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Guilherme Amado
Passado o coronavírus (sim, vai dar certo), nada voltará a ser como
antes para Jair Bolsonaro. Após semanas e semanas vendo o presidente
atrapalhar o combate à pandemia, deixando estarrecidos até alguns de
seus ministros, o governo terá construído em torno de si uma nova
oposição, formada agora não só pela esquerda, mas também pela direita
democrática. Nas fileiras até ontem ocupadas somente por siglas como PT,
PDT, PSB, PCdoB e PSOL, se somarão governadores, prefeitos e
parlamentares com posturas ortodoxas na economia e/ou conservadoras nos
costumes, mas que souberam priorizar a defesa da vida ao jogo político.
Não flertaram com rupturas institucionais e souberam minimizar
divergências em nome da necessária aliança contra um inimigo mais
poderoso. Em vez do cada vez mais isolado e briguento Bolsonaro, aqueles
que dele discordaram, mesmo dentro de seu governo, terão sido os
vitoriosos na derrota do vírus. Dessa aliança temporária poderá nascer
algo novo. Talvez não seja a sonhada frente ampla, defendida mundo afora
como fundamental para peitar líderes autoritários como o ex-capitão,
mas com o potencial de tornar bem mais difíceis os planos do presidente.
A troca de gentilezas entre os outrora arqui-inimigos João Doria e
Lula, na quinta-feira 2, no Twitter, foi a face mais evidente deste
momento. “Nossa obsessão agora tem de ser vencer o coronavírus. (...) A
gente tem de reconhecer que quem tá fazendo o trabalho mais sério nessa
crise são os governadores e os prefeitos”, escreveu o petista, recebendo
em seguida uma resposta também positiva de Doria: “Temos muitas
diferenças. Mas agora não é hora de expor discordâncias. O vírus não
escolhe ideologia nem partidos. O momento é de foco, serenidade e
trabalho para ajudar a salvar o Brasil e os brasileiros”. Embora o gesto
possa ajudar o discurso antipartidário de Bolsonaro, que tenta tachar
de podre, corrupto ou comunista qualquer político que discorde dele, há
nele um valor nada desprezível na história brasileira, das Diretas para
cá.
Na quarta-feira 1º, Paulo Guedes — ele também um defensor do isolamento de todos os que não desempenham atividades essenciais — fez um inédito elogio a Parlamentares da esquerda, numa entrevista coletiva no Palácio do Planalto. Ao se referir à necessidade de convergir interesses em nome do enfrentamento à pandemia, citou positivamente Alessandro Molon, do PSB do Rio de Janeiro, e Randolfe Rodrigues, da Rede do Amapá, que mudaram emendas parlamentares para acrescentar o bolo dedicado para combater o vírus. A militância bolsonarista, que volta e meia os tem como alvos, ouviu em silêncio nas redes.
Entre esses, dois merecem atenção especial: João Doria e Ronaldo Caiado, de São Paulo e Goiás, respectivamente.
Doria, a exemplo do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, é visto por Bolsonaro como traidor, oportunista que usou seu nome para se eleger e que, por ter planos presidenciais — Doria mantém o olho em 2022, Witzel tem dito que sua vez será 2026 —, o teria apunhalado. “Bolsonaro acha que eles devem obediência e gratidão a ele. Ele não pensa em diálogo, construção, não vê nuances. Quem discorda dele é inimigo. Isso pode parecer uma psicanálise de botequim, mas é a forma como ele raciocina”, contou um governador que o conhece há quase 20 anos.
O governador de São Paulo enxergou no antagonismo com Bolsonaro uma chance de sobressair-se. Noutro dia, enquanto o presidente vociferava e o atacava numa reunião virtual, Doria manteve-se mudo, tomando notas. Em seguida, discursou calmamente, sem levantar a voz, citando até Irmã Dulce na defesa do diálogo e do entendimento para enfrentar a pandemia. Nos bastidores, Doria tem dito a seus interlocutores de confiança que, se o segundo turno de 2018 fosse hoje, não votaria em Jair Bolsonaro, como fez ao criar e propagandear o Bolsodoria. E mais: o governador tem dito que toparia estar ao lado da esquerda para derrotar o presidente em 2022.
