Governo Bolsonaro concentra esforços para evitar a CPI do MEC em ano eleitoral
Os pastores-lobistas e o fundo de educação nas mãos do Centrão deixam o governo à beira de uma CPI em ano eleitoral
Por André Barrocal
O governo de santos do pau
oco detonou na Semana
Santa uma operação contra
a criação de uma CPI do
MEC, batalha política da
vez em Brasília. A tentativa da oposição
de vasculhar o Ministério da Educação
nasceu graças à história daqueles pasto-
res vendilhões de influência na pasta e en-
corpou com rolos noticiados depois. Jair
Bolsonaro e o Centrão, ministro Ciro
Nogueira à frente, não querem ser malha-
dos feito Judas em Sábado de Aleluia.
Seria ruim para as pretensões eleitorais
e, claro, os negócios da turma. Na CPI da
Covid, o Senado mostrou que o presiden-
te e seus auxiliares podem até não acabar
na cruz (a Procuradoria-Geral da Repú-
blica e a Câmara agiram feito Pilatos
diante do relatório da comissão), mas es-
tão ao alcance de chicotadas públicas.
Na quarta-feira 13, dia da conclusão
desta reportagem, o líder da oposição no
Senado, Randolfe Rodrigues, da Rede do
Amapá, tinha 26 das 27 assinaturas ne-
cessárias de colegas para entrar com o pe-
dido de CPI. Reunira o número mínimo
dias antes, mas o esforço ruiu, em razão
de pressões comandadas por Nogueira, o
chefe da Casa Civil de Bolsonaro. Três se-
nadores inicialmente signatários recua-
ram, lacuna preenchida em parte por ou-
tros dois. “Por que esse desespero? Porque
este é um escândalo que atinge o coração
do governo. Não chega somente no presi-
dente da República, chega nas principais
estrelas do governo”, afirma Rodrigues,
um dos articuladores de um jantar tido
pelo ex-presidente Lula com senadores
em meio à confusão, na segunda-feira 11.
Tentar investigar obras paradas na
área da Educação e começadas com Lu-
la, Dilma Rousseff e Michel Temer foi ou-
tra ação do governo federal contra a CPI.
O senador pelo Rio Carlos Portinho, do PL
de Bolsonaro, obteve 28 assinaturas para
propor uma comissão de inquérito sobre
essas obras, ideia sustentada em uma in-
formação a respeito de atrasos dada à Co-
missão de Educação do Senado em 7 de
abril pelo presidente do FNDE, o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educa-
ção, Marcelo Lopes da Ponte.
Aliado de Lira lucrou
420% ao revender kits
de robótica ao FNDE,
sob a influência do
ministro Ciro Nogueira
Este é um dos personagens a deixar
o Centrão na berlinda. Ponte assumiu
o fundo em maio de 2020, indicado por
Nogueira. Era seu chefe de gabinete no
Senado. Uma semana antes, chegara ao ór-
gão Gharigham Amarante Pinto, diretor
de ações educacionais. É um apadrinhado
do ex-deputado Valdemar Costa Neto, che-
fe do PL. Trabalhava há anos na lideran-
ça do partido na Câmara. O ministro da
Educação da época, Abraham Weintraub,
deixaria o cargo no mês seguinte, por ter
xingado juízes do Supremo Tribunal Fe-
deral em uma reunião ministerial. Hoje,
inconformado por não ter apoio do presi-
dente para disputar o governo paulista,
Weintraub conta que Bolsonaro lhe dera
uma ordem no governo: “Você vai ter que
entregar o FNDE pro Centrão”.
Comandado pelo Centrão e dono de 1,8
bilhão de reais este ano para gastar como
quiser, embora seu caixa total seja de 42
bilhões, o fundo tem sido uma usina de
negócios suspeitos. Um destes foi a com-
pra de 3.850 ônibus escolares. Amarante
pediu internamente um orçamento para
orientar uma licitação. Recebeu uma pro-
posta de 1,3 bilhão de reais, baseada nos
preços de uma aquisição anterior, de ju-
nho de 2021, e na inflação. Ele mudou as
contas. Incluiu o orçamento dos fornece-
dores do pregão anterior. A referência pa-
ra o leilão subiu a 2 bilhões, uma festa para
as firmas concorrentes. Em razão do noti-
ciário, o leilão realizado em 5 de abril teve
outro parâmetro, de 1,5 bilhão. O Tribunal
de Contas da União, auxiliar do Congresso
na vigilância do governo, embargou o pro-
cesso até concluir uma apuração do caso.
