April 13, 2023

Alinhado à extrema direita, Musk muda equilíbrio de forças políticas com Twitter, diz pesquisadora da UFRJ

 
Marie Santini, diretora do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da UFRJ (NetLab)

Para Marie Santini, mudanças anunciadas pelo bilionário ameaçam articulação de movimentos sociais dissidentes e impulsionam indústria da desinformação na plataforma

Por Emanuelle Bordallo

Demissões em massa, pagamento por selo de verificação, retorno de Donald Trump... Pouco mais de um mês após o bilionário Elon Musk comprar o Twitter e assumir como CEO, as polêmicas envolvendo sua gestão já superam o imbróglio das negociações. Além das mudanças operacionais, a aquisição da rede social pelo homem mais rico do mundo acendeu um alerta sobre os interesses geopolíticos de Musk na plataforma.

Em entrevista ao GLOBO, a professora Marie Santini, diretora do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da UFRJ (NetLab), avalia o uso da plataforma como mecanismo de soft power ao garantir que conversas na rede sejam influenciadas por máquinas semióticas e algorítmicas alinhadas às ideias do bilionário. Ela também analisa o papel geopolítico do Twitter na articulação tanto de grupos de extrema direita quanto de movimentos sociais dissidentes após a aquisição por Musk — que não esconde a simpatia por lideranças globais autoritárias.

Qual o papel do Twitter na articulação da extrema direita no mundo?

O Twitter foi criado em 2006 em São Francisco como uma empresa pequena de microblogging. Durante os primeiros anos, era visto apenas como uma plataforma de nerds que postavam banalidades da vida cotidiana. A grande virada aconteceu em 2011, com a Primavera Árabe no Oriente Médio e o movimento Occupy Wall Street nos EUA. Durante a Primavera Árabe, ativistas e movimentos pró-democracia na Tunísia, Egito e Líbia perceberam que o Twitter poderia fazê-los contornar a censura de seus países para denunciar os acontecimentos em escala global. No Brasil, o Twitter também foi fundamental para a articulação das jornadas de junho de 2013. Jovens progressistas e ativistas estavam muito animados com os novos sentidos que essa ferramenta poderia criar, permitindo formas de organização política que seriam digitais, descentralizadas, dinâmicas e sem hierarquias pré-estabelecidas.

Esse tipo de protesto antiestablishment e o intenso ativismo político na plataforma ajudaram a alimentar uma ideia, predominante nos anos 2010, de que as redes sociais seriam uma força revolucionária que poderia mudar as estruturas de poder da sociedade. A ideia era que as redes sociais ajudariam a dar ao cidadão comum ferramentas de comunicação superpoderosas que permitiriam dar poder aos dissidentes, derrubar tiranos e fazer o povo “tomar o poder”. À medida que esses movimentos e protestos aumentaram com o uso do Twitter, a plataforma passou a chamar a atenção de todos, especialmente governos autoritários, que passaram a se interessar pelas formas de utilização do Twitter para reprimir a dissidência e manipular a opinião da população.

Portanto, é exatamente nesse mesmo momento — por volta de 2013 — que a extrema direita começa a se organizar nas plataformas digitais e a construir uma infraestrutura robusta de comunicação on-line, com seus influenciadores e bots [contas falsas e/ou automatizadas] ganhando cada vez mais centralidade na rede. Atualmente, essa extrema direita é hegemônica no Twitter, graças à estratégia de inundar a plataforma com milhões de bots utilizados para espalhar desinformação, discurso de ódio, atacar inimigos e manipular o debate.

E como as estratégias adotadas por esses grupos podem mudar com a rede agora sob comando de Elon Musk?

Desde 2016, assistimos à intensificação do uso do Twitter como arma política por governos autoritários, grupos extremistas, trolls e todo tipo de fanáticos que acreditam que vivemos uma guerra cultural. Todos esses atores aprenderam que há uma fórmula de manipulação da opinião pública na rede: agir de forma exagerada e escandalosa, quebrar as regras, distorcer fatos para chamar a atenção e fabricar narrativas segmentadas para conquistar audiências específicas. Aprendeu-se que é possível converter atenção em poder, e os exemplos mais emblemáticos dessa fórmula foram as eleições de Donald Trump em 2016 e de Jair Bolsonaro em 2018. Porém, Elon Musk e seus aliados de extrema direita estão dando um passo além ao criar plataformas on-line segmentadas para o ativismo de direita (como Parler e GETTR) e agora com a compra do Twitter, pois acreditam que a cultura é um motor mais poderoso que a economia para moldar o comportamento das pessoas.

