RIO - Com apenas uma mochila e de mãos dadas, um casal embarca na estação de metrô de São Conrado. Ela tem 16 anos e está grávida de cinco meses. Ele tem 21. Ela diz que vão para a casa da tia, em Del Castilho. Se sentem como refugiados na cidade onde vivem. Não é seguro que os três durmam na favela, que, provavelmente, estará sem luz e sob fogo cruzado.
- É a primeira vez que fazemos isso. Ela está grávida e está com medo - explicou o jovem.
- É que eu passo mal - disse, acanhada, a namorada.
O casa embarca e sete veículos blindados do Exército passam, com militares mascarados e fuzis em punho, despertando medo e curiosidade em um dos acessos à Rocinha. Alguns, sem saber como voltar para casa depois de um dia de trabalho, rezam. Outros apontam a câmera do celular para as tropas e fazem fotos e vídeos.
- Mais tarde a bala vai comer - avisava pelo celular à mulher um funcionário uniformizado da Oi que trabalha na Rocinha, sem esconder a satisfação de morar bem longe dali.
Nem todos têm em casa um cômodo seguro para se esconder e muitos moradores, como o casal, optaram por dormir fora de casa ontem. Buscavam parentes, amigos que pudessem abrigá-los. Diaristas e domésticas se preparavam para voltar para seus locais de trabalho, onde poderiam dormir em paz. Era o caso de uma moradora de 65 anos, que, prestes a subir, recebeu uma ligação do filho, preocupado, pedindo para a mãe não entrar na favela.
- Vou voltar para dormir na patroa, em São Conrado. A gente mora na parte alta da favela, e meu filho está com medo. Quem não está preocupado? - disse ela, que recomendou ao filho que não saia de casa.
As vias de acesso à comunidade viraram um ponto de encontro do receio. Era a última fronteira para decidir: subir ou não subir? Muita gente telefonava para os parentes, perguntava pelo WhatsApp, como estava a situação lá em cima. Muitos simplesmente queriam companhia para o caminho. Uma cozinheira de 49 anos esperava a filha, que chegava do trabalho pelo metrô, para que, juntas, decidissem se deixariam ou não a favela:
- A gente fica muito apreensiva. Passei o dia no trabalho acompanhando pela televisão o que estava acontecendo. Estamos querendo pegar nossa cachorrinha e ir lá para Rio das Pedras, onde minha outra filha mora. Se tiver confronto, a gente fica sem luz, isolado dentro de casa - explicou.
Outra moradora, também empregada doméstica, conta que sua patroa ofereceu para que ela dormisse no trabalho. Ela recusou e apelou para a fé. Subiu rezando.
- Tenho medo, mas vou esperar passar um pouco esses soldados e, em nome de Jesus, vou conseguir subir.
Na hora do medo, também houve solidariedade: a PUC, que fechou ontem por causa dos tiroteios, ofereceu seu ginásio para que os funcionários que moram na Rocinha passassem a noite em segurança. Até as 16h, entretanto, ninguém havia optado por permanecer ali.
Uma estudante de serviço social, não da PUC, mas da Uerj, deixou de ir para o estágio ontem e já perdeu várias aulas na faculdade desde o começo dos confrontos, no último domingo.
- Avisei meu supervisor. Acabei não indo porque, de manhã, o comércio estava todo fechado. Meu fim de semana, com certeza, será em casa - previa.
Em meio ao clima de tensão, escolas e todas as unidades de saúde que funcionam na Rocinha fecharam as portas, incluindo a UPA 24 horas que fica na Estrada da Gávea. Quem precisa de atendimento tem de descer até o Miguel Couto. Um gari que trabalha no hospital, também morador da comunidade, esperava a filha na entrada da emergência para que subissem a favela juntos.
- Ninguém aguenta mais isso. No domingo, eu estava na missa e comecei a ouvir muitos tiros. Não consegui mais prestar atenção em nada - disse ele, que ao voltar para casa, naquele dia, ficou em meio ao fogo cruzado. - Hoje de casa saí 5h30m. Só preciso entrar aqui (no Hospital Miguel Couto) às 7h30m. Venho antes para evitar os tiros.
As unidades de saúde fecham no momento em que a tensão dos moradores é muito grande. Uma empregada doméstica de 59 anos conta que "se treme toda e começa a chorar" quando ouve os disparos. Desde domingo, ela só sobe para casa com o marido ou com a filha. Nesta sexta-feira, ela esperava que um deles a "resgatasse" no acesso à favela pela Estrada da Gávea. Ainda estava ali esperando quando ouviu o primeiro tiro após a entrada dos militares.
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