September 3, 2017

Como seriam refugiados brasileiros


Guga Chacra
O Globo



Muitos acham impossível haver guerra civil no Brasil. Também acho. Há, sim, violência urbana, com número de mortos similar ao do conflito na Síria. Mas não é guerra. Se estourasse uma guerra, muitos teriam de fugir para uma outra nação. Algo que nunca imaginamos e para que não nos preparamos. Tentarei fazer um exercício e mostrar como seria para um leitor do GLOBO do Rio ser refugiado.

Se o Brasil estivesse em guerra civil e houvesse milhões de refugiados, não interessaria para ninguém nas fronteiras europeias ou dos EUA que você tem um diploma de Direito ou de Medicina da UFRJ e seu marido ou mulher, um de Economia da PUC-Rio. Não interessaria que você nunca tenha cometido um crime. Você e um bandido seriam a mesma coisa — refugiados. Com o agravante de que tenderiam a generalizá-lo pelo bandido, não pelo médico honesto. Se os sírios são equivocadamente associados ao terrorismo, tenha certeza de que brasileiros seriam associados, na Europa e nos EUA, a assassinos, traficantes de drogas, estupradores e corruptos em caso de guerra civil.

“Brasileirofóbicos”, como seriam conhecidos os membros de movimentos contrários aos refugiados da suposta guerra civil brasileira, diriam que no Brasil morrem cerca de 60 mil pessoas assassinadas todos os anos. Mais do que em todo o Oriente Médio somado, tirando a Síria. Mais do que dez vezes o total de homicídios na União Europeia. Acrescentariam que a cada dia ocorrem dez estupros coletivos no Brasil. Falariam que partes das cidades brasileiras são controladas por organizações de narcotraficantes que queimam pessoas vivas. Diriam que crianças andam com fuzis em favelas. Contariam casos de decapitações em conflitos de gangues. Lembrariam que mais policiais foram mortos no Rio de Janeiro em seis meses do que o total de pessoas assassinadas em Londres ao longo de todo um ano. Descreveriam histórias de estrangeiros esfaqueados quando andavam de bicicleta na Lagoa Rodrigo de Freitas. Relatariam os arrastões no Leblon. Citariam os escândalos bilionários de corrupção.

Não se importariam que você estaria fugindo exatamente de assassinos, de traficantes e de estupradores. Sequer ouviriam que talvez você tenha tido um irmão assassinado ou uma filha estuprada. Os “brasileirofóbicos teriam medo de que você assassinasse os irmãos deles ou estuprasse as filhas. Como refugiado, você teria, ao conseguir refúgio em algum país da Europa, de ouvir gritos de “brasileiro assassino, traficante e estuprador, volte para a sua terra, nós não te queremos aqui!”. Saberia do risco de ser agredido por vender pão de queijo e coxinha como ambulante e ter o nome de José. Afinal, “são comidas brasileiras vendidas por um homem com nome brasileiro”. Logo, na visão dos brasileirofóbicos, deve ser “traficante, assassino, estuprador e corrupto”.

Todas as suas memórias não valeriam nada. Um europeu brasileirofóbico não estaria nem um pouco interessado em ouvir as músicas do Tom Jobim, em saber como era bom o banho de mar em Ipanema, de como foi o título brasileiro do Flamengo de 1992 no Maracanã lotado, de como a Portela merecia ter vencido o último carnaval e de como faz falta comer uma feijoada em um sábado de outono no Leblon. Dane-se que o Neymar é brasileiro. Zidane é muçulmano e ninguém está nem aí. Você não é o Neymar. O brasileirofóbico o xingaria em sueco, húngaro e grego caso você pedisse informação sobre onde se vende leite para o seu filho de 2 anos. Insisto, para ele, você seria apenas alguém que levaria a violência do Brasil para o país dele. Você, seus pais, seus filhos, seus irmãos e todos seus amigos de infância seriam potenciais criminosos. E, lógico, quando um bandido brasileiro assaltasse e matasse uma idosa em Paris, você seria o culpado. Afinal, assassinato é da “cultura brasileira”. Por que você não condenou? O assassino é brasileiro, como você. Se não tivesse “refugiados brasileiros” na Europa, diriam os brasileirofóbicos, “muitas meninas não seriam estupradas em Berlim ou Turim”.

A camisa amarela da seleção brasileira, o arroz com feijão, o hino do Botafogo, a pulseira do Bonfim e a sunga na praia seriam associados a uma cultura de “assassinos”. Você teria de falar português baixo para não assustar a mesa ao lado no restaurante em Amsterdã. E, se você abrisse O GLOBO no iPad no metrô de Paris, ao ver que o jornal era brasileiro, o francês ao seu lado no metrô em Londres se levantaria com medo de ser assaltado.

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