Esses grupos conservadores entendem que, para controlar o processo cultural, precisam ser os donos da plataforma de comunicação — o que não é uma ideia exatamente nova. Mas o objetivo não é o uso das plataformas para censura, mas sim para soft power. Ou seja, precisam garantir espaços comunicacionais privilegiados para circulação de suas ideias, onde seja possível manipular e influenciar politicamente toda a sociedade sem usar a força, usando apenas máquinas semióticas e algorítmicas para conduzir as conversas. Além disso, a extrema direita passou a acreditar na ideia de que é preciso incorporar os métodos do ativismo tradicional, historicamente de esquerda, em sua lógica de atuação. É o que temos assistido: o Twitter se tornou uma empresa de apenas um dono, simplesmente um dos homens mais ricos do mundo, cada vez mais alinhado às ideias e políticos da extrema direita global. Isso com certeza é um marco histórico e muda o jogo de forças no campo político.

Musk prometeu “restaurar a liberdade de expressão” no Twitter e anunciou a revisão da política de “banimento eterno”, que suspendeu contas de figuras como o ex-presidente americano Donald Trump. O que isso representa para o futuro da rede social?

Um dos objetivos da compra do Twitter por Elon Musk é controlar os mecanismos de moderação. O que Musk parece querer é evitar a remoção de conteúdo e de perfis, como é o caso de Donald Trump. Com a suposta bandeira de “liberdade de expressão”, o dono do Twitter quer ser permissivo frente a contas inautênticas, bots, disseminação de desinformação, discurso de ódio e todo tipo de comunicação tóxica na rede. Isso é muito perigoso pois ameaça a democracia, que depende de um ambiente saudável, seguro e confiável de comunicação e informação para existir. A ausência completa de moderação tende a tornar qualquer espaço suscetível à violência e manipulação, pois é preciso garantir minimamente a qualidade do conteúdo que circula para garantir a integridade das pessoas e das instituições democráticas. Não se pode confundir “liberdade de expressão” com liberdade de desinformação, liberdade de agressão ou liberdade de alcance para qualquer tipo de conteúdo malicioso. A extrema direita distorce propositalmente o conceito de liberdade de expressão para normalizar atitudes antidemocráticas.

Outra medida controversa foi o anúncio de um modelo de verificação de contas por assinatura. De que forma a mudança pode servir à indústria da desinformação?

Sim, isso cairá como uma luva para a indústria da desinformação. Nós constantemente denunciamos contas inautênticas, automatizadas e falsas para que sejam banidas da plataforma. Ao vender um selo de autenticidade, qualquer um poderá comprar um selo de conta verificada para perfis falsos e bots, ampliando ainda mais seus poderes de manipulação da opinião pública e seu potencial malicioso.

Além de Musk, a aquisição do Twitter também contou com o investimento de um príncipe saudita e do fundo soberano do Catar. Quais são os interesses geopolíticos na plataforma?

Não sabemos ao certo os interesses desses líderes do mundo árabe no Twitter. Mas o que sabemos é que a extrema direita se mostra cada vez mais organizada internacionalmente, de forma multicentralizada, em uma rede de articulação composta por políticos e pessoas muito poderosas que parecem ter estratégias, crenças e planos em comum. Na prática, o que assusta é que a simpatia declarada de Musk por certos líderes autoritários pode representar um forte risco para movimentos dissidentes da sociedade civil que atuam para combater e denunciar violações aos direitos humanos na rede. Com grupos conservadores de extrema direita se tornando donos da plataforma, esses movimentos tendem a perder força e espaço, e podem ser desarticulados.

Após uma onda de demissões, cresceram as especulações de que o Twitter poderia acabar. Você acredita nisso? Quais seriam as consequências de um eventual encerramento da plataforma?

A compra do Twitter pelo Elon Musk é um fato muito importante por duas razões principais. A primeira razão é prática. O Twitter não é a maior rede social considerando o número de usuários, mas é uma plataforma muito estratégica por ser intensamente utilizada por políticos, celebridades e importantes figuras públicas que tentam influenciar a cobertura da mídia e o debate social. E, por isso, qualquer coisa que aconteça com uma plataforma on-line com essas características e com esse alcance importa muito, pode mudar o equilíbrio de forças no ecossistema de comunicação on-line. A segunda razão é simbólica. A aquisição do Twitter por Elon Musk marca o fim de uma era. Parte da identidade do Twitter sempre foi essa característica de esfera pública popular, de baixo para cima. Uma rede onde pessoas comuns — que não tinham poder, influência ou cargos importantes — podiam transmitir mensagens para o mundo. Foi assim que o Twitter se posicionou durante basicamente a última década. Penso que essa era chega ao fim quando o Twitter é adquirido pelo homem mais rico do mundo e que pretende usá-lo para seus próprios interesses ideológicos e comerciais. Se a plataforma vai acabar ou não, não se sabe, mas o fato é que o Twitter como conhecemos não existe mais, e o que vai substituí-lo ainda está em aberto. 

GLOBO

 

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