December 19, 2010

The making of Trout Mask Replica



Critically acclaimed as Van Vliet's magnum opus, Trout Mask Replica was released in June 1969 on Frank Zappa's newly formed Straight Records label. By this time, the Magic Band had enlisted bassist Mark Boston, a friend of French and Harkleroad. Van Vliet had also begun assigning nicknames to his band members, so Harkleroad became "Zoot Horn Rollo", and Boston became "Rockette Morton", while John French assumed the name "Drumbo", and Jeff Cotton became "Antennae Jimmy Semens". Van Vliet's cousin Victor Hayden, "The Mascara Snake", performed as a bass clarinetist Van Vliet wanted the whole band to "live" the Trout Mask Replica album. The group rehearsed Van Vliet's difficult compositions for eight months, living communally in a small rented house in the Woodland Hills suburb of Los Angeles. Van Vliet implemented his vision by asserting complete artistic and emotional domination of his musicians. At various times one or another of the group members was put "in the barrel," with Van Vliet berating him continually, sometimes for days, until the musician collapsed in tears or in total submission to Van Vliet. Drummer John French described the situation as "cultlike  and a visiting friend said "the environment in that house was positively Manson-esque." Their material circumstances also were dire. With no income other than welfare and contributions from relatives, the group survived on a bare subsistence diet, and were even arrested for shoplifting food (with Zappa bailing them out). French has recalled living on no more than a small cup of beans a day for a month. A visitor described their appearance as "cadaverous" and said that "they all looked in poor health." Band members were restricted from leaving the house and practiced for 14 or more hours a day.

Physical assaults were encouraged at times, along with verbal degradation. Beefheart spoke of studying texts on brainwashing at a public library at about this time, and appeared to be applying brainwashing techniques to his bandmembers: sleep deprivation, food deprivation, constant negative reinforcement, and rewarding bandmembers when they attacked each other or competed with each other. At one point Cotton ran from the house and escaped for a few weeks, during which time Alex Snouffer filled in for him and helped to work up "Ant Man Bee". French, who had thrown a metal cymbal at Cotton, ran after him yelling that he too wanted to come. Cotton later returned to the house with French's mother, who took him away for a few weeks, however he later felt compelled to return as did Cotton. Mark Boston at one point hid clothes in a field across the street, planning his own getaway.

John French's 2010 book Through the Eyes of Magic describes some of the "talks" which were initiated by his actions such as being heard playing a Frank Zappa drum part ("The Blimp (mousetrapreplica)") in his drumming shed, and not having finished drum parts as quickly as Beefheart would have liked. French writes of being punched by band members, thrown into walls, kicked, punched in the face by Beefheart hard enough to draw blood, being attacked with a sharp broomstick, and eventually of Beefheart threatening to throw him out of an upper-floor window. He admits complicity in similarly attacking his bandmates during "talks" aimed at them. In the end, after the album's recording, French was ejected from the band by Beefheart throwing him down a set of stairs with violence, telling him to "Take a walk, man" after not responding in a desired manner to a request to "play a strawberry" on the drums. Beefheart installed a hanger-on, Jeff Bruschelle, as the new Drumbo (playing on French's drumset) and did not include French's name anywhere on the album credits as a player or arranger.

from the Wikipedia

Reação ao WikiLeaks põe internet em risco



Ronaldo Lemos

SÓ SE FALA em WikiLeaks. Faz sentido. O assunto é fascinante e cheio de paradoxos. O site virou emblema das ‘novas mídias’. Mas, sem o apoio da ‘velha mídia’, sua importância seria muito menor.

É curioso ver como os jornais ficam orgulhosos em fazer parceria com o site. Na semana passada, ‘O Globo’ colocava na capa que havia se tornado ‘um dos sete jornais a publicar o conteúdo do WikiLeaks’.

Com isso, o site virou um divisor de águas: há os jornais que estão com ele e os que não estão. É um exercício de poder extraordinário: chamou toda a imprensa a tomar posição e tornou-se impossível ignorá-lo.
Muita gente tem falado que o site mostra como a internet é ‘incontrolável’. Minha visão é diferente.

A reação ao WikiLeaks periga acelerar a transformação da internet de rede aberta em rede fechada e controlável. As forças para que isso aconteça ficaram muito mais fortes depois dos vazamentos.

Vale lembrar que todos os endereços da internet são controlados por uma entidade norte-americana chamada ICANN. Até agora, ela tem mantido uma posição de neutralidade, dizendo que não intervirá.
O problema é que a ICANN é ligada ao Departamento de Comércio dos EUA. Se a coisa apertar, é fácil para o governo americano exercer sua influência.

Além disso, leis cabulosas para controlar a internet estão vindo por aí. Um exemplo é o projeto COICA, que avança rápido. Sob o pretexto de evitar violações dos direitos autorais, ele dá poderes ao governo americano de retirar qualquer site do ar, sem aviso prévio.

Mesmo sites fora dos EUA (como os sites brasileiros que terminam em ‘.com.br’, ‘.org.br’, ‘.net.br’ e assim por diante) ficariam sujeitos à lei americana.

Sob o pretexto de proteger direitos autorais, o governo americano passaria a ter controle total sobre a rede.
O WikiLeaks veio mudar a regra do jogo. Mas a reação a ele pode acabar mudando a internet para pior.

