Por André Barrocal..
A
Petrobras é tema de eleições desde a sua criação, em 1953, e neste ano
não será diferente. É fácil entender o motivo. Trata-se da maior empresa
brasileira, responsável por 4% do PIB, que explora uma riqueza pela
qual se fazem guerras. Na campanha de 2010, o pré-sal havia sido
recém-descoberto, debatia-se a melhor lei para extraí-lo e dividi-lo,
enquanto a estatal realizava a maior capitalização da história. Em 2014
e 2018, a companhia foi estrela negativa, em razão da Operação Lava
Jato. Em 2022, Jair Bolsonaro resgatará o clima de “roubalheira” na
petroleira para tentar bater Lula nas urnas. E até sopra que a
privatizaria, ideia que faz a cabeça do pré-candidato tucano João Doria
Jr. A disposição bolsonarista e os planos lulistas para a política de
preços da estatal, política que é um abacaxi para o presidente, a
colocam no centro do debate nos próximos meses.
Com esse pano
de fundo, as últimas semanas desencadearam uma guerra entre grupos do
governo e da Petrobras pelo controle da companhia, que registrou lucro
recorde no ano passado, de 106 bilhões de reais. A política de preços
que garantiu esse ganho, atrelada às cotações internacionais do
petróleo, castiga a população e a popularidade governamental, ao
encarecer a gasolina, o diesel e o botijão de gás. Também serviu de
pretexto para uma investida do “Centrão” liderada pelo ministro da Casa
Civil, Ciro Nogueira, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, para mandar
no pedaço, operação abençoada por Bolsonaro. Se os dois enxergam o
efeito danoso da inflação nas chances do governismo nas urnas,
igualmente tentaram aproveitar a chance para enfiar apadrinhados na
estatal que trabalhariam por interesses privados. Seria uma derrota das
alas fardada e neoliberal do governo e dos acionistas privados, apesar
de o perfil dos apadrinhados sugerir que a política de preços não
sofreria mudança radical.
Cheios de conflitos de interesse em ra-
zão de duas atividades privadas, os apadri-
nhados (o presidente do Flamengo, Rodol-
fo Landim, ex-dirigente da Petrobras, e o
lobista Adriano Pires) não resistiram à sa-
botagem que uniu o ainda presidente da
petroleira, o general Joaquim Silva e Lu-
na, e acionistas minoritários. Após Lan-
dim e Pires desistirem da indicação para
o comando do conselho de administração
e presidente-executivo, respectivamente,
a solução encontrada pelo governo foi dei-
xar tudo do jeito que está. Na quarta-feira
13, a Assembleia-Geral da Petrobras exa-
minará os nomes do engenheiro civil Már-
cio Weber para a vaga destinada a Landim
e o do químico industrial José Mauro Fer-
reira Coelho, mestre pelo Instituto Mili-
tar de Engenharia, para aquela de Pires.
Coelho foi secretário de Petróleo,
Gás e Biocombustíveis do
Ministério de Minas e Energia
de 2020 a 2021. Saiu no dia em
que Bolsonaro anunciou um
auxílio de 400 reais a cami-
nhoneiros, que sofrem com o diesel ca-
ro, subsídio que levou alguns neoliberais
a deixarem o Ministério da Economia.
Weber é do conselho de administração
desde abril de 2021, por designação do
governo, e seus discursos ali o mostram
alinhado aos rumos atuais da companhia,
não só nos preços. No governo Bolsonaro,
a estatal vendeu 138 bilhões de reais em
ativos. Esse encolhimento busca restrin-
gir a empresa a uma mera exploradora
e exportadora de petróleo, uma das ra-
zões para os preços caros da gasolina, en-
tre outras pelo fato de a empresa ter re-
duzido os investimentos em refinarias.
“Bolsonaro tentou entregar a Petrobras
para os dois setores, que, por motivos di-
ferentes, reclamam da política de preços:
o Centrão e o mercado”, avalia o econo-
mista William Nozaki, diretor-técnico
do Instituto de Estudos Estratégicos de
Petróleo e Gás, a propósito das abortadas
nomeações de Landim e Pires. O Centrão
reclama de preços altos e o mercado, de
reajustes “tímidos”. A paulada de 18% na
gasolina, de 25% no diesel e de 16% no bo-
tijão de gás em março foi anunciada após
57 dias de congelamento. As nomeações
de Coelho e Weber, prossegue Nozaki, “é
uma vitória” dos defensores da atual po
tica de preços, mas permitirá a Bolsonaro
“ganhar tempo” na opinião pública até fi-
car claro que nada muda.
