July 10, 2017

Pode ser presidente quem não se elege nem prefeito?


clóvis Rossi

Folha, julho 2017

Não é uma aberração eleger presidente da República um cidadão que não conseguiria nem sequer chegar ao segundo turno, se tivesse havido, na eleição para prefeito de sua cidade?

Sim, essa República aberrante atende pelo nome de Brasil e o candidato à Prefeitura do Rio, em 2012, que não conseguiu nem 3% dos votos chama-se, sim, Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia.
Como lembrou a newsletter "Poder 360", Maia foi apenas o terceiro colocado em 2012, com 95.328 votos ou 2,94%, um décimo do que obteve o segundo colocado (Marcelo Freixo, do pequeno PSOL). Ganhou, no primeiro turno, Eduardo Paes, do PMDB.

Um candidato tão pouco apreciado pode, é claro, evoluir na carreira e tornar-se querido, até um campeão de votos. Não é o caso de Rodrigo Maia: na eleição seguinte que disputou (2014, para a Câmara de Deputados), não passou de 53.167 votos ou 0,69% dos votos válidos para deputado federal pelo Rio de Janeiro.

Ficou no 29º lugar dos 45 deputados que cabem ao Estado.

É razoável que um político tão anêmico eleitoralmente assuma a Presidência de um país de 144 milhões de eleitores?

Os conformados podem até dizer que Maia só assumirá interinamente e, assim mesmo, na hipótese de que Michel Temer seja afastado pelo Congresso, no processo por corrupção passiva a que responde.

Se se der essa hipótese, Maia aguardaria no cargo até que o Supremo Tribunal Federal decida se Temer é culpado ou inocente. Parece óbvio, no entanto, que presidente afastado não volta. É contra a natureza do processo.

Dando-se o afastamento definitivo, haverá uma eleição indireta e esse anão eleitoral virará presidente da República, se estiverem corretas as avaliações que apontam Rodrigo Maia como o favorito do esquema de poder que hoje sustenta Temer (sustenta mal mas sustenta).

Não ter votos não é o único problema do eventual futuro presidente. Ele também não tem biografia que o habilite para comandar o governo (o que, diga-se, é também o caso de Temer).

Não se conhece uma única frase (já nem digo um texto completo) em que o presidente da Câmara analise os problemas da pátria amada.

Pertence a um partido, o Democratas, que não consegue nem sequer apresentar candidato à Presidência da República desde 1989, há 28 anos, portanto. A propósito: nessa eleição, o candidato do partido, então chamado PFL, foi Aureliano Chaves e não alcançou nem 1% dos votos.

A bancada do DEM na Câmara Federal é de apenas 29 deputados, dos 513, o que dá pouco mais de 5%.

Tudo somado, é arqui-evidente que Rodrigo Maia não tem a menor representatividade –e, no entanto, a mídia está tratando de sua eventual ascensão à Presidência como se fosse normal.

Dá para entender: não importa quem seja o futuro presidente, se Temer cair (ou mesmo se ficar). A agenda do atual governo, definida pela coalizão "de facto" entre os agentes de mercados e os partidos da base da atual gestão, é mandatória.

Só quem se comprometer com ela terá chance de ser eleito. Que seja uma figura irrelevante como Maia não faz diferença.

Ele não precisa ter votos, não precisa ter programa, não precisa pensar o país. Não é exatamente o que se possa chamar de democracia.

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