Folha, 13 de dezembro de 2010


December 16, 2010

Segurança do Rio apura desvio de armas e drogas

DIANA BRITO
HUDSON CORREA

A cúpula da Segurança do Rio investiga desvios de dinheiro e armas do tráfico de drogas, além de facilitação de fuga de traficantes, supostamente informados com antecedência por policiais sobre as operações.

Com 1.600 homens envolvidos na ação, as polícias Militar e Civil não relataram nenhuma apreensão de dinheiro nem apresentaram números e a descrição exata das armas apreendidas.

Um dos indícios de irregularidade é que o Exército, com 800 militares, relatou a apreensão de “US$ 50 mil mais R$ 20 mil” no sábado, totalizando R$ 106 mil.

Mas, na versão da 22ª Delegacia de Polícia, na Penha, a quantia apreendida pelo Exército foi menor: de US$ 27 mil mais R$ 29 mil (total de R$ 75,1 mil) . Procurado de novo, o Comando Militar do Leste não quis comentar.

A Polícia Federal, que participou com 300 policiais, informava ter apreendido R$ 39.850 de um traficante.
Uma autoridade que pediu para não ter o seu nome divulgado disse que está havendo no Alemão “uma verdadeira caça ao tesouro”, o que está deixando vários policiais indignados.

Suspeita-se que o dinheiro que deveria ter sido apreendido tenha saído da favela em mochilas de policiais, enquanto carros de polícia eram usados para levar pertences como televisores.

Contrariados por presenciar esses furtos, integrantes do Bope (Batalhão de Operações Especiais) atiravam nas telas de TVs que estavam sendo levadas, disse uma fonte à Folha.

Sobre as armas, uma pessoa envolvida na operação disse que a PF apreendeu em menos ações mais armas, de maior poderio e mais novas.
Ontem, a secretaria disse que apreendeu 135 armas -velhas, em sua maioria.
Só em dois carros do traficante Negão, a PF achou oito fuzis, sendo dois AK 47, um AR-15 e um FAL 762, além de oito pistolas e um revólver. Todos em bom estado.
O Bope ainda entregou mais 11 armas apreendidas, incluindo dois fuzis. 30, à PF, enquanto poderia entregar o armamente à Polícia Civil.

Além da "caça ao tesouro", há indícios de que, enquanto o cerco ao Alemão estava sendo montado, policiais, em troca de dinheiro, teriam avisado traficantes sobre a ação permitindo a fuga dos líderes.

Em agosto, a Folha revelou que a Secretaria de Segurança investiga a existência de uma “caixinha” do tráfico da Rocinha para pagar policiais que dão informações sobre ações contra o tráfico.

Folha, dezembro de 2010




 

December 14, 2010

Tudo isto é COMPLEXO


Ao percorrer Alemão e Penha, Folha ouve relatos de violência policial e de alívio após o sumiço dos traficantes do morro


PLÍNIO FRAGA
DO RIO

Tudo isto é Complexo:

1) policiais conhecidos como Xavier, Birrô, The Flash e Júnior do Ipase, do 16º BPM, andam por ruas da favela da Vila Cruzeiro com a intenção de instalar uma nova milícia;
2) porcos estão comendo corpos de traficantes mortos pela polícia na mata da serra da Misericórdia;
3) traficantes, que estavam cercados pela polícia, fugiram de madrugada por escadaria escondida em beco que desemboca no número 270 da estrada do Itararé;
4) traficantes cercados desde sexta-feira pagaram R$ 1 milhão por cabeça para saírem de favela dentro de blindados da polícia;
5) moradores agora dizem que, sem traficantes, podem mandar os filhos à escola;
6) a polícia de fato assumiu o território antes controlado pelo tráfico, apreendeu grande parte do estoque de drogas e armas e assim aniquilou o que antes era o quartel general do CV.

Complexo é a palavra que abarca região de dezenas de favelas e define o emaranhado de acusações e problemas que ganharam voz livre desde domingo. Foi quando a policia e as Forças Armadas concluíram a expulsão de traficantes que dos Complexos do Alemão e da Penha.

A Folha passou cinco horas ouvindo moradores e circulando nas favelas da Penha e do Alemão.



Uma menina de 14 anos disse ter sido constrangida e agredida verbalmente por PMs por causa da tatuagem.
Tosca -feita com agulha e sumo da castanha de caju, que queima em vez de desenhar- diz apenas "D. V.".
Ela conta que os policiais chamaram-na de "vagabunda" e de "puta de traficante" por ter tatuado o que leram como "CV". Ela diz que não: são apenas as iniciais do nome do namorado ("D.") e de seu próprio ("V").

Se houve os que fugiram, os relatos sobre os que morreram sem que os corpos tenham aparecido se repetem. "Uma mãe me contou que foi pegar o corpo do filho lá no alto da mata. Viu outros dois corpos que estavam sendo comidos pelos porcos", diz Celso de Sousa Campos, o Binha, líder comunitário.

Moradores também elencam milicianos do conjunto habitacional Ipase, no bairro vizinho de Vicente de Carvalho, que já circulam pela Vila Cruzeiro, para tentar estabelecer o domínio da milícia. Dão nomes: Xavier, Birrô, The Flash e Júnior do Ipase. Como o policiamento quase todo foi deslocado para o vizinho Alemão, temem que esteja sendo preparado o terreno para a implantação da milícia. "Igualzinho no filme "Tropa de Elite 2'", assinala um morador.

