VERISSIMO
‘Em
compensação” não pode ser o começo de nenhuma frase sobre a pandemia que
nos assola. Nada compensa, mitiga, inocenta, redime, atenua, suaviza ou
absolve o vírus assassino, por respeito aos que ele já matou e continua
matando. Portanto, não veja como simpatia pelo demônio a simples
constatação, noticiada pela imprensa internacional, de que um efeito da
pandemia e das medidas tomadas para controlá-la tem sido a queda dos
índices da poluição em todo o planeta. Triste ironia: o ar se torna
respirável pela diminuição da atividade industrial e a ausência de gente
nas ruas justamente onde ele é mais venenoso. O demônio tem suas
astúcias.
Li que os habitantes de
Marselha, no sul da França, estão vendo, diariamente, um espetáculo
raro. Baleias se aproximam da costa e se exibem, certamente
surpreendidas pela sua própria, súbita ascensão ao estrelato. O porto de
Marselha é o mais importante da França, e seu movimento incessante
mantém as baleias longe. Ou mantinha. Com as limitações impostas pelo
coronavírus, abriu-se o espaço para o balé das baleias, que, não demora,
estarão integradas à vida social de Marselha, provando a bouillabaisse
do Vieux-Port e dando autógrafos.
Perdão
pela brincadeira, admissível num cronista inconsequente que só está
tentando não sucumbir ao terror destes tempos — o equivalente literário a
assoviar no escuro — mas inaceitável no humor involuntário e trágico
com que o governo mais incompetente da nossa história vem tratando do
assunto coronavírus, transformando o que pode significar a vida ou a
morte para milhares de pessoas numa mesquinha briga de egos. Os heróis
que estão na linha de frente da guerra contra o vírus, nos hospitais,
arriscando sua vida pela vida dos outros, merecem, mais do que ninguém,
outro governo. Nós todos merecemos outro governo. Até quem elegeu este
governo, por convicção ou engano, merece um governo menos
inconscientemente cômico.
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