March 3, 2022

Rússia aumenta poder de fogo e concentra ataque em quatro frentes na Ucrânia

 




André Duchiade

Após a aposta inicial russa de uma ofensiva fulminante esbarrar em mais obstáculos do que previa, o Exército do Kremlin ajusta as suas expectativas, organiza novos arranjos logísticos e se prepara para uma campanha mais longa, dura e destrutiva na Ucrânia.

A ofensiva russa se concentra agora em quatro eixos de ataques: em Kiev, em Karkhiv (segunda maior cidade do país, no Leste, a 65 km da fronteira com a Rússia), na região separatista de Donbass e no Sul, que, desde o início dos conflitos, é onde a Rússia registrou mais vitórias.

As forças russas estão estabelecendo condições para cercar várias das principais cidades ucranianas e dedicaram os últimos dias a reorganizar sua linha de suprimentos para Kiev, após enfrentar problemas na entrega de combustível e de alimentos. A logística falha fez com que, por exemplo, muitos veículos militares russos fossem abandonados.

Uma ofensiva terrestre contra a capital é esperada para quando a logística estiver funcional, mas ainda não parece iminente. Além dos cercos às cidades, as forças russas também tentam isolar as forças ucranianas.

O comando terrestre do Exército brasileiro, que produz relatórios públicos diários sobre a guerra, infere “que a negociação de um pretenso acordo visa permitir o ressuprimento das tropas ou mesmo dissimular o ímpeto da continuidade das operações por parte da Rússia”.

Por ora, um enorme comboio de tanques, caminhões e veículos blindados de combate se aglomera a noroeste de Kiev, e há ataques aéreos, de artilharia e com mísseis contra alvos estratégicos em andamento.

Segundo a maioria dos analistas militares, uma descomunal desigualdade de forças entre as partes pode acarretar uma mudança de maré a favor da Rússia no futuro próximo.

De acordo com pesquisadores do Instituto de Estudos da Guerra (ISW), uma das organizações da sociedade civil que têm produzido relatórios diários de inteligência, Moscou “pode obter ganhos significativos em sua campanha, tão logo ajuste suas falhas”.

— Há um reajuste das regras de engajamento do lado russo. Havia uma ideia de ganhar corações e mentes, de que haveria um levante pró-Moscou. Mandavam então veículos e agrupamentos leves, e eram completamente destruídos — disse Tito Lívio Barcellos Pereira, geógrafo e analista geopolítico independente.

Segundo uma autoridade da Inteligência americana, 82% dos até 190 mil soldados russos concentrados na fronteira já entraram na Ucrânia. Destes, menos da metade já participou de alguma batalha.

De acordo com Franz-Stefan Gady, analista militar do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), de Londres, os céus ainda estão em disputa, mas “cedo ou tarde a Rússia dominará os céus da Ucrânia em altitudes mais elevadas".

Por outro lado, todos os relatos apontam que o moral e a disposição para a guerra dos soldados ucranianos permanecem extremamente altos. É provável que, conforme as forças russas avancem, eclodam conflitos de guerra urbana, nos quais a Rússia deve utilizar armas de poder de fogo elevado, e a Ucrânia deve responder com mísseis antitanque (Javelins) e mísseis terra-ar (Stingers).

Os indícios são de que o conflito se aproxima de uma fase mais mortífera. Isto já se verificou nesta quarta-feira em Mariupol, no Sudeste, onde, segundo o vice-prefeito, ataques em bairros residenciais deixaram centenas de mortos. 

Até agora, os números de baixas são pouco confiáveis. O Ministério da Defesa da Rússia disse nesta quarta-feira que 498 soldados russos morreram e 1.597 ficaram feridos desde o início da operação. Foi a primeira vez que Moscou divulgou suas baixas. Segundo o porta-voz russo, as baixas dos "militares e nacionalistas ucranianos" chegam a "2.870 mortos e cerca de 3.700 feridos".

O governo ucraniano, por sua vez, divulgou que pelo menos 7 mil soldados russos teriam sido mortos desde o início da invasão, enquanto centenas estariam prisioneiros, incluindo oficiais. A Ucrânia não divulgou suas baixas militares. Nenhum dos números pôde ser verificado de forma independente.


Abaixo, um resumo dos quatro eixos de ataque da Rússia:

Eixo 1, Kiev

Há um cerco em andamento em preparação para tomar a capital da Ucrânia, naquele que é o principal esforço da ofensiva russa.

Há relatos discordantes sobre a extensão do comboio que se aglomera a noroeste, na margem direita do rio Dnitro, a 35 km da capital. Posições foram atacadas dos dois lados do rio, em investidas restritas.

Após relatos na imprensa de que a fileira era de 64 km, a Maxar Technologies, empresa de satélites, corrigiu a informação e informou ao ISW que este número deve ser superestimado e o comboio não é contínuo.

Segundo Franz-Stefan Gady, analista militar do IISS de Londres, o “objetivo é cercar a cidade e forçar retiradas em massa de civis. Em sua análise, devem-se “esperar ataques de mísseis e artilharia na cidade para aterrorizar a população, mas ainda não um ataque iminente à cidade”.