X-9 EM AÇÃO

Não há mais vestígios de traficantes ou sequer ameaça de tiroteios. Vê-se grupos de policiais trabalhando. Muitos orientados por informantes, conhecidos como X-9. Normalmente são moradores, ex-traficantes que decidiram colaborar, familiares de quem trabalha no que o eufemismo da favela chama de "movimento".

Andam camuflados da cabeça (tocas ninja e óculos escuros) aos pés (coturnos de policiais). Usam casacos e coletes à prova de bala. Uma X-9 leva a polícia até a casa de outra mulher. Aponta uma foto de uma funkeira com tatuagem nas costas. A polícia pede para que a dona da casa levante a blusa.

A X-9 confirma: é ela. Após a saída da polícia, a mulher dá sua versão de como foi a abordagem. "Ele me disse: fala, piranha! Está me olhando de cara feia por quê? Seu macho foi embora? Agora todo mundo que deu para eles vai ter de dar para a gente também. Então o sr. vai me matar, respondi. Perguntaram se lá em casa tinha arma guardada. Eu disse: pode procurar. Se achar, me leva."

Uma senhora disse ter sido xingada porque policiais fizeram da cobertura de sua casa ponto de observação. "Todo dia tem um montão de homem na laje e eles nem pedem licença", reclama.

Outra afirma que um policial levou seu celular. "Disse que precisava checar se tinha ligação de traficante."

Um morador diz que os policiais tomaram-lhe R$ 400, que guardava perto da cama. "Sou biscateiro, mas o dinheiro era meu", chora. Um outro observa: "Por que você acha que está cheio de polícia andando no morro com mochila? Não é munição que eles levam ali não."

BILHETES

A dona de um salão de beleza, depois de ter por duas vezes a porta arrombada na procura por bandidos, colocou um bilhete: "Por favor, se quiser vasculhar o salão, não precisa arrombar de novo. É só ligar para esses números que os proprietários vêm abrir educadamente."



Outro comerciante fixou o cartaz com a frase: "A loja de roupa íntima já foi vistoriada pela Polícia Civil".

 A mãe de uma criança autista e tetraplégica de 11 anos diz que levaram de uma prima, que é sua vizinha, um tênis e uma camisa. "Ela não pagou nem a primeira prestação da fatura do cartão."

Seu filho ficou tetraplégico por falta de oxigenação na gravidez. Autista, estudava em classe especial em Ramos, mas a diretora dissolveu a turma, colocando os alunos com necessidades especiais junto dos demais.
"Meu filho não fala e não tem como acompanhar uma turma de sexta série. Então, deixei de levar para a escola. Tinha que descer e subir o morro empurrando a cadeira de rodas. Vamos ver se agora fazem uma escola mais perto", diz, esperançosa.

As queixas de roubos feitos pela polícia se repetem tanto que Binha, o líder comunitário da Vila Cruzeiro, conta rindo: "Já tem morador preparando um bolo de chocolate bem gostoso para deixar em cima da mesa. Eles roubam tudo. Até comida. Então tem gente querendo colocar veneno no bolo, porque olho grande morre pela boca."


A vida sob o tráfico também acumulava horrores. Adolescentes e até meninas consideradas bonitas eram andavam pelas ruas com restrição, porque os pais temiam que fossem tomadas à força para serem namoradas de traficantes, como aconteceu por diversas vezes, de acordo com moradores.

O tráfico torturava e matava aqueles que trouxessem contrariedade ou suspeita, por exemplo, de passar informações para a polícia ou facções adversárias. Deste tipo de terror, o complexo agora está livre.

Folha, 1 de dezembro de 2010

September 5, 2010

O direito ao riso


Gaudêncio Torquato 
O Estado de S.Paulo - 29/08/10

O que aconteceria se Lula, mesmo com 80% de aprovação popular, tivesse adiado o tradicional carnaval de fevereiro para o mês de abril, em homenagem a um de seus ministros, o mais querido (quem seria?), se acaso este deixasse nosso meio às vésperas da festança do Rei Momo? O povão de Salvador, do Recife, do Rio de Janeiro e de outras capitais, fazendo coro ao seu herói, teria começado o fuzuê apenas dois meses depois? Pouco provável. Mais certo seria apostar na repetição da História. Em fevereiro de 1912, às vésperas do carnaval, morria o Barão do Rio Branco, a figura mais insigne da história de nossa diplomacia. Ministro das Relações Exteriores desde o governo Rodrigues Alves, ganhou homenagem póstuma do marechal Hermes, presidente da República, com o adiamento do carnaval. O que fez a turba? Foi para as ruas em fevereiro, brincou em abril e ainda gozou a decisão presidencial solfejando a estrofe do jornal A Noite: "Com a morte do Barão,/ tivemos dois carnavá./ Ai que bom, ai que gostoso,/ se morresse o marechá."