A política de preços contamina a infla-
ção e faz da Petrobras um pepino para a re-
eleição do presidente. Do início dos reajus-
tes quase automáticos, em 2017, ainda na
gestão de Michel Temer, a 2021, a inflação
foi de 28%. No período, a gasolina encare-
ceu 80%, o diesel 72% e o botijão, 84%. O
estrago foi particularmente grande no ano
passado. Enquanto o IPCA atingia 10%,
maior nível desde 2015, a gasolina subia
47%, o diesel 46% e o botijão, 37%. É uma
situação que empobrece o brasileiro. Em
dezembro de 2017, o salário médio dos tra-
balhadores era de 2.669 reais. No último
mês de 2021, era 7% menor, 2.484 reais.
A maioria da população bota
a culpa no governo pela alta
dos combustíveis. Segundo
uma pesquisa de março do
Datafolha, 68% acham que a
gestão Bolsonaro tem “muita
responsabilidade” ou um “um pouco de
responsabilidade” pela situação. O pre-
sidente é perdoado por 30%, aparente-
mente a parcela bolsonarista do eleito-
rado. A aprovação ao governo está entre
25% e 30%. As intenções de voto no ca-
pitão, em 30%. Números de dois levanta-
mentos dos últimos dias, do Ipespe e da
Quaest. Em ambos Lula lidera o primei-
ro turno com 45% e bateria o adversário
por 20 pontos no duelo final.
Bolsonaro queria uma Petrobras com
preços mais controlados ao designar Silva
e Luna em 2021, em substituição ao neoli-
beral Roberto Castelo Branco (que, aliás,
será chefe da 3R Petroleum, que negocia
a compra de ativos da estatal desde que
o economista estava na Petrobras, caso
clássico de “porta giratória”). Fracassou.
O general, conta uma fonte da companhia,
foi aliciado pelos acionistas privados, pa-
ra os quais a empresa não é estatal e tem a
missão de encher o bolso de quem detém
seus papéis, não importa o custo para o
País. Dos 106 bilhões de reais de lucro no
ano passado, 101 bilhões serão distribuí-
dos em dividendos. Quem embolsará? Do
capital total da empresa, o governo detém
36%. O restante está em mãos privadas,
45% com estrangeiros. O general repete
que a Petrobras não tem de fazer política
pública nem pensar no social, isso é com
o governo. É por causa desse aliciamento
que Bolsonaro de vez em quando diz que
seria melhor vender a petroleira. Livrar-
-se do problema: uma saída fácil.
O general “não entende” de petróleo e
gás e a Petrobras “não dá satisfação a nin-
guém”, talvez seja melhor mesmo privati-
zá-la, declarou Arthur Lira após perder a
batalha pelo controle da estatal. Um nome
explica por que o apadrinhado dele, Pi-
res, e o de Ciro Nogueira, Landim, foram
bombardeados na Petrobras por “confli-
tos de interesse” e desistiram de assumir
cargos lá. É o empresário Carlos Suarez,
o “S” da OAS, empreiteira cujo ex-presi-
dente, Léo Pinheiro, afirmou em delação
premiada ter pagado no passado propina
a Nogueira, motivo de o ministro ser in-
vestigado sigilosamente no Supremo Tri-
bunal Federal. Suarez tem interesses no
setor de gás. É dono, entre outras, da dis-
tribuidora Termogás e detentor de auto-
rizações para construir gasodutos. É in-
fluente no Congresso, dizem parlamenta-
res, tem acesso até no campo progressis-
ta. Uma força vista em duas votações no
governo Bolsonaro, a da nova Lei do Gás
e a da privatização da Eletrobras.
No primeiro caso, Suarez ar-
rancou benesses do relator no
Senado, Eduardo Braga, do
MDB, em dezembro de 2020,
questionadas em público por
deputados governistas. O em-
presário controla a Cigás, sociedade com
o estado do Amazonas, terra de Braga.
Em 2020, a Assembleia Legislativa ama-
zonense aprovou outra legislação pa-
ra o gás e o presidente da Casa na épo-
ca, Josué Neto, do PTB, acusou Suarez
de pagar suborno por ela. Servir para pa-
gar propina e lavar dinheiro foram ra-
zões para uma conta de Suarez na Suíça
ter tido 15 milhões de dólares bloquea-
dos, descoberta da Operação Greenfield.
O numerário depositado no banco suíço
saiu de uma conta de Landim. Este é réu
desde novembro de 2021 por uma denún-
cia da mesma Greenfield.
