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July 13, 2017
Nas trincheiras das escolas
Acuados por confrontos e ameaças do tráfico, docentes abandonam as salas de aula
Longe da violência. O professor Marco Aurélio, que hoje leciona no
Leblon: “Em Santa Cruz, vi dois cadáveres dentro da escola e fui
ameaçado de morte por um aluno"
- Guilherme Pinto /
porCaio Barretto Briso e Gustavo Goulart
O GLOBO
"A senhora tem que chamá-lo de Seu Macaquinho". Esse foi o conselho que a
diretora de um Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI), em Senador
Camará, recebeu de um líder comunitário minutos antes de ser apresentada
ao chefe do tráfico local. Mônica Cristina Cezar da Silva, de 42 anos,
reclamava das constantes invasões e depredações dentro do colégio por
não aceitar pagar uma "taxa de segurança" de R$ 300 mensais a bandidos.
O traficante, que foi até o EDI acompanhado de seguranças armados,
disse que "teria que matar alguém para isso acabar" e exigiu que a
diretora lhe desse a chave da escola. Era o fim de uma carreira de 18
anos na rede municipal de ensino.
LEIA TAMBÉM:'Os traficantes invadiam a escola
'
Mônica
encerrou a conversa e entregou o cargo no mesmo dia. Isso foi há dois
anos. Foi colocada em licença médica com transtorno de ansiedade e
depressão, segundo o diagnóstico psiquiátrico. A Secretaria municipal de
Educação diz não ter dados sobre o êxodo de professores das salas de
aula - seja por licença médica, pedidos de transferência escolar e
exonerações.
São profissionais que estão desistindo de trabalhar em meio à
violência cotidiana nas favelas da cidade. O departamento de recursos
humanos da secretaria estima que 10% dos 935 pedidos de exonerações
feitos entre janeiro e abril deste ano tenham sido decorrentes do
aumento da violência, mas não há um número oficial.
- Fui diretora do EDI por três anos. Falavam para mim: "A senhora tem
que fechar com a gente". Nunca fiz acordo com bandido, aí passaram a
invadir o espaço. Quebravam tudo, televisões, aparelhos de
ar-condicionado, computadores, pichavam as paredes com sangue, quebravam
ovos, jogavam comida no chão. Já esfaquearam a minha cadeira e deixaram
o facão em cima dela. Fui cinco vezes à 34ª DP (Bangu) registrar
queixa. Eu dizia que precisava de ajuda, que tinha 240 bebês sob minha
responsabilidade. Até que o traficante apareceu e descobri que estava
completamente insano. Não deu mais para ficar - contou Mônica, que está
de licença desde então.
Assim que César Benjamin assumiu a Secretaria municipal de Educação,
Esporte e Lazer, no início do ano, foram convocados 825 professores,
classificados em concursos, para compor o quadro da rede, com atuais 43
mil docentes. Sem isso, 23 mil crianças começariam o ano sem serem
atendidas.
A princípio, esse número de professores seria suficiente. Porém, com
novos pedidos de exonerações, aposentadorias e licenças médicas, a
prefeitura teve que chamar mais 688 concursados. O número de
profissionais de educação de licença médica é quase dez vezes essa
quantidade - são mais de seis mil, cerca de 13% do total, segundo a
secretaria, que não informou quantos estão de licença psiquiátrica.
Uma das justificativas da secretaria para o grande número de pedidos
de exonerações é que muitos professores querem migrar do período de
trabalho de 16 horas ou 22 horas e meia semanais para 40 horas semanais,
o que é questionado pela coordenadora geral do Sindicato Estadual dos
Profissionais de Educação (Sepe), Suzana Gutierrez.
- Se o professor pode acumular matrículas por que ele iria se
desfazer de uma para ficar com a outra somente? Para nós, o debate da
violência precisa descer ao chão da escola. A prefeitura não age com
transparência, não se sabe o número de profissionais que estão adoecendo
por causa da exposição à violência - afirma Suzana. - São inúmeros
relatos de professores que vêm desistindo de trabalhar, que estão
pedindo exoneração, e de uma grande quantidade com problemas
psiquiátricos e psicológicos.