A galhofa, o deboche, o toque irreverente são traços marcantes do caráter nacional. Quando represados por uma engrenagem de normas e proibições, sempre encontram o jeitinho das águas e acabam se infiltrando nas frestas das rochas para seguir seu fluxo. A imagem vem a propósito da proibição de usar o humor para caricaturar a política, neste momento em que candidatos se apresentam à avaliação do povo, que escolherá em outubro os novos quadros da democracia representativa. O impedimento abarca conceitos como "trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação". Ao fim e ao cabo, trata-se de impor sanções aos humoristas.
A simples comparação entre passado e presente mostra que o atual momento político-institucional tem imposto freios à criatividade. Basta um rápido olhar no ciclo dos governantes que habitaram a República no Catete. Foram figuras emolduradas pelos humoristas da época. A historiadora Isabel Lustosa apresenta a galeria que começa com o Biriba (Prudente de Moraes), passando pelo Patriarca do Baranhão (Campos Sales), Papai Grande (Rodrigues Alves), Tico-Tico (Afonso Pena), Moleque Presepeiro (Nilo Peçanha), Dudu e a Urucubaca (Hermes da Fonseca), Tio Pita (Epitácio Pessoa), Seu Mé (Artur Bernardes), Rei da Fuzarca (Washington Luis), chegando a Gegê (Getúlio Vargas) e JK. O cotidiano dos governantes era satirizado por um conjunto de revistas e jornais ilustrados. Mesmo perfis carrancudos aguentavam o tranco. Getúlio, então, era muito gozado pela vontade de se perpetuar no poder. Em outubro de 1945, por exemplo, botava-se em sua boca a piada: "Meu candidato é o Eurico; mas, se houver oportunidade, Eu Fico."
Qualquer pedaço de nossa História registra criativa contribuição do humor como ferramenta de crítica social. É verdade, porém, que ele tem perdido substância, de um lado, porque a política se distanciou da sociedade e, de outro, porque o próprio corpo legislativo, para salvaguardar a imagem, procurou esculpir um conjunto de normas para restringir a semântica e a estética da arte humorística. Sob a hipótese de que o chiste possa embalar perfis com o celofane da desmoralização, os legisladores acabaram criando uma camisa de força que delimita o espaço criativo de uma arte que satiriza o universo político desde a Idade Média. O paradoxo é inevitável: em plena sociedade da informação, sob o escudo dos direitos individuais e coletivos, entre eles o de liberdade de manifestação do pensamento, cerne da democracia, apertam-se os elos da expressão artística. Um absurdo dentro do Estado democrático. Por que orientação tão canhestra tem assento na mesa central de nossa democracia? Pela simples razão de que os representantes se valem da pletora dos direitos da cidadania para apontar prejuízos ao seu conceito ao se verem desenhados nas telas do humor. Seu argumento é de que os pincéis tornam alguns nomes "ridicularizados", quebrando-se a harmonia da igualdade para todos.
Tal visão não resiste a uma análise. Há mecanismos de defesa para quem se sinta ofendido na honra pessoal. Afora a legislação eleitoral, existem as legislações penal e cível, que podem ser avocadas por quem se achar injustiçado. Ademais, vale lembrar que o objeto da arte humorística não é a infâmia ou a injúria, mas a graça, a brincadeira, a descontração, elementos que conduzem as audiências ao universo diversionista. Neste ponto, retorna-se à contradição: quanto mais a sociedade organizada avança em sua luta por igualdade de direitos, mais se expandem as restrições ao universo da locução. Se cada grupamento quiser impor um sistema próprio de regras para determinar o que entende por direitos, acabaremos por ter um arcabouço capenga em torno da defesa social. O escopo da igualdade e da cidadania não se forma a partir de restrições, numa banda, e ganhos corporativos, noutra. A defesa sobre "o que é politicamente correto" soçobra quando gera, em outra esfera, consequências incorretas. Numa sociedade democrática, o direito ao riso não pode ser contido pela defesa da mordaça.
Voltemos ao passado. Antonio Carlos Magalhães, governador da Bahia, perguntou um dia a Jânio: "E aquela história de que o senhor gostava de ver filmes de bangue-bangue nas madrugadas de Brasília para aliviar as tensões do governo, é verdade?" Jânio respondeu: "É verdade, ficava até as 3 da manhã. Papapapapa... para ter a sensação de estar matando parlamentares." Hoje, uma história assim seria impensável. Nem mesmo o idolatrado Lula, um contador de causos, teria coragem de fazer tal analogia.
P. S.: A decisão do ministro Carlos Ayres Britto, do STF, de suspender a proibição do humor na eleição merece aplausos. Aguardemos o exame do mérito do caso em plenário.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO 

August 22, 2010

Passeata Humor sem Censura

O decreto lei que proíbe os humoristas de falarem sobre os políticos durante o período eleitoral tem mexido com o humor dos comediantes, que não estão achando a menor graça. Indignados com a proibição, os humoristas cariocas que estrelam o stand up comedy “Comédia em Pé”, Fabio Porchat, Claudio Torres Gonzaga Fernando Caruso, Paulo Carvalho e Léo Lins, estão convocando todos os colegas de profissão, bem como a população, para participarem da passeata “Humor sem Censura”, que acontece no próximo dia 22 de agosto (domingo), a partir das 15 horas, na Praia de Copacabana, para protestar a favor da liberdade de expressão no humor.


