Desempregado há um ano e meio, Hebert Douglas, 24, é um dos mais
de 13 milhões de moradores de favelas no Brasil. Numa casa de dois
cômodos, em Paraisópolis, comunidade carente com cerca de 100 mil
habitantes, ele e a mulher, também desempregada, Regina Santos Silva,
24, tentam arranjar o básico para dar o que comer para os filhos de 1 e 2
anos. Até esta segunda-feira (30), o que tinham não passava de um
pacote de arroz, dois de feijão, um litro de óleo e sal.
Herbet Douglas Santos da Silva, 24, sua esposa, Regina Santos Silva, 24, e os filhos Isac e Isabela; moradores de Paraisópolis na zona sul de São Paulo, fazem parte de um contingente que sofre as consequências da crise no meio da pandemia do coronavírus Jardiel Carvalho/Folhapress
Para quem, como eles, não tem a quem ou a que recorrer, a quarentena para se proteger da pandemia do novo coronavírus é uma realidade distante. Famílias como a dele vivem o risco duplo: a fome e a doença – que já causou 159 mortes e infectou 4.579 pessoas no país.
Hebert, que também é MC, passou os últimos meses vendendo água nos semáforos da avenida Giovanni Gronchi, no Morumbi, zona sul de São Paulo. Sem movimento na cidade, ele não tem a quem vender. Regina é diarista. Dispensada pela patroa, ela não tem mais renda alguma.
Mensalmente, os dois levavam para casa cerca de R$ 900. Pela casa de dois cômodos, pagavam R$ 400 de aluguel, mas nesta segunda-feira (30) tiveram que deixar o imóvel a pedido do proprietário. Após o desepejo, conseguiram provisoriamente um novo endereço na favela, sem saber ainda como irão pagar.
Desde sexta-feira (27), Hebert conseguiu um bico em um mercado local. Um dia antes, a família recebeu barras de sabão e um frasco de álcool em gel para se proteger do coronavírus, doação obtida pela União de Moradores e Comerciantes e repassada para os mais necessitados da favela. A Folha os acompanha desde então.
Eu tinha até terça-feira (31) para me mudar com minha família, mas infelizmente vou ter que sair hoje [segunda] mesmo por causa do prazo que o cara [proprietário] me deu, para evitar problema. Estou correndo atrás com minha mãe para ver se arrumo alguém que consegue me emprestar alguma coisa. Carreto não consegui, tá ligado? Não tenho dinheiro para carreto.
Tá faltando dinheiro ainda para o aluguel da casa nova [R$ 450]. Conversei com o dono, expliquei a situação. Contando as moedas vai ficar faltando R$ 200. Falei para ele que dou isso em três dias depois de entrar na casa, agora, não sei como. Vou falar com o cara do mercado que tá me dando uma chance para ver se ele pode me ajudar. Se não puder, mano, vou ficar três dias nessa casa nova. Saio dessa e depois saio da outra e tento arrumar mais outra...infelizmente.
Não tem como não se expor [ao risco de contrair o coronavírus], a gente precisava encontrar uma casa.
Domingo fui trabalhar de tarde, 13h30. Acordei cedo e fui procurar cesta básica, fazendo cadastro, mas não arrumei nada. Fui trabalhar, voltei à noite e deitei. Hoje entrei era 7h, não tenho horário fixo, não sei se vou ser contratado. Agora à tarde, estou correndo atrás da mudança, sem o dinheiro completo. Até chorei para o cara da casa. Cheguei do trabalho, não comi nada e tô aqui preparando as coisas para a mudança.
Chorei, de chorar, de lágrima mesmo, tá ligado?
Expliquei para ele que se fosse mandar minha mulher lá para o Norte, nem a passagem eu compraria com esse dinheiro. Minha intenção é criar meus filhos, ficar junto com eles e tudo. Esse que é o B.O., entendeu?
Foi de explicar a situação e se emocionar mesmo. O cara também entendeu meu lado e falou pra mim que ele também precisa, pra eu entender o lado dele.
Falei lá no mercado se eu podia fazer uma ‘extra’, mas vou falar pra você que não tenho previsão, não tenho nada. Vou tentar aí fazer qualquer coisa para seguir.
