April 3, 2023

O menestrel satírico

 



Durante a ditadura, Juca Chaves estava em um programa de tevê quando o apresentador perguntou o que achava do regime militar. “Eu não acho nada. Um amigo meu foi achar e nunca mais acharam ele”, respondeu, com seu humor característico.

Juca, que morreu no sábado 25, em Salvador, aos 84 anos, devido a problemas respiratórios, entrou para o imaginário popular como a figura engraçada que usou a sátira para falar das mazelas e costumes do País e que cantava modinhas ao violão.Na década de 1970, seus discos de piadas, com historietas maliciosas intercaladas a canções, fizeram sucesso. Seu talento ia, porém, muito além da capacidade de fazer rir.... 

“Sou um compositor bom, músico mé-
dio e cantor fraco. Bom humorista por
acaso e faço um espetáculo bom. Um me-
nestrel”, costumava dizer o músico, com-
positor, cantor e comediante

 
Jurandyr Czaczkes Chaves nasceu no
Rio de Janeiro em 1938, fruto da união de
um judeu austríaco – que abrasileirou o
sobrenome assim que aqui chegou – e de
uma judia lituana, mas mudou-se com a
família para São Paulo ainda na infância.
Aos 7 anos, iniciou os estudos de violão.
A facilidade com o instrumento fez
com que, aos 16 anos, passasse a ter au-
las com o maestro Guerra Peixe, no-

me de proa da música clássica brasilei-
ra que, certamente, influenciou seu gos-
to musical. “Os russos são os meus prefe-
ridos: Tchaikovsky, Rimsky-Korsakov e
Mussorgsky não saíam da minha vitrola”,
afirmou, em sua autobiografia. Não é difí-
cil, inclusive, identificar algo da dramati-
cidade russa em Águas de Saquarema, sua
primeira composição de destaque, grava-
da em 1957 pela cantora Lenny Eversong.

 
A união entre erudito e popular o cons-
tituiu. Outro de seus mestres, o maestro
Eleazar de Carvalho, incutiu nele o gos-
to pelo estudo sistemático. No campo da
música popular, algumas de suas maio-
res inspirações foram Dorival Caymmi,
Luiz Gonzaga e Lamartine Babo.

 
Não era raro Juca criar uma balada ro-
mântica e revesti-la com arranjos barro-
cos, como se pode perceber em A Cúmpli-
ce, canção do disco Juca Bom de Câmara
(1977) na qual um singelo acompanha-
mento de cravo abrilhanta os versos
.

 
Eu quero uma mulher/ Que seja diferente/
De todas que eu já tive/ Todas tão iguais/
Que seja minha amiga, amante confiden-
te/ A cúmplice de tudo que eu fizer a mais.

 
Ao mesmo tempo que flertarva com
a música do século XVI, como fez em
Pavana para Per La Contessa Alessandra
(1977), adorava fazer graça. Sono Cornuto,
Mas Sono Felice, faixa de Senza Complessi
(1970), gravado durante o autoexílio na
Itália, rendeu ao artista divertidas sauda-
ções de cornuto! quando andava pela rua.

 
Juca especializou-se na modinha e as-
sumiu a persona do trovador. Mas o fez à
sua maneira: adotou o estilo para fazer sáti-
ra política. A primeira sátira a torná-lo co-
nhecido foi Presidente Bossa Nova (1957),
que ironizava a modernidade deJuscelino
Kubitschek. Voar, voar pra bem distante/
Até Versalhes onde duas mineirinhas, val-
sinhas/ Dançam como debutante, interes-
sante/ Mandar parente a jato pro dentis-
ta/ Almoçar com tenista campeão, cantava.

 
Juca não tinha preferência política.
Achincalhava todos, sem dó. Presidente
Bossa Nova foi apenas uma das 84 can-
ções de seu repertório a ter trechos cen-
surados. Outras 41 foram proibidas.
O País tampouco escapava de seus ver-
sos. O samba Caixinha, Obrigado (1960) ri-
mava a corrupção. Brasil Já Vai à Guerra,
do mesmo ano, fazia troça da compra do
porta-aviões Minas Gerais pela Marinha.
Dona Maria Tereza (1962) usava o no-

 me da então primeira-dama para falar da
precária situação econômica do povo e
do medo do comunismo: Dona Maria Te-
reza/ Assim o Brasil vai pra trás/ Quem
deve falar, fala pouco/ Lacerda já fala de-
mais/ Enquanto feijão dá sumiço/ E o dó-
lar se perde de vista/ O Globo diz que tu-
do isso/ É culpa de comunista.

 
Vinicius de Moraes apelidou-o, por essa
e outras, de menestrel maldito. No período
mais duro da ditadura, sapateou em cima
do ufanismo de País Tropical, canção de
Jorge Ben Jor eternizada na voz deWilson
Simonal. Alô Brasil, alô Simonal/ Moro e
namoro em Paris Tropical/ Tereza é em-
pregadinha, eu sou seu patrão/ Vendi meu
Fusca e o meu violão/ Tenho um Jaguar, só
ouço Bach/ Eu como estrogonofe em lugar
de feijão, dizia, em Paris Tropical (1972).

 
Mas a sátira não foi seu único estilo. Já
no disco de estreia, de 1960, pela gravado-
ra RGE – para a qual fora recomendado pe-
la cantora Aracy de Almeida –, dividia-se
entre provocações e canções românticas.
Para cada Presidente Bossa Nova e Na-
sal Sensual havia uma melodia singela,
como Menina, Aquarela dos Sonhos e Por
Quem Sonha Ana Maria. Nos anos 1970,
ele passou a inserir piadas em suas apre-
sentações musicais.

 
Artista completo, Juca também fez
sempre questão de se posicionar ao lado
dos colegas em demandas mais ou me-
nos específicas. Participou de movimen-
tos contra a censura e lutou, por exemplo,
pela numeração dos discos, a fim de im-
pedir que os artistas fossem lesados pe-
las gravadoras. Sua gravadora, a Sdruws,
era por ele definida como a primeira re-
almente socialista. “O empregado rouba
o patrão e vice-versa”, brincava.

 
Juca Chaves foi casado por quase meio
século com Yara, uma modelo e dançari-
na que se tornou a musa de todas as suas
canções de amor. O casal tinha duas fi-
lhas, Maria Clara e Maria Moreno.

carta capital

 

 

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