Os humoristas do “Comédia em Pé” e seus amigos fazem a concentração da passeata em frente ao Copacabana Palace. Na sequência, os manifestantes seguem a pé até o Leme, onde fazem a leitura do Manifesto “Humor sem Censura”, quando recolherão assinaturas para um abaixo-assinado, que será entregue ao ator Sérgio Mamberti, Presidente da Funarte, que o encaminhará ao Ministro da Cultura, Juca Ferreira, no propósito que o MinC (Ministério da Cultura) leve essas considerações ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), para que se reverta esta censura.


As trupes do Rock Bola, Pânico, Casseta & Planeta, Os Caras de Pau, Melhores do Mundo (DF), Zorra Total, Clube da Comédia (SP), Os Barbichas (SP) e Plantão de Notícias já confirmaram participação na passeata. Também marcam presença Danilo Gentili e a trupe do CQC, Marcos Mion e a galera de Os Legendários, Marcelo Adnet e Comédia MTV, além dos humoristas Bruno Mazzeo, Leandro Hassum, Paulo Bonfá, Fabiana Karla e do cartunista Chico Caruso. Sites de humor, como Kibe Loco, Jacaré Banguela, Anões em Chamas, dentre outros, também estarão representados no evento. Ainda estão sendo convocados todos os redatores de humor da TV, rádio, imprensa escrita e humoristas dos espetáculos em cartaz.


A indignação dos humoristas é decorrente da recente resolução do TSE, que proíbe os programas humorísticos a fazerem piadas ou ridicularizarem quaisquer candidatos, partidos políticos e/ou coligações. A resolução nº 23.191/2009 é uma atualização da Lei Eleitoral nº 9.504/97, originalmente promulgada em 1997, que normatiza como deve ser a propaganda eleitoral, registro de candidatos, realização de coligações, dentre outras condutas. Segundo o Decreto, as emissoras de TV que descumprirem a lei estão sujeitas ao pagamento de multa que pode chegar ao valor de R$ 100 mil reais e, no caso de reincidência, o valor pode ultrapassar os R$ 200 mil.


É a primeira vez que os principais grupos de humor brasileiros se reúnem em uma parceria pela cidadania e que se convoca a população através da internet. “Estamos lutando para exterminar qualquer resquício de censura que ainda exista, somos a favor da democracia, e portanto, da liberdade de expressão. Essa lei é o exemplo de que se não ficarmos atentos todo o tempo, o fantasma da ditadura pode voltar a nos assombrar. Deixem que as pessoas decidam por elas mesmas de qual piada devem rir”, afirma Fábio Porchat, do Comédia em Pé.


Seguem alguns trechos do Artigo 28, do Decreto Lei:

Art. 28.  A partir de 1º de julho de 2010, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário (Lei nº 9.504/97, art. 45, I a VI):

I – transmitir, ainda que sob a forma de entrevista jornalística, imagens de realização de pesquisa ou qualquer outro tipo de consulta popular de natureza eleitoral em que seja possível identificar o entrevistado ou em que haja manipulação de dados;
II – usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido político ou coligação, bem como produzir ou veicular programa com esse efeito;
III – veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido político ou coligação, a seus órgãos ou representantes; (...)

§ 4º Sem prejuízo do disposto no parágrafo único do art. 45 desta resolução, a inobservância do disposto neste artigo sujeita a emissora ao pagamento de multa no valor de R$ 21.282,00 (vinte e um mil duzentos e oitenta e dois reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil quatrocentos e dez reais), duplicada em caso de reincidência (Lei nº 9.504/97, art. 45, § 2º) (...)

cartaz de NANI

August 16, 2010

O óbvio ululante

Jogadores excepcionais não simplesmente se somam, mas se multiplicam

José Miguel Wisnik

Hoje eu quero simplesmente fazer a festa do óbvio ululante. O óbvio ululante, neste caso, é: nada como a seleção brasileira de futebol ser uma seleção brasileira de futebol. Nada como chamar para jogar melhor quem melhor sabe jogar. Nada como aceitar o poder da renovação. Nada como não querer impedir que isso aconteça. As circunstâncias do amistoso contra os Estados Unidos, na última terça-feira, assim logo depois da Copa, fizeram com que a partida assumisse, quisessese ou não, um caráter de prova e de contraprova.

Como se comportaria então aquela parte do futebol brasileiro que Dunga renegou, chamada em peso por Mano Menezes, agora com volantes jovens e inteligentes como Lucas e Hernanes a se somarem a Ramires, com um cérebro cheio de vislumbres e um domínio pleno da bola como os de Paulo Henrique Ganso, com atacantes ágeis e surpreendentes como Neymar e Alexandre Pato a se somarem a Robinho?

Com um dia e meio de treino, o resultado foi melhor que a encomenda, e está longe de se resumir no placar de dois a zero. O que se viu foi uma troca rápida e contínua de passes que mantinha a posse de bola e inventava entradas súbitas e verticais, com deslocamentos, dribles oportunos e cruzamentos precisos. Imobilizar e inibir as iniciativas de um adversário como os Estados Unidos (cujos componentes jogaram a Copa e não fizeram má figura) a partir de uma postura atacante e destemida é algo que depende do talento em todos os fundamentos.

Mas é justamente a aliança entre o toque de bola refinado e a inteligência imediata das variações do espaço do campo que produz, quando a c o n t e c e , u m efeito de lumin o s a a l e g r i a , gritando em sua obviedade: jogadores excepcionais não simp l e s m e n t e s e somam, mas se multiplicam. Essa evidência vai c o n t r a a q u e l a atitude mental que não se permite passar além da conta de somar e de diminuir, da troca de um por um e de seis por meia dúzia.