No caso da privatização da Eletrobras,
apurou CartaCapital, Suarez foi um
dos principais nomes consultados pe-
lo relator na Câmara, o baiano Elmar
Nascimento, indicado por Lira. Nasci-
mento, do ex-DEM, obrigou o governo a
tirar do papel usinas térmicas no Nor-
deste, Norte e Centro-Oeste, um total de
6 mil megawatts. Ideia na contramão da
energia limpa requerida cada vez mais nos
tempos atuais. Essa ampliação das térmi-
cas só vingará se a Petrobras investir em
gasodutos que forneçam a matéria-prima.
Com a nova Lei do Gás, o ministro da Eco-
nomia, Paulo Guedes, queria tirar a esta-
tal do setor. Um dos estados onde a Termo-
gás tem a ganhar com distribuição do pro-
duto é o Piauí, de Ciro Nogueira. Quando
a lei da privatização foi votada no Senado,
Nogueira era senador, não ministro, e em-
placou uma incrível emenda “oral” que im-
pôs o suprimento nacional das novas tér-
micas. A Petrobras produz 93% do gás.
O relator da privatização no Senado,
Marcos Rogério, do ex-DEM, incluiu 2
mil megawatts de térmicas no Sudeste
entre as obrigações do governo. Quem ga-
nha? Um bom palpite é a Cosan, do em-
presário do agronegócio paulista Rubens
Ometto. A empresa controla, em parceria
com a Shell, a maior distribuidora de gás do
País, a Comgas. Pires era consultor da Shell
e da associação das distribuidoras de gás, a
Abegás. O presidente da Abegás, Augusto
Salomon, é da confiança de Ometto. Em
29 de março, um dia após o governo in-
dicar Pires para a presidência da estatal,
Salomon fez lobby pelo lobista. “Solicita-
mos, se possível, o apoio de V. Sas. e de pes-
soas próximas, com declarações positivas à
indicação”, escreveu aos associados.
Se voltasse a ocupar o cargo que
quase ficou com Pires, o eco-
nomista José Sergio Gabrielli,
comandante da Petrobras de
2005 a 2012, não tem dúvi-
das de sua primeira medida.
Proporia ao conselho de administração
outro plano estratégico, a fim de a empre-
sa deixar de priorizar a exploração e a ex-
portação de petróleo do pré-sal, foco de-
finido no plano atual. O País, diz, precisa
discutir o abastecimento interno de deri-
vados de petróleo, ou seja, gasolina, quero-
sene de aviação, diesel e gás de cozinha. “O
Brasil só não vive um problema mais grave
de preço dos combustíveis porque a econo-
mia está estagnada há vários anos”, afir-
ma. “Qualquer soluço de crescimento vai
bater na incapacidade das nossas refina-
rias de atender à demanda. Com os preços
altos do petróleo lá fora, a situação aqui se-
rá pior, se não investirmos em refinarias.”
Em 2019, primeiro ano de Bolsonaro, a
Petrobras anunciou a intenção de vender
oito refinarias. A maior, na Bahia, foi en-
tregue no início de 2022 a um grupo ára-
be e agora cobra mais caro do que a Pe-
trobras pela gasolina. Segundo Gabrielli,
a estatal tem condições de duplicar a refi-
naria de Abreu e Lima, em Pernambuco,
ainda inconclusa, e de iniciar a constru-
ção de uma nova, projeto de quatro a cin-
co anos. Pensar em uma Petrobras gigan-
te, a atuar com distribuição de gasolina e
gás natural, operadora de gasodutos, em
suma, uma grande companhia de ener-
gia, não dá mais. A reorientação defendi-
da para a empresa, com foco no mercado
interno e na produção de derivados, exi-
giria, diz Gabrielli, “enfrentar o capital
financeiro, porque o capital financeiro
está dominando a Petrobras, através dos
acionistas minoritários”. Recorde-se: es-
trangeiros detêm 45% das ações da com-
panhia. Mas, prossegue ele, é possível fa-
zer isso se o governo exercer o poder de
controlador, algo que Bolsonaro não fez.
Exigiria também, possivelmente, con-
trariar o Tio Sam, aquele mesmo que se
beneficiou da Lava Jato e da abertura
da exploração do pré-sal a multinacio-
nais. Um Brasil exportador de petróleo
é do interesse dos Estados Unidos, co-
mo ficou claro com a guerra na Ucrânia.
Em 10 de março, dois dias após Joe Bi-
den proibir a importação de petróleo da
Rússia, terceiro maior vendedor do mun-
do, o ministro de Minas e Energia, Bento
Albuquerque, falou por videoconferên-
cia com sua homóloga norte-americana,
Jennifer Granholm. E esta pediu ao Brasil
que aumente a exportação petroleira.
