April 7, 2023

Mais uma tentativa de silenciar o deputado Renato Freitas

 

 

R E N É R U S C H E L

A fogueira da Inquisição reacendeu na República de Curitiba. Em menos de um ano, o deputado estadual Renato Freitas, do PT, foi arrastado duas vezes para sacrifício no cadafalso político. Em 2022, como vereador, chegou a ser cassado pelo Conselho de ­Ética da Câmara Municipal de Curitiba, acusado de “invadir” a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito durante um protesto pela morte do jovem congolês Moïse Kabagambe, no Rio de Janeiro. Voltou à Casa por conta de uma decisão judicial. Agora é o coronel Hudson Teixeira, secretário de Segurança Pública do governo Ratinho Jr., quem ergue novamente a tocha.


Na sessão de 7 de março, Freitas subiu à tribuna da Assembleia Legislativa e fez duras críticas à violenta atuação da Polícia Militar do Paraná. De posse de um documento divulgado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco, uma unidade­ do Ministério Público Estadual, denunciou a morte de 483 “suspeitos” em confrontos com a PM em 2022, crescimento de 17,3% em relação ao ano anterior. Quase 60% das vítimas eram pretas ou pardas, razão pela qual criticou a “seletividade das forças de segurança pública contra os negros”. Relembrou ainda dois casos cujas abordagens resultaram em vítimas fatais.

 No dia seguinte, o coronel, o mesmo
que admitiu descumprir ordens judiciais
para proteger “patriotas” que protesta-
vam contra a eleição do presidente Lula
nas rodovias do Paraná, redigiu um ofício
endereçado ao presidente da Assembleia
Legislativa, Ademar Traiano, do PSD. Na
peça, Teixeira insta os parlamentares da
Casa a aprovar uma “representação em
desfavor” de Freitas. Ele alega que o de-
putado petista fez “ilações infundadas,
descabidas e distorcidas da realidade
proferidas a militares estaduais e à Polí-
cia Militar do Paraná”. Segundo o secre-
tário, as operações da corporação são re-
alizadas com “respeito aos Direitos Hu-
manos, ao Estado Democrático de Di-
reito e à dignidade da pessoa humana”.

 
O documento não chegou à Assembleia
Legislativa. Foi interceptado pela Casa
Civil do governo Ratinho Jr. e só veio à
tona porque circulou em grupos de What-
sApp dos militares da corporação até ser
publicado nas redes sociais. CartaCapital
enviou e-mail à assessoria de comunica-
ção da Secretaria de Segurança Pública
para saber que tipo de punição o coronel
Hudson Teixeira pretendia e se o gover-
nador, em viagem oficial ao Japão e à Co-
reia do Sul, tinha conhecimento da medi-
da. Segundo a pasta, “em momento algum
foi requerida a cassação do parlamentar”,
o objetivo do documento seria apenas de
“esclarecer que a corporação defende os
interesses da população paranaense”. A
Casa Civil, por sua vez, diz ter recebido o
ofício, “mas optou por não encaminhar à
Assembleia Legislativa”.

 
Mestre em Direito Penal pela Univer-
sidade Federal do Paraná, o advogado Re-
nato Freitas, de 39 anos, foi eleito depu-
tado estadual em 2022 com 57.880 votos.
“Carrego na pele as cicatrizes desses cri-
mes”, afirmou em seu recente discurso. A
mãe, uma nordestina nascida na Paraíba,
sempre foi seu ponto de apoio. O pai, pre-
sidiário, veio para o Paraná transferido de
Sorocaba, interior de São Paulo. A família
o acompanhou. “Eu não era nem registra-
do quando cheguei aqui”, relembra. Todos
passaram a viver em Almirante Taman-
daré, na Região Metropolitana de Curiti-
ba, em um bairro “muito pobre, violento,
sem qualquer estrutura”.