Nesse sentido, essa jovem seleção brasileira que gratificou o nosso gosto pelo futebol é, pela atitude, uma espécie de Santos Futebol Clube mais encorpado, a confirmação daquilo que o time santista trouxe de volta como afirmação de um campo de possibilidades que faz da incompatibilidade entre beleza e resultado uma falsa questão.

O Santos, aliás, que fez de seu ano até aqui uma demonstração viva desse fato, já tinha por isso mesmo suscitado ou ressuscitado a figura rodriguiana do “idiota da objetividade”.

(Vocês estão vendo que a minha festa do óbvio ululante é também uma homenagem ao Nelson Rodrigues cronista de futebol e ao inclassificável João Saldanha técnico de futebol e escritor). Há muito tempo o “idiota da objetividade” parecia aposentado por não ter muito com o que contrastar: o mundo do futebol dominante parecia ser uma extensão da ideia de que toda aventura do princípio do prazer está condenada ao brejo. É que o “idiota da objetividade” extrai prazer exatamente da maneira fingidamente realista com que investe no desejo desse fracasso.

É ele que está me dizendo agora, por exemplo, que esse jogo com os Estados Unidos foi apenas um episódio sem maior significação, uma partida sem compromisso, valendo nada, contra um time nem tão bom nem tão interessado, com o Brasil lançando estreantes que deverão ser substituídos oportunamente pelos verdadeiros titulares, mais experientes.

Como se a gente não soubesse que as verdadeiras dificuldades estão pela frente, que o efeito atual da surpresa encontrará oponentes mais fortes e mais avisados (Mano Menezes tem consciência disso), que o time jovem deverá s e r m e s c l a d o com a experiência, que só vai crescer evidenciando também suas fragilidades e contradições, que nada está ganho.

Mas nada está g a n h o n u n c a , nem para sempre — gozemos d u r a n t e . N ã o acredito literalmente na objetividade das estatísticas futebolísticas, mas sei que elas podem trazer indícios interessantes e sintomáticos. A seleção da E s p a n h a , p o r e x e m p l o , mostrou uma qualidade rara nesta Copa, que a fez campeã: a posse de bola, a troca rápida de passes, superando o número de 500 por jogo, traduzindo-se em belos deslocamentos, cortaluzes e domínio territorial.

Leio no entanto sobre os números do jogo do Brasil algo que confirma a impressão: a amostra de passes rápidos da seleção brasileira nesse jogo supera os 600, com um altíssimo grau de acerto (93%), superior à excepcional média espanhola, acrescido ainda de oportunidades de gol, finalizações e dribles inesperados que, como sabemos, não foram o forte da Espanha campeã. No perfil da vocação futebolística brasileira, a conferir em outros campos, a eficácia cresce sintomaticamente com a própria gratificação da liberdade de criação, e não o contrário.

Hoje sou todo a alegria do desafogo, porque o tamanho dessa potencialidade criativa e lúdica estampada no jogo — óbvia e ululante como potencialidade — esteve na sombra e à míngua

O Globo, 14 de agosto de 2010

August 14, 2010

Horário eleitoral sem graça

HELIO DE LA PEÑA



Deixar o humor de fora do processo eleitoral não eleva o nível das campanhas, não esclarece o povo e não torna os políticos mais respeitáveis


"E se a gente fizesse um jingle dizendo que agora o Lula está apoiando o Collor, e que o Collor apoia a Dilma?". Essa ideia poderia ter surgido numa reunião do "Casseta", do "Pânico" ou do "CQC".
Mas não, o jingle existe e faz parte da campanha eleitoral de 2010.
Segundo as novas regras do TSE, os humoristas estão proibidos de fazer piadas sobre os candidatos.

Mas eles podem. O que é isso?
Reserva de mercado?

A lei eleitoral nº 9.504/97 impede que emissoras de rádio e TV utilizem "trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que de qualquer forma degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação".

A intenção era manter o debate eleitoral em bom nível, coibindo os candidatos de produzir propagandas que, ao invés de propostas, apresentem retratos grosseiros e caricatos de seus adversários. E o que nós, humoristas, temos a ver com isso?

Ao estender o rigor da lei aos programas humorísticos, ficamos proibidos de abordar um dos temas mais importantes da vida pública neste ano. Não podemos por o dedo nesta ferida, a população não pode rir da política, tem que levá-la mais a sério que os próprios políticos.

A impressão que temos é que os candidatos são uns pobres indefesos, vítimas das piadas. Os políticos brasileiros estão protegidos por uma legislação absurda e exagerada. É como se os coitados estivessem sofrendo de "bullying" praticado pelos humoristas.

Eles estão quase aparecendo nas propagandas eleitorais acompanhados dos pais para que não zoemos com eles. Não podemos criticá-los ou receberemos uma advertência na caderneta. Completamente diferente do que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo.

A última campanha presidencial foi marcada pelo humor e pelo deboche. A comediante Tina Fey ganhou as páginas da imprensa mundial fazendo uma hilária imitação da Sarah Palin, candidata a vice na chapa de John McCain.