Enquanto esteve preso pela Lava Jato,
entre 2018 e 2019, Lula leu O Petróleo, de
um historiador e especialista em ener-
gia, o norte-americano Daniel Yergin, li-
vro que descreve como, desde a sua des-
coberta, em 1859, o óleo tem sido a cau-
sa de guerras pelo mundo, em geral com
os EUA em uma das trincheiras. O petis-
ta tem estado irritado com a sua comu-
nicação, por achar que ela tem sido in-
capaz de mostrar à população que a al-
ta da gasolina e do diesel não resulta da
guerra na Ucrânia, mas da política da Pe-
trobras. Ele defende que a estatal tem de
“abrasileirar” os preços. “O que fizeram
com a Petrobras foi crucificar a mais im-
portante empresa que nós tínhamos no
Brasil, uma empresa que não era de pe-
tróleo, era muito mais que isso”, disse em
um evento com petroleiros no Rio de Ja-
neiro, no fim de março. “A Petrobras e a
Eletrobras são dois patrimônios impor-
tantes que garantirão parte da soberania
nacional. Por isso, a soberania vai ser um
dos motes desta campanha.”
LULA, EM EVENTO
COM PETROLEIROS:
“O QUE FIZERAM
COM A PETROBRAS
FOI CRUCIFICAR A
MAIS IMPORTANTE
EMPRESA QUE
NÓS TÍNHAMOS
NO BRASIL”
A Eletrobras está com a privatização
a depender da última palavra do Tribu-
nal de Contas da União a respeito do va-
lor de suas ações. Na quinta-feira 7, o TCU
realizou um debate sobre o tema, apenas
com vozes pró-privatização. A Aeel, asso-
ciação dos funcionários, foi vetada. O go-
verno corre para se livrar do controle da
empresa até 13 de maio, se não conseguir,
aí só em agosto, no meio da eleição. E pri-
vatização, como se sabe, é sinônimo de ta-
rifa mais alta. Lula e o PT têm deixado cla-
ro, de forma sutil, que vão tentar melar a
privatização de alguma forma na Justiça,
a fim de desencorajar os ricaços de olho
na empresa. Eis uma das razões para cer-
tos empresários que jantaram com a pre-
sidente petista, Gleisi Hoffman, em 4 de
abril, terem apontado depois à mídia, ano-
nimamente, uma “radicalização” lulista.
No jantar, a Petrobras também foi as-
sunto. No “mercado”, diz um analista po-
lítico de uma firma da Avenida Faria Li-
ma, há preocupação sobre o que um novo
governo Lula faria na estatal. A julgar pe-
las ideias de economistas colaboradores
da pré-campanha petista, haveria uma re-
orientação da empresa para o aumento da
produção de derivados (gasolina, diesel,
gás de cozinha). Haveria menos lucro no
curto prazo (“abrasileirar” preços) e me-
nos distribuição de dividendos aos acio-
nistas, para que parte do dinheiro seja re-
vertido em investimentos. “A Petrobras e
a Eletrobras são pensadas para atender
ao interesse nacional, não os acionistas,
e um dos aspectos importantes nesse sen-
tido é que elas podem servir para amorte-
cer choques externos de preços”, afirma o
economista Pedro Rossi, da Unicamp, co-
laborador da pré-campanha lulista.
Uma eleição de Lula significaria
novo papel para a Petrobras,
mas seria pouco para resolver
a grande disputa existente des-
de o nascimento da estatal pe-
la apropriação da riqueza que
ela é capaz de gerar, na visão de Ildo Sauer,
professor da USP especialista em ener-
gia e ex-diretor da Petrobras no primei-
ro mandato do petista. Segundo ele, en-
tre os custos de produção e os preços mé-
dios de venda, a empresa gera cerca de 80
bilhões de dólares ao ano. Quatro grupos
lutam por nacos da bolada: os acionistas
(ganham com os lucros), os consumido-
res (ganham com preços mais baixos nos
postos), o povo brasileiro em geral (ori-
gem do poder político) e as multinacionais
(usam lobistas na mídia para desacreditar
a Petrobras e tomar espaço e negócios de-
la). “Quem deveria se apropriar da maior
parte desse excedente”, afirma Sauer, “é o
grupo três, o povo brasileiro. Mas não há
força política para isso. Nem com o Lula,
que na verdade não quer mexer nisso.” •
CARTA CAPITAL
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