AUDIOVISUAL Um conjunto significativo de documentários musicais estreia no In-Edit. Que ciclo de vida têm esses filmes depois do festival?
AUGUSTO DINIZ
A profusão de documentá-
rios propiciada pelas faci-
lidades do digital veio
acompanhada, nas duas
últimas décadas, de uma
linhagem específica e numerosa dentro
do gênero: a de filmes ligados à música.
Sabe-se, porém, que a maioria esmaga-
dora desses títulos circula somente em
mostras e espaços de acesso restrito, lon-
ge das grandes audiências.
Nesse contexto, o In-Edit, Festival In-
ternacional do Documentário Musical,
criado em 2003 e realizado em diferen-
tes cidades do mundo, tornou-se uma vi-
trine de prestígio. No Brasil, a 16ª edição
do evento acontece em São Paulo, de 12
a 23 de junho, e reúne 12 filmes brasilei-
ros e 20 internacionais ainda inéditos no
circuito comercial.
Estão entre os selecionados nacionais O
Homem Crocodilo, de Rodrigo Grota, mer-
gulho no universo de Arrigo Barnabé; Luiz
Melodia, no Coração do Brasil, de Alessan-
dra Dorgan, que estreou em abril no É Tu-
do Verdade; Germano Mathias – O Cate-
drático do Samba, de Caue Angeli e Her-
nani de Oliveira Ramos, sobre um dos
modeladores do samba urbano paulista-
no; Moacyr Luz, O Embaixador Dessa Ci-
dade, de Tarsilla Alves, retrato de um ex-
poente do cancioneiro carioca; e Funk Fa-
vela, de Kenya Zanatta, que mostra as ori-
gens e contradições do movimento.
Chama atenção ainda No Rastro do Pé
de Bode, de Marcelo Rabelo, que ganhou,
em março, três dos quatro prêmios aos
quais concorria no Panorama Interna-
cional Coisa de Cinema, da Bahia. O fil-
me resgata a sanfona de oito baixos, ins-
trumento fundamental para o desenvol-
vimento do forró no Nordeste.
Antes de ganhar a tela grande, No Ras-
tro do Pé de Bode passou na TVE Bahia.
Sabe-se, porém, que muitos dos filmes
selecionados para os festivais brasilei-
ros acabam, depois das sessões nesses
eventos, fadados a certa invisibilidade.
De acordo com o Observatório do Cine-
ma e do Audiovisual (OCA-Ancine), os do-
cumentários representaram, em 2023,
33,9% do total de filmes brasileiros lan-
çados nos cinemas, mas responderam por
apenas 4,8% dos ingressos vendidos.
Uma pergunta que se coloca, diante
desses dados, é: que ciclo de vida tiveram
os filmes selecionados para edições ante-
riores do In-Edit, em especial aqueles pre-
miados e considerados significativos no
espectro da música e do registro cultural?
Manguebit, de Jura Capela, foi lança-
do em 2021 no Festival do Rio, na estei-
ra das comemorações de três décadas do
movimento homônimo e venceu a com-
petição nacional do In-Edit 2022. No fim
desse mesmo ano, foi exibido nos canais
fechados Cine Brasil TV e Canal Brasil
– cabe lembrar que a Lei da TV Paga, de
2011, estabeleceu que, para cada três ca-
nais estrangeiros, as operadoras devem
oferecer um nacional.
Depois disso, o retrato de um dos
mais importantes movimentos musi-
cais do País, surgido no Recife, na déca-
da de 1990, passou a ter exibições esporá-
dicas em cineclubes e sessões especiais.
Na mesma edição da qual o Manguebit
saiu premiado, foi exibido Belchior –
Apenas um Coração Selvagem, de Natália
Dias e Camilo Cavalcanti. O filme havia
estreado no É Tudo Verdade de 2022,
com expectativa alta, mas recepção fria.
Seguiu então para o canal Curta!, tam-
bém na TV Paga, em 2023, e hoje inte-
gra o catálogo do Globoplay.
O que se percebe, ao olhar para trás, é
que os filmes que conseguem maior visi-
bilidade depois do festival são muito mais
exceção que regra. Uma dessas exceções
é Elis & Tom, Só Tinha Que Ser com Você,
de Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay,
exibido no In-Edit do ano passado.
O documentário sobre os bastidores
do clássico álbum de 1974 foi lançado pe-
la O2Play nas salas de cinema em 2023
e visto por mais de 40 mil espectadores
nas três primeiras semanas. Curiosa-
mente, no entanto, o vencedor dofestival
de 2023, Terrua Pará, de Jorane de
Castro, que mostra a diversidade musical
amazônica, ainda carece de uma exposi-
ção à altura da cena que retrata.
Outros dois documentários reveladores
de cenários musicais regionais, apresen-
tados em 2023, As Origens da Lambada,
de Sonia Ferro e Félix Robatto, e Mostra
Reverbo, de Mário de Almeida, tampouco
conseguiram outras janelas relevantes.
O primeiro mostra de que forma a fu-
são de ritmos paraenses desaguou no gê-
nero musical de enorme sucesso inter-
nacional, algo pouco visto na história da
música brasileira. O filme quase não teve
circulação e seu produtor até pouco tem-
po negociava o licenciamento para a te-
vê aberta. Já Mostra Reverbo, que retra-
ta o bem-sucedido agrupamento de cria-
ção musical emergido no Recife, em 2017,
limitou-se, pós-In-Edit, a poucas exibi-
ções na capital pernambucana.
Enquanto isso, multiplicam-se, nas
plataformas de streaming, produções
próprias, como Sullivan & Massadas: Re-
tratos e Canções, do Globoplay, e Se Eu
Fosse Luíza Sonza, da Netflix. Em breve,
uma série sobre Marília Mendonça deve
estrear na Amazon Prime Video.
Há, ainda, os artistas que resolveram
autoproduzir-se e lançar documentários
sobre si mesmos. Caetano Veloso dispo-
nibilizou no YouTube, em 2023, uma en-
trevista a Charles Gavin sobre o seu últi-
mo álbum autoral, Meu Coco (2021). O ví-
deo teve 72 mil visualizações. Boa parte
dos documentários fica abaixo dos 5 mil
ingressos nos cinemas.
É inegável que a narrativa audiovisual
musical se tornou uma peça-chave tanto
na indústria audiovisual quanto na fono-
gráfica. O vigor do segmento não se tra-
duz, no entanto, na visibilidade de mui-
tos desses projetos, que desaparecem na
mesma velocidade com que surgem. •
CARTA CAPITAL
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