September 28, 2023

Funcionários do Metrô, da CPTM e da Sabesp resistem à sanha privatista de Tarcísio

 

 P O R M A R I A N A S E R A F I N I

 Em pouco mais de oito meses
de gestão, Tarcísio de Frei-
tas notabilizou-se pela deso-
rientação. Anunciava medi-
das num dia, e desistia no
outro. Entre os numerosos recuos do go-
vernador paulista figuram as
propostas de abandonar o uso de
livros didáticos impressos, de
transferir a Cracolândia para
outro bairro da capital e a pro-
messa de retirar as câmeras das
fardas dos policiais militares – 
as existentes foram mantidas,
ele só congelou os investimen-
tos. Ao menos um de seus com-
promissos de campanha segue,
porém, intacto. Em 2022, duran-
te os debates televisivos, o ex-mi-
nistro de Jair Bolsonaro anun-
ciou a intenção de privatizar os
principais serviços públicos do
estado. Desde então, não recuou
1 milímetro sequer da decisão.
 
Azar dos funcionários da
Sabesp, do Metrô e da CPTM,
atordoados com a pressa para
leiloar as lucrativas empresas
públicas a toque de caixa. Eles
já colecionam dezenas de indí-
cios de irregularidades nos processos de
privatização, a começar pela contratação
de empresas de consultoria com dispen-
sa de licitação e casos explícitos de con-
flitos de interesse. Para resistir à sanha
privatista, os servidores buscam sensi-


bilizar a população paulista sobre os ris-
cos envolvidos na entrega de serviços es-
senciais à iniciativa privada. Nas plata-
formas das estações, sindicalistas bus-
cam envolver os usuários dos trens me-
tropolitanos em uma consulta pública.
Ao convidar os cidadãos para votar a
favor ou contra a privatização, as enti-
dades sindicais assumem o risco de co-
lher um resultado diferente do esperado.
 
Mas o objetivo do referendo informal não
é exatamente medir a popularidade do
projeto, e sim alertar que o processo es-
tá em curso e avança de forma acelerada,
sem o devido debate. “É uma oportuni-
dade para disputarmos a opinião pública
e informar sobre o que o governador quer
fazer. Está sendo muito bom, as pessoas
estão interessadas em participar, muita
gente tem dúvida e é um momento que
a gente pode esclarecer”, afirma Camila
Lisboa, presidente do Sindicato dos Me-
troviários de São Paulo. Na terça-feira
12, durante uma ação na esta-
ção Jabaquara, a reportagem de
CartaCapital observou alta par-
ticipação popular. Em menos de
duas horas, havia mais de mil vo-
tos depositados nas urnas.
 
Uma das “eleitoras” é a do-
méstica Cícera Maria da Silva,
que usa o Metrô diariamente
para se deslocar até o trabalho.
Mesmo no horário de pico, quan-
do os carros da composição es-
tão cheios, o serviço é rápido e
eficiente, avalia. “Se privatizar,
a passagem vai ficar mais cara.
Já pagamos impostos demais, o
transporte coletivo deveria ser
gratuito”, opina.
 
Ao término da votação, pre-
vista para ocorrer até 4 de ou-
tubro, as urnas serão abertas e o
resultado será revelado à popula-
ção. “A maior parte dos paulistas
já percebeu o engodo das privatizações.

Com o resultado, vamos seguir pressio-
nando o governador e buscando o apoio
de deputados estaduais e vereadores pa-
ra evitar que o pior aconteça”, afirma Alex
Fernandes, diretor de Imprensa do Sindi-
cato dos Metroviários. Com 34 anos de ca-
sa, ele observa que a empresa já viveu mo-
mentos melhores. O número de funcioná-
rios tem sido reduzido ano a ano. Muitos
se aposentam, mas as vagas não são repos-
tas. Há dez anos, eram cerca de 10 mil tra-
balhadores, hoje são 7 mil. “Enquanto is-
so, o número de passageiros só aumentou,
atendemos, em média, 4 milhões de pes-
soas por dia.” Com a privatização, a cate-
goria teme uma precarização ainda maior.
O Metrô realizou seu último concurso em
2019, mas ainda ninguém foi chamado.
 
Na CPTM, a concessão de linhas ao sertor
privado está mais avançada. Privati-
zadas em 2021, as Linhas 8 e 9 são contro-
ladas pelo consórcio Via Mobilidade. No
fim de março, foi publicado o edital para
o leilão da Linha 7, previsto inicialmente
para 28 de novembro. As principais em-
presas interessadas pediram, porém, pra-
zo maior para apresentar as propostas. O
projeto prevê um trem rápido para os des-
locamentos entre as cidades de São Paulo
e Campinas, com uma parada em Jundiaí.
 