A própria Sarah fez uma participação no programa "Saturday Night Live" e não atribui sua derrota a esse fato. Ela tem certeza de que o público sabia que se tratava apenas de um programa de humor e que nada do que fosse falado ali era para ser levado a sério.

Deixar o humor de fora do processo eleitoral não eleva o nível das campanhas, não esclarece a população e não torna nossos políticos mais respeitáveis. Pelo contrário, enfraquece o debate, tira a corrida presidencial das conversas nas esquinas e nos cafés das empresas.

Impede o candidato de rir de si mesmo e, quem sabe, corrigir o rumo de sua campanha. Não estamos lutando pelo direito de difamar ou ferir a honra de ninguém, mas amordaçar nossos candidatos Dilmandona, José Careca e Magrina da Silva é um gol contra a democracia.

Impedir que a Sabrina Sato convença os presidenciáveis a dançar o "Rebolation", proibir que o "CQC" utilize recursos gráficos para nos fazer rir dos políticos é patético. Definitivamente, não é esta a forma de conscientizar o eleitorado da importância do pleito.

O público conhece os programas humorísticos e sabe quais são suas propostas. Cabe ao políticos apresentar as suas com seriedade, de forma que o povo não as confunda com as dos humoristas.


HELIO DE LA PEÑA é humorista do "Casseta & Planeta", exibido pela TV Globo.


Folha, 8 de agosto de 2010

July 27, 2010

"Estão levando muito a sério o humor"

Fabio Brisolla

O humorista do Casseta & Planeta critica as limitações da Lei Eleitoral, que obriga o programa da Rede Globo a tratar o noticiário político de forma distante, pelas beiradas. E lamenta não poder brincar com assuntos relevantes da forma como gostaria.

Como vocês estão lidando com as restrições contidas na Lei Eleitoral?

HELIO: Estamos diante de um momento fundamental para a vida do país e a cobertura de humor sofre restrições justamente agora. É um problema muito sério para a gente. Somos obrigados a ter tanto cuidado com essas regras que não podemos tirar proveito do assunto. Não podemos brincar com uma notícia na proporção que ela tem para a população.

Qual é a saída para continuar falando de eleição?
HELIO: Procuramos inventar personagens fictícios. Lançamos, por exemplo, o polvo da Copa como candidato à Presidência. Já criamos a Dilmandona, o José Careca e a Magrina Silva, mas tivemos que encostá-los no momento em que os candidatos estão mais em evidência. Isso é uma tentativa de tomar conta da cabeça do eleitor.

O Casseta & Planeta sempre procurou abordar os assuntos do noticiário da semana. Ficou mais difícil?
HELIO: Sem dúvida. Um programa de humor, além de brincar com o fato, realça o fato. Leva as pessoas a questionarem: por que será que os caras estão falando isso? E esse papel, não podemos fazer.

Algum partido chegou a reclamar das imitações dos presidenciáveis apresentadas durante a pré-campanha?
HELIO: Não, porque sempre tomamos cuidado. Quando citamos um candidato, os outros dois apareciam também. Nunca houve intenção de prejudicar um ou outro candidato. Por ser uma emissora com visibilidade, os partidos tendem a achar que a Globo pode influir no resultado. E aí acabam levando muito a sério o que é só um programa de humor.

Na Copa, o acesso de humoristas aos jogadores da Seleção foi negado. Agora, vocês têm a lei eleitoral pela frente...
HELIO: Pois é... Dunga não nos dava bom dia. Agora, nem os candidatos podem nos dar bom dia. Mas vamos driblando e fazendo nossas piadas.

O Globo, 25 de julho de 2010

July 12, 2010

Ezequiel Neves, produtor musical, 74 anos



foto de Ana Branco


O ano era 1976. Um foca chega à precária redação da revista “Rock: A história e a glória”, da qual Ezequiel Neves era um dos editores, ao lado de Ana Maria Bahiana e Tárik de Souza, e pergunta ao então já lendário crítico musical se ele também fazia literatura.

Com o habitual raciocínio veloz e sarcástico, e o tom de voz sempre alguns decibéis acima do normal, Zeca Jagger (um dos pseudônimos que costumava usar na época) responde: “Garoto, tudo o que eu escrevo é ficção!” Personagem fundamental para a cultura brasileira das últimas quatro décadas, Ezequiel Neves morreu no início da tarde de ontem, aos 74 anos, no mesmo dia em que, há 20 anos, também partiu seu maior parceiro e amigo, o cantor Cazuza. O produtor estava internado desde janeiro na Clínica São Vicente, na Gávea, lutando contra um tumor no cérebro, e seu corpo será cremado, provavelmente, amanhã.

Com seu humor ferino e sua fértil imaginação, Ezequiel fez “novo jornalismo” muito antes de o gênero ser reconhecido. E em quase duas décadas de atuação no setor, passando pela grande imprensa (revistas “Playboy” e “Pop” na Editora Abril, “Jornal da Tarde”, de São Paulo) e pela alternativa (a edição pirata da “Rolling Stone”, que circulou no início dos anos 70, as revistas “Som Três” e “Música do Planeta Terra”, o “Jornal da Música”), fez escola, inspirando dezenas de jovens a ingressarem no jornalismo cultural. Carreira que o próprio tratou de abandonar, trocando-a pela de produtor musical (e eventual letrista) a partir do início dos anos 80, quando apostou no talento bruto do Barão Vermelho. Foi devido à insistência de Ezequiel que João Araújo, então presidente da gravadora Som Livre, concordou em lançar o grupo que tinha como cantor e letrista seu filho, Cazuza, ao lado de Roberto Frejat (guitarra), Guto Goffi (bateria), Dé Palmeira (baixo) e Maurício Barros (teclados).