Isto é condizente com um relato do Ministério da Defesa da Ucrânia, que informou que as tropas russas “se preparam para iniciar uma operação de informação e psicológica em larga escala em um futuro próximo". O "objetivo é quebrar a resistência do povo ucraniano e das Forças Armadas ucranianas com a ajuda das mentiras", disse a nota.

Segundo o Estado-Maior da Ucrânia, as forças russas assumiram e estão fortalecendo posições defensivas, atividade coerente com os preparativos para um subsequente cerco da capital.

De acordo com Frederick Kagan, diretor do projeto Critical Threats do American Enterprise Institute, que fez uma parceria com o ISW, a coluna seria um “alvo muito difícil” para um ataque aéreo de resposta da Ucrânia.

Mais ao norte, forças ucranianas mantêm posições em Chernihiv, em um eixo de apoio contra Kiev, e também em Sumy, 115 km a leste de Kiev. O objetivo parece ser cercar Chernihiv e então capturá-la, para abrir uma via da Bielorrúsia até Kiev e também de conexão do eixo leste, desde a Rússia.

Se Moscou conseguir conquistar Chernihiv, Kiev ficará mais vulnerável para ser cercada a noroeste e a leste.

Segundo o ISW, as forças russas ainda não empregaram tanques e forças de artilharia contra Kiev, mas terão que fazer isso. “É improvável que as forças ucranianas capitulem”, diz o relatório mais recente.

Eixo 2, Kharkiv

Embora Kharkiv, a cidade grande da Ucrânia mais próxima da Rússia, tenha sido  bombardeada por todos os tipos de artilharia durante o dia, não houve movimento nem ganhos relatados pela Rússia.

Já o prefeito,  Igor Terekhov, disse que o município de 1,4 milhão de habitantes está "parcialmente cercado", mas os militares ucranianos estariam atualmente evitando que tomem o controle da cidade "heroicamente".

Nesta manhã, mísseis atingiram edifícios que pertencem à polícia, ao Serviço de Segurança da Ucrânia e à Universidade Nacional de Karazin. Pelo menos quatro pessoas teriam sido mortas no ataque, e os suprimentos de comida e água estão perto de acabar.

O uso de bombardeios aéreo, de mísseis e de artilharia provavelmente têm o objetivo de permitir uma nova ofensiva terrestre subsequente.

Eixo 3, Donbass

Na região de Donbass, onde desde 2014 os rebeldes separatistas apoiados por Moscou estão em guerra com o Exército ucraniano, as forças russas cercaram Mariupol, após capturarem Shyrokyne e Staryi Krym.

Mais de 120 civis estavam sendo tratados por ferimentos em hospitais, disse o prefeito. Houve um uso de artilharia pesada na cidade, em uma prévia do que deve estar por vir em outros lugares.

O vice-prefeito da cidade, Sergiy Orlov, descreveu uma situação dramática à BBC, dizendo que áreas residenciais foram fortemente bombardeadas:

— A situação é terrível, estamos perto de uma catástrofe humanitária. Estamos sob mais de 15 horas de bombardeio contínuo sem pausa — afirmou. — Um bairro da cidade está quase totalmente destruído. Não podemos contar o número de vítimas lá, mas acreditamos que pelo menos centenas de pessoas estão mortas. Não podemos entrar para recuperar os corpos. Meu pai mora lá, não consigo alcançá-lo, não sei se ele está vivo ou morto.

Segundo Orlov, "as forças russas estão a vários quilômetros de distância por todos os lados".

— O Exército ucraniano é corajoso e continuará defendendo a cidade, mas a Rússia não luta com seu Exército, apenas destrói distritos. Acreditamos em nosso Exército ucraniano, mas estamos em uma situação terrível.

Eixo 4, Sul

O Ministério da Defesa da Rússia anunciou nesta quarta-feira que suas tropas tomaram o controle de Kherson, no Sul da Ucrânia, ao norte da Península da Crimeia, a região anexada pela Rússia em 2014. O prefeito da cidade, Igor Kolykhaev, disse que as forças ucranianas recuaram para a cidade próxima de Mykolaiv.

—  Não há mais Exército aqui —  disse ele ao New York Times. —  A cidade está cercada.

Segundo a prefeitura, as condições dentro da cidade são terríveis, com comida e remédios acabando e “muitos civis feridos”, escreveu Gennady Laguta, chefe do escritório regional de segurança, no aplicativo Telegram.

Kherson, de 290 mil habitantes, é a maior cidade ucraniana a cair para a Rússia. Já no primeiro dia, as forças russas conseguiram entrar na cidade, mas foram posteriormente repelidas.

A conquista é uma etapa importante na missão russa de avançar para o interior e oeste ao longo da costa até a cidade portuária de Odessa. Antes disso, a missão deve incluir a tomada de Mykolayiv. A conquista de Kherson também significar controlar uma importante fonte de água.

A Ucrânia represou o canal ao norte da Crimeia depois que a Rússia tomou a península, de modo que a maior parte do abastecimento de água doce na Crimeia foi cortada, causando escassez na região anexada. Um dos primeiros alvos da invasão militar da Rússia foi o desbloqueio da hidrovia.

 Mapa dos combates no Sul da Ucrânia Foto: Editoria de Arte




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