Sob o comando da Via Mobilidade,  as

condições de trabalho pioraram, afirma
Eluiz Alves de Matos, presidente do Sin-
dicato dos Ferroviários de São Paulo. “A
jornada de trabalho deles é de 12 horas,
enquanto a nossa é de 8 horas diárias. E
o salário deles é muito inferior.” O líder
sindical teme, ainda, a redução do qua-
dro de funcionários. Quando as Linhas 8
e 9 foram privatizadas, explica, centenas
de trabalhadores aderiram a um progra-
ma de demissão voluntária. Quem ficou
sofre com o acúmulo de funções e jor-
nadas exaustivas. “A qualidade do ser-
viço também despencou. Toda semana
tem descarrilamento de trem, o tempo
de espera aumentou

Não bastasse, a contratação de funcio-
nários terceirizados disparou. Recente-
mente, a S&G, responsável pela venda de
passagens nas Linhas 8 e 9, decretou falên-
cia e dispensou os funcionários sem pagar
os salários devidos, bem como os direitos
de rescisão. Com as bilheterias abandona-
das, a CPTM teve de liberar as catracas e,
em caráter emergencial, deslocar funcio-
nários que exerciam outras funções pa-
ra retomar as vendas. “É isso que aconte-
ce quando a empresa privada não dá con-
ta das suas atribuições. Sobra para o Es-
tado resolver o problema”, alerta Matos.
 
No caso da Sabesp, o atual presiden-
te da companhia, André Salcedo, afirma
que a privatização deve ocorrer já no pri-
meiro semestre de 2024. A venda permi-
tiria, segundo o gestor, antecipar o cum-
primento das metas do Novo Marco Le-
gal do Saneamento, entre elas a promessa
de entregar, até 2033, água potável a 99%
da população e garantir esgoto tratado a
90%. Salcedo alega, ainda, que o valor da
tarifa deve cair. Só não explicou a mágica
como a empresa vai ampliar os inves-
timentos, reduzir as tarifas e, ao mesmo
tempo, assegurar a lucratividade espera-
da pelos acionistas?
 
“Se o Salcedo está dizendo que vai bai-
xar a tarifa depois de vender, por que não
baixa agora? Tem condições de fazer is-
so. Não existe exemplo no mundo de ta-
rifa menor depois da privatização”, aler-
ta Helena Maria da Silva, vice-presidente
do Sintaema, o sindicato dos trabalhado-
res em água e esgoto. Hoje, a Sabesp aten-
de 375 cidades paulistas e é considerada
uma das maiores empresas de saneamen-
to do mundo. O lucro líquido no segundo
trimestre deste ano foi de 743 milhões de
reais, 73% maior que no mesmo período
o ano passado. O governo paulista detém
50,3% do controle da companhia, uma so-
ciedade anônima de capital aberto.
 
A presidente do Sintaema aponta uma
série de irregularidades no processo de
privatização, a começar pela contratação
do atual presidente, que antes era diretor
na Iguá Saneamento, acionista da Sabesp
e que tem interesse em aumentar a sua
participação. Além dele, a diretora Pau-
la Violanti também veio da mesma em-
presa. “Eles não respeitaram a ‘quarente-
na’, o período mínimo exigido para sair de
uma empresa privada para assumir uma
companhia pública do mesmo setor”,
afirma Silva, que encaminhou a denún-
cia para o Ministério Público Estadual.
 
Não é tudo. A International Finance
Corporation é, ao mesmo tempo, credo-
ra e responsável pelo desenho do modelo
de privatização da Sabesp. Além do even-
tual conflito de interesses, a consultoria
ligada ao Banco Mundial celebrou con-
tratos milionários com o governo do es-
tado, com dispensa de licitação, para pre-
parar estudos do programa de desestati-
zação, como denunciou o deputado esta-
dual Guilherme Cortez, do PSOL.
 
Por ora, o Legislativo acompanha o
debate a distância. “Até o momento, não
chegou nenhuma proposta concreta na
Alesp, mas estamos atentos ao que es-
tá acontecendo por fora, como os leilões
marcados das linhas de transporte so-
bre trilhos”, diz a deputada estadual Pau-
la Nunes, também do PSOL. A oposição
busca o suporte de técnicos e especialis-
tas para resistir em dois fronts: da Fren-
te Parlamentar Contra a Privatização da
Sabesp, presidida pelo deputado Emídio
de Souza, do PT, e da Frente Parlamen-
tar em Defesa do Serviço Público, lidera-
da por Nunes.

CARTA CAPITAL    

 

 

 

 

No comments: