Marcus Faustini
A
disputa pelo comando da venda de drogas na Rocinha já era conhecida,
sua iminência circulava pelas redes sociais antes dos eventos de
confronto no último domingo. Para muitos, sobretudo moradores, era um
enfrentamento anunciado. Nas redes sociais, um volume de comentários em
postagens de páginas e perfis, que acompanharam os acontecimentos ao
longo do dia do confronto, demonstram vários lados dos efeitos na vida
dos moradores.
Camila Perez, atriz e moradora da
região, que se dedica também a projetos de inclusão pela arte, escreveu
um desabafo nas redes sociais: “Silêncio angustiante. Presos dentro de
casa esperando a guerra recomeçar, moradores desta favela tão mista e
tão linda em diversos aspectos buscam refúgio no local mais seguro de
suas casas. Muitos estão sem água e sem luz, e todos com um medo
flagelador. Informações cruzadas só aumentam o pânico dessa população
impotente perante essa guerra que tomou conta do aguardado domingo de
folga. Bares fechados, ruas desertas — aqui, não é dia de rock, bebê...
tampouco dos outros estilos musicais. E com um pouco mais de silêncio,
pode-se ouvir as preces silenciosas que ecoam pela maior favela do
Brasil, pois só nos resta rezar. #Rocinha”.
Michele
Silva, também moradora da comunidade e uma das criadoras do jornal
comunitário “Fala, Roça” escreveu ao lado de uma foto que postou: “Hoje a
favela está triste. Não tem brilho. Não tem luz e água na maior parte
dos lugares. Não tem uma música rolando, pouca gente na rua, e o medo
segue no ar. Nunca vi nada igual ao terror de hoje. Que Deus proteja a
todos nós”.
As duas postagens, seguidas de um
número grande de engajamentos de solidariedade, refletem o sentimento
diante dos acontecimentos. Em cada palavra, a sinceridade de quem vive
no cotidiano os piores resultados das escolhas que a sociedade
brasileira faz para lidar com a questão das drogas. Essa recente disputa
pelo comando da venda de drogas na Rocinha não é apenas um ponto fora
da curva, algo gerado apenas por dinâmicas locais. É mais um lado dos
efeitos da política de guerra às drogas — ela favorece o comércio ilegal
apoiado numa cultura de práticas de corrupção, confrontos armados,
extermínio, disputas e encarceramento sem direitos. Uma lógica que não
deixa clara a diferença entre a atuação de grupos armados ligados ao
tráfico e forças armadas do estado, gerando desconfiança e afastamento
da população.
Algumas horas depois do começo do
conflito, um vídeo postado num comentário de uma página, que promete
cobrir atividades criminosas no Rio, mostra um corpo carbonizado,
possivelmente numa das vias da favela. Os comentários subsequentes
atribuem a trágica morte ao histórico de traições que geraram o conflito
atual. Posteriormente, uma sequência de provocações e boatos são
debatidos: “RG (Rogério157) que traiu Nem, vai se aliar a outra facção” —
acusa um comentário; “O botijão de gás tá muito caro, morador não
aguenta, esses têm que cair” — incita um outro comentário. O dia é
marcado pela busca de informações nas redes, mas elas são desencontradas
e com versões dos acontecimentos que aumentam o medo de quem vive ou
tem família na região. As conversas deixam clara a volta da influência
do vocabulário de disputa e domínio entre facções. “UPP é coisa do
passado, agora é tudo nosso” — aponta mais um comentário determinado.
Poucas
semanas atrás, em Santa Cruz, na Zona Oeste, um conflito entre
traficantes e milicianos gerou dias de medo e instabilidade no cotidiano
de moradores da comunidade do Rolas e do conjunto Cesarão. Meses atrás,
em Fazenda Botafogo, impossível esquecer, uma estudante foi alvejada no
pátio da escola, num confronto entre policiais e traficantes. Até
quando iremos ignorar que esse conjunto de acontecimentos irremediáveis
estão ligados à permissão que damos ao estado brasileiro de realizar uma
política de guerra as drogas? O episódio da Rocinha é mais um que marca
a nossa história, e pode indicar uma volta acentuada de conflitos por
disputas de territórios. O que pode aumentar ainda mais a instabilidade
cotidiana na vida dos moradores.
Enquanto isso, o
Rock in Rio é palco da descoberta juvenil embalada pelo mercado
publicitário, da crença do turismo no Rio e do “Fora Temer”! Mas o
silêncio da Rocinha não consta no mapa. A Riotur lançou um material de
divulgação da cidade onde nossa maior favela aparece como uma área
verde. Não estar num mapa feito por um órgão de governo é um ato que
deseja decretar que aquele lugar não existe. E isso também faz parte das
escolhas aceitas pela sociedade que geram esses efeitos colaterais.
Nenhuma solução para a segurança pública passa pela permanência da
política de guerra as drogas. O silêncio sobre isso é angustiante.
O GLOBO, SETEMBRO 2017
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