 
Aos 12 anos, Renato Freitas começou
a trabalhar. Foi auxiliar de pedreiro, em-
pacotador, vendedor e faxineiro. “Pensa-
va o tempo todo no sofrimento da minha
mãe, que sempre foi empregada domés-
tica”, conta. Amigos de infância se envol-
veram com o tráfico de drogas e acaba-
ram presos ou mortos. Seu irmão mais
velho foi assassinado com um tiro na ca

eça aos 23 anos. “Estava trabalhando e
aconteceu um assalto.” Foi quando con-
cluiu que o único caminho para sair da-
quela miséria eram os estudos.
Em 2005, foi aprovado no processo se-
letivo da UFPR. Foi na universidade que
começou a se interessar por política. Es-
colheu estudar Direito porque queria lu-
tar por mais justiça social. “Vivi e senti
na pele não somente a miséria, mas o ra-
cismo e o preconceito. Sempre quis fazer
alguma coisa pelos meus iguais”, desaba-
fa o hoje deputado.

 
“Freitas é vítima do racismo e do pre-
conceito de classe social”, avalia Andréa
Pires da Rocha, professora do Departa-
mento de Serviço Social da Universidade
Estadual de Londrina. As estruturas so-
ciais no Brasil são enrijecidas e alimenta-
das por opressões que compõem as nos-
sas relações há mais de 500 anos, expli-
ca. “O lugar reservado ao negro era a sen-
zala. Depois, a rua, o trabalho precário, a
miséria, a prisão, os hospitais psiquiátri-
cos e as covas dos cemitérios. A presen-
ça de Freitas no Legislativo paranaense
subverte ‘a ordem das coisas’.”

 

 
Advogado e mestre em Direitos Huma-
nos e Democracia pela UFPR, André Luiz
Nunes da Silva engrossa o coro dos que
acreditam que o parlamentar é vítima de
racismo explícito. “É evidente que suas ori-
gens e sua postura de homem negro na so-
ciedade curitibana têm sido um choque de

ealidade no Parlamento”, observa Silva.
“Como presidente da Comissão de Igual-
dade Racial, ele conhece como poucos os
cenários de miséria e violência. Conhece
os bairros, os bolsões de pobreza.”

 
No Paraná, as pessoas pretas e pardas
representam 27,4% da população. Dian-
te de um quadro de desemprego eleva-
do, evasão escolar em alta e narcotráfi-
co exercendo poder e influência, o apara-
to repressivo estatal atua nas periferias
com rigor e de forma improvisada, identi-
ficando os negros como ameaças, não co-
mo as principais vítimas desse excluden-
te sistema, acrescenta Silva. “Onde o Es-
tado está ausente nas políticas públicas
para a construção da cidadania, a força
policial opera de forma a reprimir e exter-
minar os ‘inimigos’”, lamenta o advogado.
Para o psicólogo Márcio Cesar

 
Ferraciolli, doutor em Sociologia e coor-
denador do Observatório Social de Saú-
de Prisional da UFPR, questionar é um
ato democrático, mas pedir uma “repre-
sentação em desfavor” de alguém é outra
situação. O professor observa que o ofí-
cio encaminhado pelo secretário Hudson
Teixeira deveria rebater com dados e ar-
gumentos as declarações do denuncian-
te. “Pedir uma representação contra a fa-
la de um parlamentar que se expressou
na sessão da Casa, no parlatório à frente
de seus pares, sem fazer o contraditório,
pode ser considerado um ato de repres-
são, um ato antidemocrático.”

 
A ratoeira plantada pelo coronel
Hudson Teixeira acabou fechando em
sua própria mão. Na segunda-feira 13, o
deputado Ademar Traiano, presidente
da Assembleia Legislativa, saiu em de-
fesa do colega. Observou que o petista
não faltou com o decoro e que a crítica
faz parte da atividade parlamentar. “Sua
fala foi focada em algumas questões rela-
cionadas à Polícia Militar, mas não faltou
com decoro. Ele tem o direito de falar.”

CARTA CAPITAL  

 

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