Hoje tava fazendo um bico no mercado e o pessoal da Cufa Paraisópolis foi lá e me deu uma cesta básica. Ela tá aqui, vou mandar uma foto pra tu.
reportagem de EMILIO SANT'ANNA
Folha de São Paulo
Herbet Douglas Santos da Silva, 24, sua esposa, Regina Santos Silva, 24, e os filhos Isac e Isabela; moradores de Paraisópolis na zona sul de São Paulo, fazem parte de um contingente que sofre as consequências da crise no meio da pandemia do coronavírus Jardiel Carvalho/Folhapress
Para quem, como eles, não tem a quem ou a que recorrer, a quarentena para se proteger da pandemia do novo coronavírus é uma realidade distante. Famílias como a dele vivem o risco duplo: a fome e a doença – que já causou 159 mortes e infectou 4.579 pessoas no país.
Hebert, que também é MC, passou os últimos meses vendendo água nos semáforos da avenida Giovanni Gronchi, no Morumbi, zona sul de São Paulo. Sem movimento na cidade, ele não tem a quem vender. Regina é diarista. Dispensada pela patroa, ela não tem mais renda alguma.
Mensalmente, os dois levavam para casa cerca de R$ 900. Pela casa de dois cômodos, pagavam R$ 400 de aluguel, mas nesta segunda-feira (30) tiveram que deixar o imóvel a pedido do proprietário. Após o desepejo, conseguiram provisoriamente um novo endereço na favela, sem saber ainda como irão pagar.
Desde sexta-feira (27), Hebert conseguiu um bico em um mercado local. Um dia antes, a família recebeu barras de sabão e um frasco de álcool em gel para se proteger do coronavírus, doação obtida pela União de Moradores e Comerciantes e repassada para os mais necessitados da favela. A Folha os acompanha desde então.
Eu tinha até terça-feira (31) para me mudar com minha família, mas infelizmente vou ter que sair hoje [segunda] mesmo por causa do prazo que o cara [proprietário] me deu, para evitar problema. Estou correndo atrás com minha mãe para ver se arrumo alguém que consegue me emprestar alguma coisa. Carreto não consegui, tá ligado? Não tenho dinheiro para carreto.
Tá faltando dinheiro ainda para o aluguel da casa nova [R$ 450]. Conversei com o dono, expliquei a situação. Contando as moedas vai ficar faltando R$ 200. Falei para ele que dou isso em três dias depois de entrar na casa, agora, não sei como. Vou falar com o cara do mercado que tá me dando uma chance para ver se ele pode me ajudar. Se não puder, mano, vou ficar três dias nessa casa nova. Saio dessa e depois saio da outra e tento arrumar mais outra...infelizmente.
Não tem como não se expor [ao risco de contrair o coronavírus], a gente precisava encontrar uma casa.
Domingo fui trabalhar de tarde, 13h30. Acordei cedo e fui procurar cesta básica, fazendo cadastro, mas não arrumei nada. Fui trabalhar, voltei à noite e deitei. Hoje entrei era 7h, não tenho horário fixo, não sei se vou ser contratado. Agora à tarde, estou correndo atrás da mudança, sem o dinheiro completo. Até chorei para o cara da casa. Cheguei do trabalho, não comi nada e tô aqui preparando as coisas para a mudança.
Chorei, de chorar, de lágrima mesmo, tá ligado?
Expliquei para ele que se fosse mandar minha mulher lá para o Norte, nem a passagem eu compraria com esse dinheiro. Minha intenção é criar meus filhos, ficar junto com eles e tudo. Esse que é o B.O., entendeu?
Foi de explicar a situação e se emocionar mesmo. O cara também entendeu meu lado e falou pra mim que ele também precisa, pra eu entender o lado dele.
Falei lá no mercado se eu podia fazer uma ‘extra’, mas vou falar pra você que não tenho previsão, não tenho nada. Vou tentar aí fazer qualquer coisa para seguir.
Hoje tava fazendo um bico no mercado e o pessoal da Cufa Paraisópolis foi lá e me deu uma cesta básica. Ela tá aqui, vou mandar uma foto pra tu.
reportagem de EMILIO SANT'ANNA
Folha de São Paulo
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