Já Caiado se tornou um opositor ferrenho. Pública e privadamente tem falado o diabo de Bolsonaro. Emulou Barack Obama, ao dizer que a ignorância não é uma virtude, e não fala há duas semanas com o presidente que abraçou ainda no primeiro turno de 2018 — o goiano, aliás, foi um dos primeiros políticos tradicionais a apoiar publicamente o amalucado deputado que parecia delirar ao dizer que se tornaria presidente. Médico, o governador fez um movimento arriscado: os bolsonaristas e os caiadistas se confundem em seu estado. Mas, até agora, sua avaliação é de que a ruptura tem surtido efeito.
Na esquerda, é crescente a disposição de conversar com a direita. Flávio Dino, do Maranhão, não só busca criar um canal com Luciano Huck como chegou a defender publicamente que o presidente entregue o governo a Hamilton Mourão. Dino afirmou à coluna na quinta-feira 2, depois de participar de uma reunião com os demais integrantes do Conselho da Amazônia, sob a presidência do vice: “Tivemos uma reunião com diálogo técnico, respeitoso, sensato. Claro que Mourão não é de meu campo ideológico. Mas, se Bolsonaro entregar o governo a ele, o Brasil chegará em 2022 em melhores condições”.
Tantos adversários não serão somente mais vozes contra Bolsonaro. Serão menos votos para que ele aprove suas pautas no Congresso, menos palanques para ele subir nas eleições de 2020, e consequentemente na de 2022, e de certa maneira menos tempo para governar. A cada novo inimigo que os Bolsonaros fazem, é mais tempo que eles, tão afeitos a teorias da conspiração, perdem na guerra virtual das redes sociais.
Com Eduardo Barretto e Naomi Matsui
Guilherme Amado
Passado o coronavírus (sim, vai dar certo), nada voltará a ser como
antes para Jair Bolsonaro. Após semanas e semanas vendo o presidente
atrapalhar o combate à pandemia, deixando estarrecidos até alguns de
seus ministros, o governo terá construído em torno de si uma nova
oposição, formada agora não só pela esquerda, mas também pela direita
democrática. Nas fileiras até ontem ocupadas somente por siglas como PT,
PDT, PSB, PCdoB e PSOL, se somarão governadores, prefeitos e
parlamentares com posturas ortodoxas na economia e/ou conservadoras nos
costumes, mas que souberam priorizar a defesa da vida ao jogo político.
Não flertaram com rupturas institucionais e souberam minimizar
divergências em nome da necessária aliança contra um inimigo mais
poderoso. Em vez do cada vez mais isolado e briguento Bolsonaro, aqueles
que dele discordaram, mesmo dentro de seu governo, terão sido os
vitoriosos na derrota do vírus. Dessa aliança temporária poderá nascer
algo novo. Talvez não seja a sonhada frente ampla, defendida mundo afora
como fundamental para peitar líderes autoritários como o ex-capitão,
mas com o potencial de tornar bem mais difíceis os planos do presidente.Na quarta-feira 1º, Paulo Guedes — ele também um defensor do isolamento de todos os que não desempenham atividades essenciais — fez um inédito elogio a Parlamentares da esquerda, numa entrevista coletiva no Palácio do Planalto. Ao se referir à necessidade de convergir interesses em nome do enfrentamento à pandemia, citou positivamente Alessandro Molon, do PSB do Rio de Janeiro, e Randolfe Rodrigues, da Rede do Amapá, que mudaram emendas parlamentares para acrescentar o bolo dedicado para combater o vírus. A militância bolsonarista, que volta e meia os tem como alvos, ouviu em silêncio nas redes.
