Enfim ouvido pela Justiça
brasileira, Rodrigo Tacla Duran tem tudo
para ser o algoz de Moro e Dallagnol
P O R R E N É R U S C H E L
Dois dias antes de prestar de-
poimento por videoconfe-
rência à Justiça brasileira,
o advogado Rodrigo Tacla
Duran, que mora em Madri
desde 2017, permitiu-se uma ironia numa
rede social. “A lei do retorno é infalível”,
anotou. O recado tinha destino certo, Ser-
gio Moro, ex-juiz e agora senador, eDeltan
Dallagnol, deputado federal, especialista
em PowerPoint e antigo coordenador da
força-tarefa da Operação Lava Jato. Por
aquelas coincidências do destino, Tacla
Duran pode, finalmente, contar sua ver-
são dos fatos a um juiz da 13ª Vara Fede-
ral de Curitiba, casamata utilizada por
Moro para persegui-lo e silenciá-lo ao lon-
go dos últimos anos. E não se fez de roga-
do. Em pouco mais de uma hora de depoi-
mento, o advogado, acusado de pagar pro-
pina em nome da Odebrecht, repetiu as
acusações contra integrantes da operação
levadas a público seis anos atrás. Mais:
anexou documentos, áudios e vídeos às
afirmações feitas perante o novo titular
da jurisdição, Eduardo Appio.
Recordemos. Segundo Tacla Duran,
Carlos Zucolotto Júnior, amigo do ex-juiz
e sócio de uma banca de advocacia na qual
trabalhava a “conje” Rosângela Moro, o
procurou com uma oferta. Em troca do
pagamento de 5 milhões de dólares, “por
fora”, Tacla Duran assinaria um acordo
de delação camarada. Além da redução da
multa e da garantia de prisão domiciliar,
estava incluída a opção de manter o aces-
so a uma conta bancária de 15 milhões de
dólares. A tramoia funcionaria da seguin-
te forma: a força-tarefa solicitaria a Mo-
ro o bloqueio de uma conta bancária sem
fundos do acusado e “se esqueceria” de
incluir no pedido aquela onde o dinhei-
ro grosso estava depositado. Nas men-
sagens enviadas, Zucolotto teria afirma-
do que o acerto tinha o aval de “DD”, ini-
ciais de Deltan Dallagnol. Não só. No dia
seguinte à conversa, Tacla Duran diz ter
recebido uma minuta do acordo de dela-
ção em papel timbrado do Ministério Pú-
blico Federal e com o nome dos procura-
dores envolvidos na negociação.
Ao juiz Appio, o advogado acrescentou
novos detalhes à trama. Em julho de 2016,
diz, chegou a transferir 613 mil dólares ao
colega de profissão Marlus Arns, espécie
de sinal. Outra coincidência. Arns é um ve-
lho amigo e foi parceiro de Rosângela Mo
o na defesa da Associação de Pais e Ami-
gos dos Excepcionais. Tacla Duran afirma
ter refletido após o primeiro pagamento
e desistido de depositar o restante do va-
lor. Em retaliação, Moro decretou sua pri-
são, o que o levou a se refugiar na Espanha
(ele tem dupla cidadania). O juiz tentou al-
cançá-lo de todas as formas e conseguiu,
por algum tempo. Em consequência de um
alerta de prisão emitido pela Interpol, o
advogado ficou detido durante 72 dias na
prisão de Soto del Real, até obter o direito
à liberdade condicional. Tacla Duran ain-
da trouxe à tona outro personagem, Fábio
Aguayo, atual assessor de Moro no Sena-
do. Diz ter sido procurado por Aguayo e
Zucolotto à época em que ocupava o car-
go de vice-presidente jurídico do Sindi-
cato dos Hotéis em São Paulo. O objetivo
da reunião era convencê-lo a contratar os
serviços de Zucolotto. “Apresentou que
era do Moro. Fiquei só observando, né?”,
descreveu na audiência da terça-feira 28.
