RAFAEL MORO MARTINS
As lágrimas escorrem dos olhos de Lavenia Naivalu, de 45 anos, cada vez que ela se lembra. Dois anos atrás, o mar – que não para de subir devido à emergência climática – invadiu o pequeno cemitério da vila em que mora na Ilha de Nacula, no arquipélago de Fiji, sul do Oceano Pacífico. Os ossos de seus bisavós foram desenterrados e se espalharam sobre a areia. Lavenia precisou usar um tapete de palha para embrulhá-los e levá-los ao alto de um morro, onde pôde sepultá-los em segurança.
“Fico emotiva porque são [os restos de] pessoas que ocupam um lugar muito especial em nossos corações”, ela explica. “No Pacífico, acreditamos no que chamamos de mana, nas riquezas e bênçãos que nossos antepassados deixaram para nós, para as futuras gerações. Talvez tenhamos perdido isso agora que os ossos deles foram levados pela água dessa forma.”
Ainda que seja a mais traumática, não foi a primeira vez que a emergência climática demonstrou seus avassaladores efeitos sobre a vida de Lavenia. Ao contrário, ela vem lidando com eles ao longo de quase toda a vida. A casa em que sua família viveu por cinco gerações, por exemplo, foi alcançada pelo mar e precisou ser realocada. Não foi a única da vila. “Duas fileiras de casas na praia já foram transferidas para o interior da ilha [devido ao aumento do nível do mar]. Já perdemos de 8 a 10 metros da nossa linha costeira”, ela conta. O Banco Mundial estima que até 2100 o nível do mar possa subir de 1,6 metro a 3,3 metros em relação aos níveis atuais.
Localizada na província da Ba, Nacula é o lar de aproximadamente 600 pessoas. Formada por erupções vulcânicas, tem belas praias e alguns morros que se elevam a pouco mais de 200 metros acima do nível do mar. É um lugar paradisíaco – e que pode se tornar inabitável para seres humanos por causa da emergência climática.
“A vida não é mais a mesma nas aldeias. Temos secas cada vez mais prolongadas devido ao aquecimento global, que afetam nossas fontes de água potável. Os corais estão branqueando. Antigamente, meus avós encontravam pesca ao longo da costa para preparar uma refeição adequada para a família. Hoje em dia, meus filhos precisam caminhar quilômetros para conseguir pescar com arpões. Nossos solos mudaram, estão mais secos, o que afeta nossas lavouras”, relata Lavenia.
A escassez levou os habitantes de Nacula a criarem um banco de sementes de mandioca, inhame e banana. “Aproveitamos a pandemia de covid-19 para replantar as lavouras. Isso nos ensinou a voltar para a terra e para o mar para nossa sobrevivência. Digo aos meus filhos que meu avô nos mandava colher bananas maduras das árvores. É exatamente isso que estou ensinando a eles”, orgulha-se.
Mas Lavenia vive assombrada pelo medo de ter que deixar a vila em que ela e seus antepassados nasceram e da qual ela é uma representante eleita – a única mulher entre os 195 distritos tradicionais de Fiji. “Não posso aceitar o fato de que serei realocada devido ao aumento do nível do mar”, desabafa. “Essa é a principal razão pela qual participo desse tipo de conferência”, diz – ela viajou 15 mil quilômetros até Belém para participar, como observadora, da COP30, indicada pelo governo de Fiji.
“Quis vir e contar [minha história], desafiar os líderes dos países com altas emissões [de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento global].” Não que muitos deles realmente se importem. Os Estados Unidos, governados por um negacionista climático, Donald Trump, são o maior emissor histórico e nem sequer mandaram representantes de alto nível às discussões em Belém.
Nas mãos dos líderes reunidos em Belém, estão decisões que podem permitir que Lavenia e seus filhos sigam a viver em Nacula – ou sejam forçados a deixá-la, mesmo jamais tendo sido responsáveis pelo aquecimento global. “O que meus filhos fizeram para merecer precisar deixar sua terra? O que nossos entes queridos fizeram para precisar ter seus restos realocados? Nós merecemos isso?”
SUMAUMA
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