Da mesma forma, levanta desconfian-
ças sobre o FNDE o plano de construir 2
mil novas escolas. Há 3,5 mil inacabadas,
por que não as terminar primeiro? Tal-
vez porque já tenham empreiteira defi-
nida. Além disso, o fundo não possui ver-
ba suficiente para bancar o canteiro de
obras, daí o relato do jornal O Estado de
S.Paulo ter sido resumido com a ideia de
“escolas fake”, para existir no papel e no
gogó. Detalhe: o governo não só não quer
finalizar as escolas inconclusas como de-
fende uma CPI para elas.
Do FNDE saiu a grana para um enredo
suspeito a botar em cena o presidente da
Câmara, Arthur Lira, figurão que age com
Nogueira, seu colega de PP, na sabotagem
da CPI do MEC. O fundo destinou 26 mi-
lhões de reais à aquisição de kits de robótica
para escolas de sete municípios de Alagoas,
várias delas sem água, salas de aula, com-
putadores e internet. Lira é de Alagoas. A
empresa fornecedora, a Megalic, é inter-
mediadora, não fabricante. Vendeu por
14 mil um kit que lhe custara 2,7 mil, con-
forme a Folha de S.Paulo. A secretária de
Educação da cidade de Flexeiras, Maria
José Gomes, contou ao jornal ter conse-
guido o dinheiro graças a Lira. A prefeita
da cidade, Silvana da Costa Pinto, é do PP.
Se os rolos acima dão corda à ideia de
uma CPI do MEC, o ponto de partida do
pedido de inquérito é o caso dos pastores-
-lobistas. O depoimento de alguns prefei-
tos à Comissão de Educação do Senado no
início do mês confirmou a existência de
religiosos cobradores de propina em tro-
ca de ajuda para liberar recursos do Mi-
nistério da Educação. O tucano Gilberto
Braga, da cidade maranhense de Luís Do-
mingues, narrou como dois pastores lhe
pediram 15 mil reais adiantados e 1 qui-
lo de ouro no futuro. A oferta foi feita em
um almoço em Brasília após uma reunião
de prefeitos no MEC, em abril de 2021.
Partiu dos pastores Gilmar dos Santos e
Arilton Moura. O primeiro é presidente
da Convenção Nacional de Igrejas e Mi-
nistros das Assembleias de Deus no Bra-
sil. Moura é diretor da entidade.
A revelação do esquema derrubou o
pastor Milton Ribeiro do cargo de minis-
tro da Educação em 28 de março. Em de-
poimento à Controladoria-Geral da União,
Ponte, do FNDE, disse ter ouvido uma in-
sinuação de propina por parte de Moura.
Uma CPI poderia ajudar a esclarecer o pa-
pel de Bolsonaro na ação dos lobistas. Em
áudio divulgado pela Folha, Ribeiro expli-
cou por que abriu as portas da pasta a eles:
“Foi um pedido especial que o presidente
da República fez para mim sobre a ques-
tão do (pastor) Gilmar”. Defensora do go-
verno nos tribunais, a Advocacia-Geral da
União apontou “menção indevida” ao ca-
pitão por Ribeiro. A posição foi expressa
no Tribunal Superior Eleitoral, em uma
ação do PT para Bolsonaro ser punido por
abuso de poder político e econômico.
Em jantar com Lula,
caciques do MDB
no Nordeste rifaram
a candidatura
de Simone Tebet
A Bancada da Bíblia reforçou a opera-
ção do governo contra a CPI. Seu líder,
deputado Sóstenes Cavalcante, do PL
do Rio, prega que “senador que assinar
(a CPI) vai ter desgaste com o segmen-
to”. Curioso: ao surgir o escândalo, di-
zia apoiar uma investigação e que os fa-
tos envergonhavam os crentes. A pres-
são evangélica deu certo com o senador
Weverton Rocha, do PDT do Maranhão,
um dos três que desistiram de apoiar a
CPI. Os outros dois refugadores fo-
ram Oriovisto Guimarães, do Paraná,
e Styvenson Valentin, do Rio Grande do
Norte, ambos do Podemos. Alegaram que
a investigação viraria palanque eleitoral.
