempre a você,
médico, enfermeira, técnico hospita-
lar. Vocês que estão cuidando de to-
dos nós.
Muito obrigada a você, professor,
professora. Continuarei a ocupar os
espaços que tenho para pedir que as
escolas só abram em condições de se-
gurança sanitária. Não só pelas crian-
ças, mas também por vocês.
Meu mais sincero obrigada, do fundo
de meu coração, das minhas entranhas.
Quem dera houvesse mais gente co-
mo você.
Eu lhe devo a vida e lhe estarei eter-
namente grata. •
CARTA CAPITAL
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