“Os erros de Bolsonaro têm sido o que mais vem engordando a oposição”A irritação entre governadores é enorme. No grupo de WhatsApp que os 27 governadores têm, somente três não vêm escrevendo críticas a Bolsonaro: Antonio Denarium (RR), Marcos Rocha (RO) e Ratinho Júnior (PR). Tampouco o defendem. Os outros 24, uns mais, outros menos, reclamam de Bolsonaro por escrito com os colegas, sem medo de que suas mensagens cheguem ao presidente. Bolsonaro sempre deu de ombros aos governadores. A falta de diálogo, desde os primeiros meses de governo, criou a percepção de que o presidente os vê como menos legítimos do que ele, meros empecilhos para que ele consiga governar sem ter de ouvir ninguém mais do que Flávio, Carlos e Eduardo.
Entre esses, dois merecem atenção especial: João Doria e Ronaldo Caiado, de São Paulo e Goiás, respectivamente.
Doria, a exemplo do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, é visto por Bolsonaro como traidor, oportunista que usou seu nome para se eleger e que, por ter planos presidenciais — Doria mantém o olho em 2022, Witzel tem dito que sua vez será 2026 —, o teria apunhalado. “Bolsonaro acha que eles devem obediência e gratidão a ele. Ele não pensa em diálogo, construção, não vê nuances. Quem discorda dele é inimigo. Isso pode parecer uma psicanálise de botequim, mas é a forma como ele raciocina”, contou um governador que o conhece há quase 20 anos.
O governador de São Paulo enxergou no antagonismo com Bolsonaro uma chance de sobressair-se. Noutro dia, enquanto o presidente vociferava e o atacava numa reunião virtual, Doria manteve-se mudo, tomando notas. Em seguida, discursou calmamente, sem levantar a voz, citando até Irmã Dulce na defesa do diálogo e do entendimento para enfrentar a pandemia. Nos bastidores, Doria tem dito a seus interlocutores de confiança que, se o segundo turno de 2018 fosse hoje, não votaria em Jair Bolsonaro, como fez ao criar e propagandear o Bolsodoria. E mais: o governador tem dito que toparia estar ao lado da esquerda para derrotar o presidente em 2022.
Já Caiado se tornou um opositor ferrenho. Pública e privadamente tem falado o diabo de Bolsonaro. Emulou Barack Obama, ao dizer que a ignorância não é uma virtude, e não fala há duas semanas com o presidente que abraçou ainda no primeiro turno de 2018 — o goiano, aliás, foi um dos primeiros políticos tradicionais a apoiar publicamente o amalucado deputado que parecia delirar ao dizer que se tornaria presidente. Médico, o governador fez um movimento arriscado: os bolsonaristas e os caiadistas se confundem em seu estado. Mas, até agora, sua avaliação é de que a ruptura tem surtido efeito.
Na esquerda, é crescente a disposição de conversar com a direita. Flávio Dino, do Maranhão, não só busca criar um canal com Luciano Huck como chegou a defender publicamente que o presidente entregue o governo a Hamilton Mourão. Dino afirmou à coluna na quinta-feira 2, depois de participar de uma reunião com os demais integrantes do Conselho da Amazônia, sob a presidência do vice: “Tivemos uma reunião com diálogo técnico, respeitoso, sensato. Claro que Mourão não é de meu campo ideológico. Mas, se Bolsonaro entregar o governo a ele, o Brasil chegará em 2022 em melhores condições”.
Tantos adversários não serão somente mais vozes contra Bolsonaro. Serão menos votos para que ele aprove suas pautas no Congresso, menos palanques para ele subir nas eleições de 2020, e consequentemente na de 2022, e de certa maneira menos tempo para governar. A cada novo inimigo que os Bolsonaros fazem, é mais tempo que eles, tão afeitos a teorias da conspiração, perdem na guerra virtual das redes sociais.
Com Eduardo Barretto e Naomi Matsui
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