“Os responsáveis pela CPI não somos
Conselhos. Os aliados centristas pedem
que Lula priorize a pauta econômica
e reforce os laços com o vice, Alckmin
nós que assinamos, é o governo que rou-
bou e deixou roubar no MEC”, afirma
Randolfe Rodrigues. Segundo ele, há
um “esquema escabroso pelo qual es-
tá saindo pelo ralo o dinheiro que deve-
ria ser destinado à educação de crian-
ças e jovens”, graças a “uma quadrilha
que se apoderou do Ministério da Edu-
cação” e tem “raízes no Centrão”. A Co-
missão de Educação do Senado tem ten-
tado destrinchar as denúncias, mas es-
barra em limitações que uma CPI não
tem. Não pode convocar quem não seja
ministro. Ribeiro deu o cano nela quan-
do não era mais ministro, idem os pasto-
res. Ela também não tem poder de que-
brar sigilos bancário, telefônico e fiscal.
Se Rodrigues conseguisse a assinatura
faltante para protocolar o pedido de CPI,
o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
do PSD de Minas, teria um pepino após a
Páscoa. Caberia a ele examinar se tanto
esse pedido quanto aquele de uma CPI das
obras inacabadas atendem aos requisitos
legais. Decidir simplesmente não insta-
lar as comissões ele não pode. Na da Co-
vid, o Supremo deixou claro que o presi-
dente do Senado não pode engavetar a seu
bel-prazer. “Sou realista. Há provas mui-
to contundentes (para uma CPI do MEC),
mas também tenho presente que o gover-
no opera (contra). O Ciro (Nogueira) é um
dos eventuais investigados”, diz o senador
petista Humberto Costa, de Pernambuco.
Costa foi um dos participantes do jan-
tar de Lula com cerca de 15 senadores na
segunda-feira 11 em Brasília, na casa do
emedebista Eunício Oliveira, do Ceará.
Um encontro para mostrar que parte do
MDB, especialmente do Nordeste, não
engolirá uma candidatura da colega Si-
mone Tebet pela “terceira via”. Renan
Calheiros, de Alagoas, pró-CPI do MEC,
acha que com Simone o MDB repetiria o
erro em 2018: lançar um candidato fraco
(era Henrique Meirelles há quatro anos)
que atrapalha a campanha de deputados
e senadores. Curiosidade: há senador do
PT que vê Simone como antipetista e pre-
conceituosa com o partido.
O jantar serviu ainda para os poten-
ciais aliados centristas de Lula manifes-
tarem preocupação com declarações re-
centes dele a favor de o aborto ser tratado
como questão de saúde pública e de sin-
dicalistas pressionarem parlamentares
na casa destes. Seriam posições que ti-
rariam votos de um eleitor conservador,
apesar de a indicação formal de Geraldo
Alckmin, do PSB, para ser vice do petista
funcionar como sinal na direção oposta.
“O foco do discurso do Lula será a econo-
mia, o desemprego, a inflação, mas sem
negligenciar temas sensíveis”, diz o sena-
dor Rogério Carvalho, do PT de Sergipe,
outro participante do jantar.
Para Carvalho, a economia não deve-
rá melhorar nos próximos meses a pon-
to de favorecer a reeleição de Bolsonaro,
como a turma do Centrão alardeia. Esse
tema tem garantido a força da pré-candi-
datura de Lula, graças à memória do go-
verno dele. O PT pediu a cientistas polí-
ticos uma análise das pesquisas e a res-
posta que recebe é de que a subida de Bol-
sonaro da casa de 25% para 30% é a re-
cuperação de um certo eleitor pelo pre-
sidente. E que o quadro atual, com Lula
na casa de 40% a 45%, é o mesmo há um
ano. Uma CPI mudaria isso? •
carta capital
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