Além de ter coproduzido os discos do Barão e os da carreira solo de Cazuza, Ezequiel foi o coautor de clássicos do rock brasileiro como “Por que a gente é assim?”, “Codinome beija-flor” e “Exagerado”.

No período em que atuou como produtor da Som Livre, também trabalhou com ícones da MPB como Elizeth Cardoso e Cauby Peixoto. Ele ainda colaborou em programas musicais da Rede Globo e foi corroteirista do filme “Rio Babilônia”, dirigido por Neville de Almeida, de quem era amigo desde a juventude, em Belo Horizonte.

Uma figura fascinante — e também incômoda para muitos, o verdadeiro “Exagerado” de sua parceria com Cazuza e Leoni —, José Ezequiel Moreira Neves viveu intensamente.

Nascido em Belo Horizonte, em 30 de novembro de 1935, filho de um cientista e parente de Tancredo Neves, cedo se envolveu na vida cultural da capital mineira. O escritor Silviano Santiago, contemporâneo de Ezequiel em Belo Horizonte, conta que, na adolescência, o amigo sonhava uma carreira literária: —Encontrei Ezequiel quando tínhamos 15 anos, ele conhecia literatura muito mais do que todos em nosso grupo. Era afilhado espiritual de uma musa dos escritores dos anos 1940, Vanessa Neto.

Uma contista, sobrinha de Lúcio Cardoso, linda e carismática, que mostrou muita coisa a ele. Andávamos tateando, e Ezequiel já desfilava a sua cultura literária.

Seus contos traziam influências de Clarice Lispector e Jean Cocteau.

Entre 1956 e 58, Ezequiel publicou alguns desses contos na revista literária “Complemento”, que co-editou junto a Silviano Santiago e o escritor Ivan Ângelo. Ele também frequentava assiduamente o Clube de Cinema; o Teatro Experimental, dirigido por Carlos Kroeber; e o grupo de dança de Klaus Vianna e Angel Vianna. Entre os jovens artistas e intelectuais de Belo Horizonte circulavam ainda o escritor Affonso Romano de Sant’Anna, os atores Jonas Bloch e Rodrigo Santiago e o hoje deputado federal Fernando Gabeira.

Graças ao teatro, em 1965, Ezequiel Neves trocou Belo Horizonte por São Paulo, após atuar com seu grupo mineiro numa montagem de “Sonhos de uma noite de verão”, de Shakespeare. Em seguida, integrado ao elenco do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), trabalhou com Cacilda Becker e participou de uma montagem de “Zoo story”, de Edward Albee. Ainda em São Paulo, foi para o grupo de Antunes Filho, em “A megera domada”, e, depois, atuou em “Julio Cesar” ao lado de Jardel Filho.

Apesar do talento para o teatro, a paixão pela música bateu mais alto. Em fins dos anos 60, o disco de estreia do grupo The Doors converteu-o ao rock — até então, ele só ouvia jazz, de Billie Holiday e Frank Sinatra a Miles Davis, e artistas brasileiros como Elizeth Cardoso e João Gilberto, paixões que a acompanharam até o fim — e, aos poucos, Ezequiel trocou o palco pelas redações, virando crítico de música do recém-criado “Jornal da Tarde” (então o veículo vespertino do “Estado de São Paulo”). Em entrevista ao GLOBO, ao completar 60 anos, Ezequiel Neves relembrou, com sua habitual sinceridade, essa passagem: — Tomei um ácido lisérgico e descobri que, se eu não conseguia ser eu mesmo, não tinha porquê tentar ser outros personagens. A experiência aconteceu em 1969, ainda tentei ficar no palco até 1970, quando fui para Londres fazer teatro. Foram três meses de desbunde. Na volta, ainda fiz “A última peça”, de José Vicente. Um espetáculo totalmente anárquico, todo mundo fumava maconha e tomava ácido. Para mim, foi realmente a última peça.

Em 1971, nova mudança.

Ezequiel aceitou o convite de Luiz Carlos Maciel e veio para o Rio com a missão de co-editar a versão brasileira, e pirata (sem licença dos donos nos Estados Unidos) da revista “Rolling Stone”, que durou um ano. Em seguida, ao lado de Ana Maria Bahiana e Tárik de Souza, criou a revista “Rock: A história e a glória” (que, em 1976, daria lugar ao “Jornal de Música”). É desse período os pseudônimos Zeca Jagger (homenagem ao seu maior ídolo, Mick Jagger, dos Rolling Stones), Zeca Zimmerman (este, o sobrenome de batismo de Bob Dylan) e Angela Dust.

Incansável festeiro, sempre a mil por hora, Ezequiel conviveu nos últimos cinco anos com um tumor benigno no cérebro, enfisema e cirrose.

Sem filhos, deixa duas irmãs em Belo Horizonte, sobrinhos e sobrinhos netos. E muitos órfãos entre os amantes do rock no Brasil.

O Globo, 8 de julho de 2010