Segundo a Secretaria municipal de Educação, em relação aos pedidos de
licenças médicas, houve um aumento de 197%: foram 1.343 pedidos em
2014-2015 e 3.998 em 2015-2016. A pasta informou que a rede de ensino
ainda necessita de 96 professores de ensino infantil, 413 de ensino
fundamental para os anos iniciais e outros 179 de ensino fundamental
para os anos finais.
Doutor em educação e assessor especial para a área de educação da
Unesco no Brasil entre 1998 e 2009, Célio da Cunha diz que o problema da
violência no entorno e dentro de escolas é crônico e vem sendo
acompanhado pela entidade há pelo menos 20 anos. Ele fala das
consequências negativas para os professores, que acabam sofrendo da
Síndrome de Burnout, um tipo de estresse persistente relacionado a
situações no ambiente de trabalho:
- Antes a principal preocupação da Unesco era o bullying. Agora, é a
violência que afeta o aprendizado, a formação de adolescentes e
crianças. Para os professores, a situação de tensão permanente pode
levar à Síndrome de Burnout. São os baixos salários que os levam a
precisar dar aulas em duas, três escolas e, no Rio, a ter 30, 40 alunos
em sala num ambiente de total insegurança. A capacidade didática cai
muito
.
Há grupos em redes sociais criados por profissionais que vivenciam o
problema, para que cada um conte seu drama. O da professora Nívea
Segreto, de 46 anos, mostra a gravidade da situação. Ela contou ao GLOBO
que perdeu um bebê com cinco meses de gestação por causa do estresse
crônico. Pediu exoneração e deixou a cidade com o marido para morar no
interior do estado.
- Tenho 30 anos de magistério, sete na Secretaria municipal de
Educação. Foram os piores sete anos da minha vida. Abandonei a cidade,
pois adoeci em função da violência dentro e fora das escolas. Trabalhava
no Morro dos Macacos, antes da chegada da UPP. Também trabalhei na
Mangueira. Os conflitos eram constantes. Até munição encontrei sobre a
mesa da minha sala. Perdi um aluno assassinado pelo tráfico. Eu estava
grávida nesta época e acabei perdendo o bebê. Os meus médicos, incluindo
o psiquiatra, garantem que o estresse foi a causa. Abandonei o Rio.
Ainda vivo como ex-combatente de uma guerra que não acabou, tenho medo
de tudo, sou extremamente sensível ao barulho, tenho pesadelos - relatou
Nívea.
Nívea Segreto, que perdeu o bebê por estresse - Arquivo pessoal
Outro professor, que continua trabalhando na rede municipal e, por
isso, pediu anonimato, dava aulas também no Morro dos Macacos, onde
roubaram seu notebook. Ele chamou o responsável pelo aluno, que tinha
levado o aparelho. Não imaginava que o pai do estudante era o chefe do
tráfico no morro.
- Eu disse a ele que esperava a devolução do computador, que não
continuaria trabalhando na escola se o notebook não aparecesse. O
aparelho nunca foi devolvido, e eu pedi transferência para outra escola -
contou.
O professor de artes cênicas Marco Aurélio Aquino da Silva, de 51
anos, chegou a escrever uma carta para o secretário César Benjamin
relatando seu drama: dar aula numa escola em Santa Cruz, numa região
extremamente violenta. Quando conseguiu a transferência, foi como sair
do inferno e ir para o purgatório, pois ele passou a lecionar no Morro
do Telégrafo, na Mangueira.
- No dia em que fui me apresentar na escola, fui parado por um grupo.
Falei que era professor, que ia para a escola. Disseram que tudo bem,
mas mandaram eu ligar o pisca-alerta do carro. Cheguei à escola
desesperado. Pedi transferência novamente e hoje estou numa unidade no
Leblon, onde pela primeira vez posso exercer meu trabalho com
tranquilidade - disse. - Em Santa Cruz, perdi, num confronto com a
polícia, um aluno que vi crescer. Vi dois cadáveres dentro da escola.
Fui ameaçado de morte por um aluno que repreendi. Fiquei um ano e meio
de licença médica.
Para compreender os motivos das movimentações dos professores na
rede, o secretário César Benjamin determinou que o Departamento de
Recursos Especiais comece a fazer um estudo sobre cada pedido de
transferência e licença.
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