Apesar de Tacla Duran não ter cita-
do nominalmente Moro ou Dallagnol, o
juiz Appio decidiu encerrar o depoimen-
to de cerca de uma hora e solicitar o envio
do inquérito ao Supremo Tribunal Fede-
ral pelo fato de o senador e o deputado te-
rem foro privilegiado. O magistrado tam-
bém revogou a prisão do advogado e re-
quereu a sua inclusão imediata no progra-
ma de proteção a testemunhas. “O cida-
dão Tacla Duran tem, a meu ver, o direito
de exercer seus direitos de defesa (devido
processo legal substantivo) em liberdade,
até que sobrevenha eventual condenação
(até porque se encontra hoje amparado em
recentíssima decisão do Egrégio Supremo
Tribunal)”. A citação ao STF guarda rela-
ção com decisão da sexta-feira 24 do mi-
nistro Ricardo Lewandowski que suspen-
deu a ação penal contra o ex-defensor da
Odebrecht. O processo será encaminhado
ao próprio Lewandowski, que se aposenta
do tribunal em abril. Ou seja, em princí-
pio, as denúncias de Tacla Duran tendem
a ser analisadas pelo próximo ministro do
Supremo a ser indicado por Lula, que em
recente entrevista lembrou-se de ter ali-
mentado inúmeras vezes o desejo de “fo-
der” Moro nos 580 dias de prisão em Curi-
tiba. O mundo gira e a Lusitana roda.
Ao interromper o depoimento, Appio
justificou a decisão de remeter os autos
ao STF: “Diante da notícia de crime de
extorsão, em tese, pelo interrogado, en-
volvendo parlamentares com prerroga-
tiva de foro, ou seja, Deputado Deltan
Dallagnol e Senador Sergio Moro, (...)
encerro a presente audiência para evitar
futuro impedimento, sendo certa a com-
petência exclusiva do Supremo Tribunal
Federal, na pessoa do Excelentíssimo Mi-
nistro Ricardo Lewandowski, juiz natu-
ral do feito”. Quanto à solicitação da pro-
teção à testemunha, afirmou: “Na medi-
da em que há risco concreto de vida e se-
gurança do requerente, tendo em vista
o poderio econômico e político dos en-
volvidos (futuros investigados)”. A par-
tir de agora, a instrução do inquérito pas-
sa à responsabilidade da Polícia Federal.
Em vez de rebater as acusações,
Dallagnol preferiu atacar o juiz. “Advi-
nha quem acreditou num dos acusados
que mais tentou enganar autoridades na
Lava Jato?”, perguntou em uma rede so-
cial. “Ele mesmo, o juiz lulista e midiá-
tico Eduardo Appio (+ conhecido como
LUL22), que nem disfarça a tentativa de
retaliar contra (sic) quem, ao contrário
dele, lutou contra a corrupção.” Por meio
da assessoria, Moro declarou-se vítima de
calúnia e disse não temer a investigação.
“Trata-se de uma pessoa que teve a prisão
preventiva decretada na Lava Jato (...).
Desde 2017 faz acusações falsas, sem
qualquer prova, salvo as que ele mesmo fa-
bricou.” Na quarta-feira 29, o senador pôs
em marcha um plano para manter o caso
no Paraná, desde que fora das mãos de Ap-
pio. O ex-juiz mostra ter aprendido os tru-
ques do populismo: no texto, seus advoga-
dos dizem que o agora parlamentar abre
mão da prerrogativa de foro, “privilégio
odioso”, argumentam que os fatos ocor-
reram antes das eleições e colocam em dú-
vida a imparcialidade do atual titular da
13ª Vara. Engana-se quem quer. Moro de-
seja, na verdade, não um julgamento justo,
mas escapar do rigor dos ministros do Su-
premo e, quem sabe, responder a um dos
tantos amigos na primeira instância da
“República de Curitiba”. O Tribunal Re-
gional Federal da 4ª Região, recheado de
lavajatistas, tem, aliás, imposto derrotas
a Appio (derrubou por duas vezes a prisão
do doleiro Alberto Youssef) e o ameaça de
processo disciplinar, caso venha a conce-
der entrevistas. Appio tornou-se, assim,
o único juiz brasileiro obrigado a se ma-
nifestar apenas nos autos do processo. A
regra virou exceção. Após o depoimen-
to de Tacla Duran, o magistrado passou
a receber ameaças e solicitou ao TRF-4
um carro blindado e segurança 24 horas.
Para Luiz Carlos da Rocha, um dos in-
tegrantes da banca de defesa do presiden-
te Lula, a decisão de remeter o processo
ao STF está correta. “A conduta foi abso-
lutamente adequada, pois tão logo se de-
parou com a menção dos nomes de am-
bos declinou a competência, que é o que
deve fazer todo juiz isento, quando se de-
para com o instituto da prerrogativa de
foro obstando sua competência.” Rocha
espera, daqui em diante, que o acusador
avance nas denúncias. “Será preciso saber
se estão amparadas em provas. Tudo o
que ele trouxe agora deve ser submetido
ao escrutínio da investigação se o STF de-
liberar assim e, se há presença de crime, o
Ministério Público poderá avaliar e ofe-
recer denúncia, submetendo tudo ao contraditorio
e à ampla defesa.
As acusações jogaram um balde água
fria no entusiasmo de Moro. Uma sema-
na antes, o senador havia sido resgatado
do fundo do poço da insignificância em
decorrência de duas declarações de Lula
e da divulgação de um suposto plano do
PCC para matá-lo ou sequestrá-lo. Não
bastasse a péssima repercussão do dese-
jo de “foder” o ex-juiz, o petista incorreu
novamente no erro ao afirmar, sem pro-
vas, que o plano da facção criminosa, in-
vestigado pela PF, seria uma armação, um
factoide criado pelo senador e seus alia-
dos. Moro ganhou, além dos repentinos 15
minutos de fama, a oportunidade de repi-
sar uma velha mentira sobre a ligação en-
tre o PCC e o PT e acusar o “adversário”
de incitar o ódio. “Se acontecer algo à mi-
nha família, a culpa é do presidente”, cho-
ramingou o parlamentar.
Moro, tudo indica, apenas subiu no
bonde que passou à sua porta. Primeiro,
vangloriou-se de uma medida que não é
de sua lavra. A proibição de visitas ínti-
mas nos presídios, suposta causa da ira
do PCC, foi decretada em 2017, ainda no
governo de Michel Temer, pelo então mi-
nistro da Justiça Torquato Jardim. Em
fevereiro de 2019, quando era apresenta-
do ao público como o “superministro” de
Jair Bolsonaro, Moro apenas ratificou a
decisão. Igualmente fajuta é a tese de que
o plano tinha a ver com a transferência de
Marcola, líder da facção, para o presídio
de segurança máxima de Rondônia. Mais
uma vez, o ex-ministro fez caridade com o
chapéu alheio. “Não há nenhuma ingerên-
cia do governo federal, seja do presiden-
te Bolsonaro, seja do ministro Moro nes
sa remoção. Entristece saber que políticos
e até um ex-juiz alterem a verdade para ob-
ter ganhos políticos”, afirmou, em outu-
bro de 2022, mês das eleições, o promotor
Lincoln Gakiya, o verdadeiro alvo do PCC.
O senador não teria, porém, obtido tan-
ta repercussão sem o auxílio luxuoso da
parceira Gabriela Hardt. A juíza, primei-
a substituta de Moro na 13ª Vara, apre-
sentou o despacho de 69 páginas que le-
vantou o sigilo da investigação sobre o
PCC em tempo recorde, em apenas dois
dias úteis depois de o caso ser transferi-
do, de forma pouco transparente, diga-
-se, da 9ª Vara em Brasília para Curitiba.
O despacho de Hardt irritou a PF. No afã
de promover o parceiro, a magistrada ex-
pôs a investigação, iniciada no ano passa-
do. Paulo Pimenta, ministro da Secreta-
ria de Comunicação da Presidência, não
poupou críticas à decisão. “Uma juíza re-
tirar o sigilo de um inquérito sensível e pe-
rigoso, que ainda está em curso, sem com-
binar com a cúpula da PF ajuda em quê?
Tudo para ajudar a narrativa de um ami-
go? Vocês acham normal? Não se indig-
nam?”, escreveu no Twitter
CARTA CAPITAL
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